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quinta-feira, 25 de junho de 2015

TSUNAMI SILENCIOSO NO MÉDIO ORIENTE



A notícia passou quase despercebida, mas ainda assim causou algumas dúvidas e perplexidades: a Arábia Saudita e a Rússia, arqui-inimigos de longa data, assinaram um acordo de cooperação nuclear para fins pacíficos. Em termos mais prosaicos: a petromonarquia comprou 16 centrais nucleares a Moscovo para entrarem em funcionamento dentro de meia dúzia de anos.
Isto é, o maior exportador mundial de petróleo decidiu poupar nos combustíveis fósseis, aproveita a tecnologia associada para desenvolver projectos de dessalinização de águas e elegeu como parceira uma empresa tutelada pelo governo do infiel Vladimir Putin.
É assim, tal e qual. Mas a notícia não passa de um pequeno abalo, uma simples réplica do enorme e silencioso tsunami que por estes dias atinge o Médio Oriente.
O epicentro do magno sismo, como já se focou nestas linhas, é a próxima assinatura de um acordo (que são pelo menos dois) entre outros arqui-inimigos, os Estados Unidos da América e a República Islâmica do Irão. Para consumo geral, um dos acordos é o chamado 5+1, que teoricamente acaba de vez com o mito das nunca existentes ambições iranianas ao nuclear militar; outro é bilateral e traduz uma espécie de partilha de zonas de influência norte-americanas e iranianas em amplos espaços do Médio Oriente, com repercussões colaterais, que podem ou não ser danosas, consoante a perspectiva.
Rezam as fugas de bastidores que os Estados Unidos reconhecerão tacitamente as zonas de influência do Irão em dois terços do Iraque, na Síria, em grande parte do Líbano; em contrapartida, Teerão conforma-se em não “exportar” a revolução islâmica.
Os Estados Unidos e o Irão vêm negociando secretamente este acordo em paralelo com as conversações internacionais realizadas na Suíça. O que praticamente não se sabia até aqui é que, também em paralelo, Israel e a Arábia Saudita já realizaram pelo menos cinco sessões de negociações secretas, a primeira das quais na Índia. Pode dizer-se até, sempre segundo as fugas de bastidores, que as negociações já deram frutos, uma vez que pilotos israelitas comandam bombardeiros sauditas nos massacres cometidos no Iémen, prenúncio de uma cooperação muito mais profunda em perspectiva entre o Estado fundamentalista hebraico e o Estado fundamentalista islâmico. Ao que se sabe, o quartel-general israelita para esta operação foi instalado na Somalilândia, um Estado fantasma.
Todos estes abalos são frutos do entendimento-base entre os Estados Unidos e o Irão, a assinar muito em breve. O acordo prevê que a chamada “força árabe comum”, sob a bandeira da Liga Árabe, tecnicamente encabeçada pela Arábia Saudita, tenha comando operacional israelita. A cooperação israelo-saudita não ficará por aqui: os dois países irão explorar em comum o petróleo do terrível deserto de Rub Al Khali e também as reservas do Ogaden, estas sob controlo etíope, outro satélite norte-americano. Israel será responsável por garantir a “estabilidade” no porto sul-iemenita de Aden, um dos terminais de uma projectada ponte que ligará o Iémen ao Djibuti. Iémen este que fará parte de uma “federação” formada em torno da Arábia Saudita e que incluirá provavelmente Omã e os Emirados Árabes Unidos.
A Arábia Saudita dará o seu aval à criação do Estado do Curdistão sob controlo israelita, tal como vem sendo planeado, sendo que os patronos da estratégia tentarão estendê-lo do Iraque aos “Curdistões” turco e iraniano. A ser assim, confirma-se que a Turquia de Erdogan está mesmo a cair em desgraça, a braços com as teias terroristas, principalmente as que actuam na Síria, que Riade lhe foi passando aos poucos. Israel aceitará a aplicação dos acordos de Oslo sobre o estatuto final dos territórios palestinianos, que ganharão a independência mas perderão o direito ao retorno dos refugiados pelo qual gerações se sacrificaram.

É assim o tsunami que abala os bastidores diplomáticos do Médio Oriente, sabendo-se que tsunami algum pode ser planeado, muito menos desenhando e redesenhando fronteiras. Dois enormes pontos de interrogação emergem só para se terem em conta situações que não podem apagar-se com uma borracha ou carregando na tecla “delete”: Netanyahu, o novo profeta do Grande Israel, é um feroz inimigo destes arranjos tutelados por prestigiados militares sionistas, pelo que ou se adapta, ou reage, ou se demite levando atrás de si a irada horda de colonos que já foi capaz de liquidar um primeiro-ministro. E o Estado Islâmico? Que fazer com o monstro sustentado por Israel, tolerado por Washington? A Síria, país que teoricamente será um dos beneficiados por este tsunami, vai tratando do assunto; os padrinhos poderão deixá-lo cair, mas tendo em conta o histórico de relações entre criadores e criaturas as perspectivas não são animadoras. A não ser que os sanguinários mercenários se contentem episodicamente com a Líbia, cujas receitas do tráfico clandestino (mas pouco) de petróleo não são de deitar fora. Será?

1 comentário:

  1. Caro José Goulão,
    A leitura do seu blog é sempre esclarecedora, tanto das suas opiniões como das suas peças informativas, mas no que toca a esta últimas creio que beneficiariam muito se pudesse nomear algumas das suas fontes.
    Abraço

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