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quarta-feira, 29 de abril de 2015


Efectivos do batalhão nazi Azov e suas bandeiras
 
ONDE PÕEM AS MÃOS FICA O CAOS

Pouco mais de um ano depois da grande explosão dita democrática em Kiev, dirigida por bandos neonazis, motivada alegadamente pela necessidade de travar e expulsar os oligarcas que tinham tomado conta da Ucrânia, o país mudou. Quem disser o contrário mente. Os oligarcas foram expulsos e substituídos por outros, aliás com muito mais prestigiadas relações, como o senhor Ihor Kolomoysky, íntimo da administração Obama, conhecido também por ter o saudável hábito de resolver os diferendos empresariais a murro e generoso empregador do senhor Hunter Biden, por acaso filho do senhor vice-presidente dos Estados Unidos da América.

O mínimo que pode escrever-se é que a Ucrânia vende saúde… Para ficar sem nenhuma. Depois de a junta fascista governante ter entregue o ministério das Finanças à cidadã norte-americana Natalija Jaresko, que só depois disso obteve cidadania ucraniana – nada que deva surpreender os incautos, porque o ministro da Economia é lituano e o da Saúde é georgiano – o FMI entrou no costumeiro processo de ajuda ao país, que por enquanto vai em 40 mil milhões de dólares, em troca das habituais reformas ao estilo das troikas. Neste caso específico, uma fatia de 17500 milhões teve como contrapartida a invasão do país pela deusa universal da contaminação, a omnipresente Monsanto, agora com mãos livres para semear transgénicos onde lhe apetecer - que não no sudeste, obviamente – e aspergir o cancerígeno roundup onde lhe aprouver. A Ucrânia governada por nazis mereceu até uma distinção especial do FMI da senhora Lagarde, que decidiu ajudar Kiev à revelia dos estatutos da organização, que a impedem de conceder empréstimos a países em guerra. Mas quem se vai lembrar dessas coisas sem importância como as leis internacionais.

Pois bem, a economia ucraniana exibe hoje relevantes efeitos da intervenção de choque em nome da liberdade e da democracia. O desemprego cresceu em flecha, a inflação é de 65 por cento ao mês, a produção industrial caiu 21%, segundo a imprensa norte-americana, a moeda nacional desvalorizou-se 70% em relação ao dólar e a recessão está à beira dos 7%. Diz-se que, em paralelo, grande parte das contribuições do FMI ajudam preferencialmente os oligarcas democráticos, muito ágeis a negociar as armas que a Ucrânia recebe para afrontar o diabólico Putin com várias nações do Médio Oriente, por seu turno empenhadas em animar grupos terroristas, sempre a bem da democracia. Consta também que a generosidade da senhora Lagarde serve para ressarcir os bancos franceses e alemães expostos ao caos ucraniano, mas como dirá qualquer comentador encartado, tudo isso não passa de teorias da conspiração.

Ao cabo de um ano e pouco de liberdade e democracia, quando agora se assinala o aniversário da chacina de Odessa cometida por bandos neonazis – entretanto a receber treino militar de tropas especiais norte-americanas – e que marcou o início da operação militar contra a minoria russófona, a Ucrânia é um país fragmentado, comandado em Kiev por grupos fascistas, sofrendo uma profunda crise humanitária, onde desaparecem pessoas, se assassinam jornalistas e fecham jornais, se impõem leis banindo forças políticas de oposição, como é o caso dos comunistas, onde a economia se debate num estertor sem conserto.

A Ucrânia mergulhou no caos, a exemplo do que acontece na Síria, na Líbia, no Iraque, no Afeganistão, no Iémen… Onde os cruzados ambulantes da liberdade e da democracia põem as mãos, seja sob as bandeiras dos Estados Unidos da América, da NATO ou da União Europeia, o que fica é morte, destruição, crises humanitárias, nações aos pedaços… O caos, em suma. O mais provável é que seja uma infeliz coincidência.

 

terça-feira, 28 de abril de 2015




A TRISTE FIGURA DA COLIGAÇÃO EUA-ARÁBIA SAUDITA

Deserções aos milhares das bases e dos quartéis, que alguns serviços europeus de informações avaliam na ordem dos 10 mil efectivos, obrigaram a Arábia Saudita a cancelar, ou mesmo a desistir, da invasão terrestre do Iémen. A medida foi tomada não tanto pelo elevado número de militares que abandonaram os seus postos, ainda assim cerca de 10 por cento do contingente previsto para a invasão, mas porque a debandada revela a falta de ânimo das forças armadas da ditadura para se envolveram em batalhas terrestres, depois do falhanço das operações aéreas, que não atingiram nenhum dos objectivos proclamados e alcançaram o único não anunciado: chacinar dezenas de milhares de civis numa repugnante campanha de terror.

Reparem agora como Washington e Riade explicam a pretensa suspensão dos ataques – a Arábia Saudita anunciou o fim dos bombardeamentos aéreos, embora prossigam – através dos seus órgãos de propaganda, na tentativa de limpar a face da carnificina civil e do fracasso militar. Seriam argumentos dignos dos Monty Piton, ou da guerra de Solnado, não se desse o caso de a campanha de terror ter vitimado um número incontável de civis, incluindo mulheres e crianças, que pagaram com a vida mais estes jogos de guerra imperiais.

Washington, pela voz do impagável e servil New York Times, garante que os bombardeamentos aéreos sauditas pararam (o que, por enquanto, é mentira) devido às intensas pressões da Administração Obama, na verdade incomodada pelas repercussões negativas geradas através do mundo pela sangrenta operação terrorista contra a população civil iemenita.

A Arábia Saudita, a contas com as deserções em massa e perante o silêncio cúmplice – eventualmente aliviado – de uma dezenas de aliados, entre os quais a junta do Egipto, garante que cancela a invasão e suspende os bombardeamentos porque atingiu os objectivos militares.

Atingiu? Vamos ver.

Riade diz que destruiu a força aérea inimiga. É verdade: o pouco que havia estava no chão e às ordens do presidente Abu Mandour Habi, refugiado na capital saudita.

Riade afirma que destruiu as capacidades do inimigo em mísseis balísticos. É uma verdade de Monsieur de La Palisse: não havia mísseis balísticos no Iémen.

Riade assegura que destruiu o controlo de comando inimigo. Não se sabe é qual, porque havia tantos controlos de comando como os grupos coligados com os rebeldes xiitas houthis, entre eles a Al-Qaida e os sunitas urbanos do ex-presidente Saleh.

Riade jura que limitou os movimentos dos rebeldes houthis. Ora os houthis mantêm em seu poder a capital Sanaa e as regiões meridionais petrolíferas, incluindo o porto estratégico de Adem; por isso, não necessitam de se mover para controlar o país.

Riade revela que, através das acções já realizadas, garantiu a segurança do seu território e a protecção do governo “legítimo” do presidente Habi. Também é verdade. O Iémen jamais ameaçou o território saudita; e o presidente Habi não pode estar mais protegido, uma vez que se encontra em Riade, no colo da família real, uma vez que as operações realizadas não o devolveram ao posto em Sanaa a que diz ter direito.

Um glorioso êxito militar, como se percebe, da não menos gloriosa aliança entre o farol da democracia planetária e um dos faróis do terrorismo planetário. Enquanto isso, a mal afamada Al Qaida reforçou a presença no Iémen, pois ficou incólume nas posições que detinha entre os grupos que repartem o poder no país; e o esforço militar no Iémen aliviou a pressão sobre o não menos mal afamado Estado Islâmico, mais incólume ainda do que já estava antes, apesar da apregoada campanha de bombardeamentos aéreos norte-americanos.

Quanto a isto, duas deduções podem fazer-se. Dificilmente os bombardeamentos aéreos resultam quando não se pretende liquidar o que se ataca; e perante os resultados dos ataques de aviação no Iémen e contra o Estado Islâmico há que dar razão aos militares, incluindo comandos da NATO, segundo os quais as guerras aéreas não ganham conflitos e o império sofre de graves lacunas em termos de guerras convencionais.

segunda-feira, 27 de abril de 2015



A FEBRE DA DEVASSA

O escândalo já não é novo. O que se vai renovando quase todos os dias são os dados da amplitude da devassa a que os europeus estão sujeitos por parte da espionagem norte-americana, com a prestimosa colaboração de espiões da União – que não poupam nem políticos, nem empresários, nem segredos tecnológicos e industriais, obviamente sujeitos a patentes.

O que Edward Snowden revelou ao mundo foi apenas a ponta de um icebergue cujos volume e profundidade crescem sem parar. Sabia-se que a National Security Agency (Agência Nacional de Segurança) dos Estados Unidos da América é unha com carne com a sua gémea britânica GCHQ. A imprensa e o Parlamento alemão vêm agora demonstrar que a intimidade é extensiva aos serviços de espionagem da Alemanha, o BND, Gabinete de Defesa da Constituição (curioso nome este), que a seu belo prazer acode às encomendas de devassa feitas pela NSA, ao que parece sem o conhecimento sequer dos órgãos de soberania do país. A torrente de confidências escorre pelo menos desde 2002, tudo à sombra de um manhoso “Memorando de Entendimento” antiterrorista, e só em Março passado a Chancelaria da senhora Merkel teve conhecimento da trapaça.

A coisa passa-se da seguinte maneira: a NSA envia listas de nomes, telefones, endereços electrónicos e IP (protocolos de internet) de pessoas e empresas a espiar e o BND coloca as suas capacidades ao serviço dos espiões norte-americanos, partindo do princípio de que pode fazer o mesmo em sentido inverso. Diz a imprensa alemã que o afã da NSA é imparável, chega a enviar várias listas por dia, de tal modo que o número de entidades devassadas é da ordem das 800 mil, incluindo políticos e cidadãos europeus de numerosas nacionalidades e também empresas de todas as dimensões, entre as quais avulta o gigante EADS (indústria aeroespacial, de defesa e segurança), fabricante do Airbus.

Apanhado em flagrante, o BND alega que o número de atingidos não passa de dois mil; a comissão especializada do Parlamento Alemão (Bundestag) já chegou aos 40 mil e a tarefa está longe de concluída. Em sua defesa – em boa verdade nada disto tem defesa – o BND alega que corresponde aos desejos da NSA no âmbito da boa cooperação, receando que se levantar dificuldades deixa de ter acesso às bases de dados da NSA. Tudo muito instrutivo, muito democrático.

Ora, como se sabe, continua em curso a elaboração do Acordo de Comércio e Investimento Transatlântico (o famigerado TTIP), através do qual os políticos da União Europeia se preparam para entregar a economia e a saúde dos europeus à mais absoluta anarquia produtiva e comercial reinante nos Estados Unidos da América, fazendo orelhas moucas aos protestos de milhões e milhões de cidadãos e instituições da Europa. Mete-se pelos olhos dentro que o frenesi de espionagem norte-americano é ditado, em grande parte, pelos dividendos que o lado de lá do Atlântico pretende retirar deste processo desequilibrado de nascença, que apenas políticos mentirosos e sem escrúpulos podem apresentar como justo e bilateral.

No fundo, no fundo, seja no caso do comércio e do investimento, seja no da intrusão abusiva na vida dos cidadãos e das empresas da Europa, a lógica é a mesma da relação entre a NSA e o BND (ou o GCHQ, ou quaisquer outros congéneres destes 28 de cócoras): o lado americano encomenda ou ordena, o lado de cá obedece, invocando que se levantar problemas pode deixar de ter acesso, no lado de lá, àquilo que na verdade não tem. Chama-se a isto subserviência de simples suseranos.

domingo, 26 de abril de 2015


In Resistir.info
 
O LOBO A GUARDAR A CAPOEIRA

No meio das entrevistas de rua realizadas durante a manifestação do 25 de Abril em Lisboa, e nas quais o auricular da jornalista a incitava a concentrar as perguntas na assinatura de uma coligação contra o 25 de Abril há muito anunciada, surgiu um cavalheiro cuja imagem não me é muito familiar, por culpa minha, confesso. Convidado, como todos os outros, a comentar a tão excitante coligação, decidida a renascer dos escombros para servir os restos do país ao insaciável mercado, o cavalheiro escusou-se polidamente: aos partidos o que é dos partidos, aos sindicatos o que é dos sindicatos, sábia e prudente opinião dentro do consagrado estilo a minha política é o trabalho e não tenho nada a ver com o resto, não me comprometam.

Ainda assim, e porque alguma coisa me escapara antes, deduzi que o cavalheiro era sindicalista. Pelo andar da conversa não tardei a perceber que era mais do que isso, muito mais, aliás, porque é o chefe de uma central sindical conhecida por UGT.

Como estávamos no 25 de Abril, dia propenso a memórias e evocações, revi em flashes curtos um pouco da história dessa entidade, desde os tempos da “Carta Aberta” pela “liberdade sindical”, ainda na pré-história deste grupo cujo nascimento teve o glorioso patrocínio do senhor embaixador Carlucci e da central sindical norte-americana, a AFL-CIO, que em boa verdade deveria escrever-se AFL-CIA-Mafia, mas isso são contos que não vêm ao caso. Lembro-me também de fotografias publicadas nesses tempos testemunhando o nascimento da criatura, selado depois de negociações segredadas nos Passos Perdidos, em plena Assembleia da República, entre destacados dirigentes do PS e do PSD. Enfim, outros tempos, velharias da História que as sensibilidades do 25 de Abril trazem à superfície; mas os tempos são outros, os da modernidade, há que nos adaptarmos à realidade. Tanto mais que o cavalheiro entrevistado, e logo em plena manifestação do 25 de Abril, sentenciara aos partidos o que é dos partidos, aos sindicatos o que é dos sindicatos.

Como o auricular da jornalista pé de microfone insistisse na previsão do futuro dos trabalhadores à luz da assinatura da nefanda coligação, o cavalheiro acabou por avançar um pouco sobre o tema. Repetiu várias vezes a palavra da moda, “compromisso”, e nesse contexto manifestou a esperança no que de bom pode trazer aos trabalhadores um compromisso – e juro que a expressão foi esta – “dentro do arco da governabilidade”.

Como sabem, a expressão “arco da governabilidade”, por sinal usada de preferência pelo dr. Portas, é um sinónimo de arco da governação, arco da austeridade, arco da exploração, arco censório, da trapaça, centrão… Enfim designações que definem a democracia tal como hoje se pratica, o um-dó-li-tá entre PS, PSD e CDS, quando não todos juntos e ao molho, seja o que Deus quiser…

Pois bem, o cavalheiro, aquele chefe de uma central sindical aposta todas as suas esperanças, e as dos trabalhadores, pois é a isso que se dedica, no compromisso dentro do tal arco, no que em nada difere da arqueológica figura que ainda se arrasta dentro do palácio de Belém. Ora sabendo nós o que significa a coligação de trastes agora renovada e, por outro lado – neste caso o lado é o mesmo – o conteúdo do programa eleitoral produzido para o PS por encartados tecnocratas neoliberais, prometendo mais “flexibilização do mercado de trabalho”, alguma coisa que nos diz que, apesar de vivermos em modernidade, a tal UGT continua com os tiques de nascença, resultantes de um lamentável exercício de manipulação genética suprimindo o alelo associado aos trabalhadores.

Ao-fim-e-ao-cabo o que o ilustre cavalheiro nos revelou no invernoso 25 de Abril que tivemos foi um sintoma da prolongada agonia dessa criatura contra natura, cujo comportamento é tão aberrante como deixar um lobo a guardar a capoeira.

 

 

sábado, 25 de abril de 2015




SÃO AS PESSOAS, ESTÚPIDOS!

“É a economia, estúpido!”, garantiram um dia a Bill Clinton como recomendação infalível para se tornar um perfeito chefe do império, qual ovo de Colombo empinado com maestria sobre a secretária da sala oval. Ele tirou-se dos seus pecadilhos democráticos e percebeu a recomendação, pouco depois estava a bombardear escolas no Afeganistão, laboratórios de produtos farmacêuticos no Sudão e a verdade é que, com ele, o neoliberalismo campeão ganhou novo alento universal, quase fazendo esquecer as sagas pioneiras de Reagan, Thatcher e do patriarca da família Bush.

“É a economia, estúpidos!”, cacarejam ainda hoje as aves de arribação afinadas pelos maestros do arco da governação, vulgo arco da exploração, largando os seus ovos de Colombo saltitando de poleiro em poleiro, de coluna impressa para microfone de rádio, daí para uma televisão, e outra, e outra, numa vertigem maluca. Graças a elas hoje sabemos quanto a economia vai crescer enquanto se apaga, se o mercado está ou não suficientemente flexibilizado, se o emprego desceu zero vírgula qualquer coisa por cento ao contrário do que diz a malandragem da oposição ao assegurar que continua a crescer, que a nossa dívida vai baixar porque tudo o que sobe descerá um dia, não se sabe é quando. Graças a elas discute-se em economês nos cafés nos intervalos dos gozos e arrelias da bola, arenga-se em economês nos jantares de família, no meio dos lamentos sobre os achaques, as peripécias da novela e as indiscrições sobre os próximos divórcios, sentencia-se em economês nos supermercados, nos transportes públicos, os taxistas metem conversa com os passageiros no seu mais vernáculo economês. Em suma, abreviando, aprendemos economês, deixámos de ser estúpidos, graças a Deus… Graças a Deus não, graças ao omnipresente arco da governação, vulgo arco da austeridade, e suas aves de arribação poedeiras.

Foi nisto que se transformou o 25 de Abril, nascido há 41 anos para cuidar das pessoas depois de quase cinco décadas em que o país tratou de meia dúzia de famílias. Hoje o país trata da economia, as pessoas podem continuar a esperar. Os senadores do arco da governação, vulgo arco da trapaça, e respectivos herdeiros começaram por engavetar o socialismo, depois engavetaram o espírito de Abril, a seguir, de passinho insidioso em passinho insidioso, foram engavetando a democracia reduzindo-a a um reles cavaco, a um coelho tinhoso; e não tarda, se os ventos da Ucrânia e vizinhanças continuarem a soprar como sopram, estarão a engavetar pessoas por atacado. Não ouvimos nós uma senhora eurodeputada tão da esquerda que só visto, que até sabia dos aviões da CIA e coisas assim, dizer que esteve em Kiev nestes dias negros para a Europa e garantir que aquilo na Praça Maidan é democrático a valer? Não foi o seu novo chefe quem entregou a algumas eminências domésticas do ultraliberalismo, Centenos & companhia, a produção do programa eleitoral do seu partido, provavelmente porque os militantes e quadros ainda não falam o economês com a necessária fluência?

A verdade é que o arco da governação, vulgo arco da censura, não encontrou melhor maneira de celebrar o aniversário do 25 de Abril do que apresentar um projecto de “regulamentação prévia” da próxima campanha eleitoral que tresanda a lei da rolha, pelos vistos achando que a censura em curso, praticada em economês, ainda não é suficiente.

O 25 de Abril está assim, 41 anos depois. Mas por ter havido 25 de Abril aprendemos que uma coisa, mesmo parecendo invencível, felizmente é derrotável.

Um bom princípio será demonstrar que o tal ovo de Colombo apresentado a Clinton ainda na pré-história da ditadura do mercado, e tão do agrado das domésticas aves de arribação poedeiras, era podre de nascença.

É altura de restaurar o que o 25 de Abril prometeu ao país: “são as pessoas, estúpidos!”

sexta-feira, 24 de abril de 2015


 
UNIÃO EUROPEIA AFOGOU OS DIREITOS HUMANOS NO MEDITERRÂNEO

Os resultados da cimeira da União Europeia dedicada à tragédia no Mediterrâneo confirmam que os conceitos de “humanismo” e “direitos humanos” se transformaram em palavras ocas a usar obrigatoriamente nos discursos e declarações oficiais, mas que deixaram de fazer qualquer sentido nas mentes dos dirigentes, pervertidas por estatísticas, indicadores, cálculos de deve e haver. O panorama tornou-se de tal maneira vergonhoso que permitiu a emergência de Jean-Claude Juncker, o tecnocrata impenitente que preside à Comissão Europeia, como figura dotada de resquícios de alguma sensibilidade. Por isso ficou a falar sozinho e as suas propostas foram derrotadas.

A arte propagandística da manipulação dos números, usando termos como “triplicar verbas” e insistindo no uso da palavra “milhões”, não resiste a uma avaliação breve dos resultados. Em suma, os chefes dos 28 – que gastaram longas quatro horas dos seus preciosos tempos à ameaça que paira sobre milhões de seres humanos – decidiram gastar 9 milhões de euros por mês nas operações de patrulhamento do Mediterrâneo através do Frontex, a polícia das fronteiras externas da União, em vez dos 2,9 milhões actuais. Pois bem, descodificando a multiplicação por três: os 9 milhões correspondem ao que a Itália gasta sozinha na operação Mare Nostrum e, ao contrário desta, que se estende até aos limites das águas líbias e tunisinas, restringem-se apenas às águas territoriais dos países ribeirinhos da União, evitando as zonas onde acontecem a maioria dos naufrágios. Recorda-se que o orçamento da União Europeia para 2015 é de 161 800 milhões de euros

Como o preço da vida humana anda de facto muito por baixo nas cotações bolsistas, note-se que 9 milhões de euros/mês correspondem a menos de um décimo do orçamento do Frontex, que obviamente tem muito mais que fazer. O seu director-geral, Frederice Leggeri, explicou que este corpo “não tem por missão salvar vidas”, e se o faz é apenas por imposição “do direito marítimo”, porque deve dedicar-se, isso sim, a “controlar e triar as entradas de imigrantes irregulares”.

No quadro das decisões tomadas durante a trabalhosa reunião, a chefe da política externa da UE, a italiana Frederica Mogherini, foi encarregada de ir estudar os meios jurídicos a que é possível recorrer, no quadro das leis internacionais, para combater as redes de traficantes de carne humana que medraram como cogumelos no Mediterrâneo depois de a NATO ter “libertado” a Líbia. Ou seja, a dirigente europeia vai reflectir nas leis para combater traficantes de pessoas que fogem da guerra e da miséria depois de a União Europeia ter passado por cima de todas as leis internacionais para fazer a guerra na Líbia e desmantelar o país, deixando o terreno perfeito para os praticantes de todos os tráficos. Quanto aos imigrantes propriamente ditos que sobreviverem às tragédias no mar dificilmente escaparão à triagem do Frontex, muito mais preocupado em expulsá-los para os países de origem, para as situações de que fugiram – sendo que esta medida viola a Declaração Universal dos Direitos Humanos, coisa de que não é matéria obrigatória, nem facultativa, nos cursos de economia neoliberal, incluindo os tirados por correspondência. Para o acolhimento “solidário” dos imigrantes que escaparem a tudo isto, a União Europeia vai criar um “programa piloto” de integração, ideia que dificilmente encontrará saída no labirinto da burocracia europeia, onde nem sequer ainda entrou. Talvez o objectivo seja esse.

Registemos que as quatro longas horas de reunião foram um favor feito pelos dirigentes europeus aos milhões de seres humanos vítimas de guerras e misérias. O presidente do Conselho Europeu, o polaco Donald Tusk, foi muito claro quanto a isso: “a Europa não causou esta tragédia, mas não quer dizer que lhe seja indiferente”. Leram bem, sim. Um dos padrinhos do caos ucraniano diz que a Europa não tem culpa nas guerras de que fogem os náufragos. Síria, Líbia, Iraque, Afeganistão, Egipto, Mali …  A União Europeia tem as mãos limpas destes acontecimentos. A mentira e o absurdo tornaram-se instrumentos privilegiados dos políticos que mandam na Europa.

Como nota final de mais um episódio negro da história negra da União Europeia deixo-vos esta pérola patética do impagável Hollande: “gostava que tivéssemos sido mais ambiciosos…”. Então o que os impediu?

 

quinta-feira, 23 de abril de 2015


 
UMA VERGONHA PARA O MUNDO INTEIRO

A ocupação, colonização e saque do Sahara Ocidental por Marrocos é uma vergonha para aquilo a que convencionou chamar-se a comunidade internacional; uma vergonha ao nível do que se passa na Palestina. O Sahara Ocidental não é apenas a última colónia em África – embora saibamos que o colonialismo assumiu outras formas tanto ou mais rapinantes; é um mostruário de comportamentos que violam as leis internacionais e uma demonstração cruel da incapacidade da ONU para resolver os problemas mundiais, telecomandada pelos descomunais interesses privados que usam em seu proveito os poderes políticos e militares das grandes potências.

Na próxima terça-feira, dia 28, o Conselho de Segurança da ONU vai votar mais uma vez a renovação do mandato da missão para o Sahara Ocidental (Minurso) e, por incrível que pareça, a questão mais relevante é decidir se este corpo terá ou não poderes para se ocupar das violações dos direitos humanos nos territórios sob ocupação marroquina. Um princípio básico como o respeito dos direitos humanos, essencial nas cartas da ONU e que enche os discursos de todos os mandatários mundiais até aos limites da verborreia mais enjoativa – porque perversa e hipócrita – é, afinal, um objecto de vergonhosa barganha diplomática. Comportamento que ilustra como as autoridades mundiais põem e dispõem das vidas de dezenas de milhares de pessoas, colocando-as em competição com os interesses e influências de uma monarquia corrupta e delinquente, conivente até com o fundamentalismo terrorista, embora procure disfarçá-lo.

Nos últimos dias o rei Mohammed VI não tem parado numa frenética viagem por África, prometendo dinheiro e investimentos em países, incluindo aliados habituais, como a Guiné Conacry e a Guiné Equatorial, para influenciarem a União Africana de modo neutralizar a posição desta organização, favorável à introdução dos direitos humanos no mandato da Minurso. Alvo privilegiado do rei é o Chade, devido à posição de membro não permanente do Conselho de Segurança. O objectivo de Rabat é alterar a seu favor a posição da Comissão de Paz e Segurança da União Africana e do seu enviado à ONU, o ex-presidente moçambicano Joaquim Chissano, de modo a que virem a cara às atrocidades e à rapina que Marrocos comete nos territórios ocupados. Em linguagem modernaça, a isto chama-se lobbying ou lobismo; em termos crus trata-se de chantagem e aliciamento, praticados ao som da mensagem de marketing “Marrocos porta de entrada em África”.

Em quatro décadas a ONU tem-se revelado incompetente para resolver a questão do Sahara Ocidental e de organizar um referendo para que o povo dos territórios decida sobre o seu futuro, incluindo a independência. Este tempo tem sido aproveitado por Marrocos para colonizar e alterar demograficamente os territórios, à maneira israelita, enquanto caminha de manobra dilatória em manobra dilatória para evitar um recenseamento sério e objectivo. A dita comunidade internacional permite que tudo isto se passe sob os seus olhos, e age a um nível tão básico como o de ainda ter dúvidas sobre se os enviados da ONU podem ou não dar testemunho de violações dos direitos humanos, corriqueiras e muitas vezes mortais no trágico quotidiano do martirizado povo saharaui. Enquanto isto, a mui nobre e democrática União Europeia tem acordos preferenciais com o reino ocupante de Marrocos, os barcos dos seus Estados membros roubam as riquezas pesqueiras que deveriam ser negociadas com os saharauis. Enquanto isto, grandes empresas de todo o mundo multiplicam acordos com o governo de Marrocos para espoliar os bens do povo dos territórios. Quando e se algum dia a ONU se ocupar a sério da resolução do problema do Sahara Ocidental, provavelmente o povo deste território já pouco terá de seu. Chama-se a isto política de facto consumado, a prova de que na arena internacional o crime compensa.

quarta-feira, 22 de abril de 2015


´"A Rússia deseja a guerra. Veja como instalou o seu território tão próximo das nossas bases"
 
A NATO INSTAUROU A GUERRA NA EUROPA

A NATO instaurou o estado de guerra na Europa contra alegadas “ameaças emergentes”, preparando-se para “responder a uma crise antes mesmo de ela se iniciar” porque, como se sabe, a NATO tem este dom premonitório e, além disso, passa a vida a defender-se, nunca atacou ninguém, quem pensa o contrário é porque está possuído pela maldição de Putin, quiçá pelo espírito maléfico de Lenine.

A NATO está, pois, a defender-se em contexto pan-europeu, no imediato porque se prepara para voltar à Líbia, depois do lindo trabalho que ali deixou e que a faz temer pelo “flanco meridional”; e concentra as miras sobre o “flanco oriental”, por sinal invocando uma situação decorrente do igualmente belo trabalho que está a desenvolver há mais de um ano na Ucrânia.

A NATO vive pois sob ameaça permanente, o que nada tem de paranóico, para que conste, uma vez que cria as situações que logo a seguir invoca para dar que fazer ao monstruoso aparelho de domínio global e promover em contínuo o negócio da morte, que cresce em ritmos proporcionais aos da austeridade contra os cidadãos dos Estados membros.

O ano de 2015 é glorioso para a benfazeja instituição, de tal modo que os marketeers, designação usada, neste caso, como upgrade de propagandistas ou vendedores de morte, fazem horas extraordinárias para inventar designações capazes de baptizar tão numerosas operações.

Em Março, navios norte-americanos e de alguns aliados reforçaram o clima bélico no Mar Negro através de uma actividade com tal realismo que tornou legítimas as dúvidas sobre se eram manobras ou actos de guerra como suporte da matança regular que o aparelho segurança nazi de Kiev continua a praticar no Leste e Sudeste da Ucrânia.

Até sexta-feira, 24, decorre na Escócia um novo episódio do Joint Warrior, designação recorrente para mais uma temporada de jogos de guerra da aliança envolvendo pelo menos 50 navios de guerra de múltiplas bandeiras e 70 caças-bombardeiros.

Na passada segunda-feira iniciou-se na Ucrânia a operação Fearless Guardian (Guardião Sem-Medo, pois claro), o treino de três batalhões da destemida Guarda Nacional, um corpo de assalto nazi ao serviço do regime instaurado pela NATO em Kiev, a cargo de pelo menos 300 paraquedistas norte-americanos com apoio de agentes especiais britânicos e canadianos.

Antes disso, de 7 a 9 de Abril, a NATO deu o Noble Jump, primeira fase de uma operação de mobilização em 48 horas de 30 mil soldados da “força de resposta” – a NATO apenas responde, metam isso nas vossas cabeças de uma vez por todas – oriundos da Alemanha, Holanda, República Checa, Noruega e mais sete países. As manobras terão uma sequela já a seguir, entre 9 e 20 de Junho, dessa feita em território da Polónia, onde convergirão tropas alemãs, checas, norueguesas, holandesas e de mais oito países. O mundo ficará seguro de que tão desenvoltos soldados sacrificarão os corpos e os espíritos para impedir que o czar Putin inicie uma tenebrosa cavalgada por essa Europa até onde a terra acaba e o mar começa. Quem pensou que o objectivo de tal prontidão serviria para impedir que o ovo nazi ucraniano acabe de se chocado de maneira a espalhar ainda mais a serpente através do continente sofre de uma qualquer insuficiência mental.

O apogeu de um ano tão frenético, que a própria NATO reconhece não ter vivido desde a queda do muro de Berlim, dar-se-á em Portugal – escolha que merece ser interpretada como um desdobramento dos milagres de Fátima - Espanha e Itália, entre 28 de Setembro e 6 de Novembro, altura em que o Trident Junction juntará as forças navais de todos os Estados da aliança, uma gloriosa guerra contra as ameaças espreitando dos flancos meridional e oriental. A operação será chefiada pelo almirante norte-americano Mark E. Ferguson III (o que garante genes indubitavelmente apetrechados para as artes bélicas), por sinal comandante das forças navais na Europa e das congéneres do AFRICOM, corpo ainda jovem mas hiperactivo no âmbito dos novos conceitos coloniais.

Graças a um calendário tão fatigante como astuto, a NATO tenciona ficar pronta para “responder a qualquer crise antes que comece”. A esta doutrina chama-se “guerra preventiva”, que alguns interpretem como a capacidade de a aliança estar prevenida contra os efeitos de guerras por ela própria iniciada. Quem, a propósito, se lembrar do Iraque, do Afeganistão, da Líbia, da Ucrânia é porque sofre de um espírito minado por inconcebível má-fé, uma vez que a NATO nunca ataca ninguém. Pior seria lembrar o aforismo “quem semeia ventos colhe tempestades”, mas, por certo, ninguém se atreverá a ir tão longe no caminho do despautério.

segunda-feira, 20 de abril de 2015




E SE MANUEL VALLS SE OLHASSE AO ESPELHO?

O primeiro-ministro da administração de François Hollande é aquilo que um chefe de governo de um país como a França nunca deveria ser. O seu comportamento ajuda a compreender porque está a União Europeia no estado em que se encontra, embora a maior das responsabilidades não lhe pertença, mais culpado é quem o escolheu e nele confia.

Manuel Valls é dos tais que acha que o seu Partido Socialista deveria mudar de nome, na verdade a única das suas opiniões coerente e bem fundamentada - era um favor que faria à palavra socialismo.

O maior problema de Manuel Valls não é sequer a truculência de uma pose mal estudada e pior maquilhada de “enfant terrible” e de irreverência quando, de facto, ele é “terrible” apenas para os trabalhadores e a inteligência dos cidadãos em geral; e de uma reverência asinina para com os patrões.

Numa das suas mais recentes declarações públicas, Manuel Valls comprovou o quanto é também irresponsável, razão mais do que suficiente, repete-se, para não ser chefe de governo em França ou em mais parte alguma. Verdade se diga que muitos há como ele por essa União Europeia, mas façamos aqui um juízo qualificativo dizendo que os efeitos do caso francês são ainda mais nocivos tratando-se de um país que forma com a vizinha Alemanha o eixo governante da comunidade dos 28.

Valls declarou-se preocupado com o crescimento exponencial da xenofobia e dos crimes de raiz xenófoba, étnica e racista depois do atentado supostamente islamita – e quanto à sua vertente religiosa haveria ainda muito a dissecar – contra o Charlie Hebdo.

É verdade, ele disse isto e, como suporte da tese, brandiu números aterradores de actos de violência anti hebraicos e antimuçulmanos. Sendo dramáticos os números exibidos, igualmente trágica é a admiração do primeiro ministro de Hollande.

Senão recordemos. Como ministro do Interior e já como primeiro-ministro, Valls lançou hordas policiais contra acampamentos de ciganos e procedeu expulsões arbitrárias de imigrantes desta etnia para os seus alegados países de origem, violando normas elementares dos tratados europeus. As explicações xenófobas em que assentou essas práticas brutais fariam corar de inveja a senhora Le Pen, coisa que não aconteceu porque a chefe neofascista percebeu que tem quem lhe faça o trabalho sem sujar as mãos enquanto vai capitalizando apoios graças à deriva governamental.

As atitudes de Valls denunciam-no como um ente intrinsecamente xenófobo. De tal modo que isso lhe entorpece a actuação política, o que ficou ainda mais claramente exposto nos acontecimentos relacionados com o atentado contra o Charlie Hebdo. Nas suas declarações foi difícil traçarr fronteiras entre os conceitos de muçulmano e terrorista; as encenações montadas por ele e o seu presidente tendentes a demonstrar a revolta internacional com os atentados privilegiaram um Estado e um primeiro-ministro – Israel e Benjamin Netanyahu – com mãos bem sujas de terrorismo. Agora admira-se que na sociedade francesa por tudo e por nada se façam ajustes de contas entre comunidades de imigrantes e núcleos habitacionais com raízes e origens distintas, lançados umas contra os outros pela prática e o discurso oficial.

O Manuel Valls que se queixa do recrudescimento da xenofobia deveria olhar-se ao espelho e fugir. Que grande favor faria a todos os que vivem em França e, já agora, em toda a Europa.

domingo, 19 de abril de 2015



LÁGRIMAS DE GENTE E DE CROCODILO

Mais uma catástrofe humanitária nas águas do Mediterrâneo, uma das mais graves entre as mais graves. E logo nestes dias em que a propaganda ao serviço do regime político da União Europeia acordou para o problema, arregimentando profissionais da comunicação social para tentar convencer a opinião pública de que não tem nada a ver com o drama, pelo contrário, faz os possíveis e impossíveis para salvar náufragos.
Passemos por cima de histórias mal conhecidas e logo abafadas de navios europeus fazendo de conta que não vêm refugiados à deriva nas águas, de perseguições movidas por barcos de guardas costeiras a bateiras de refugiados até que naufraguem, como aconteceu na Grécia, de decisões à revelia dos acordos internacionais expulsando imigrantes para os países de origem.
Será que a Europa não tem mesmo nada a ver com esta situação e apenas se limita a fazer os possíveis e impossíveis, repete-se, para cuidar dos vivos e enterrar os mortos? A culpa é toda do terrorismo islâmico em geral e desse tal Estado Islâmico em particular, que deu as caras ao mundo há três anos, no máximo, sendo que as tragédias com refugiados no Mediterrâneo se arrastam há muito, muito mais anos?
Façamos de conta que a culpa é toda do Estado Islâmico. Então de onde vêm os imigrantes? Sigamos as fontes da propaganda europeia: da Líbia, do Egipto, do Sudão do Sul, da Síria, do Iraque, do Afeganistão, da Somália, da Etiópia, do Mali, da República Centro Africana, do Chade, da Eritreia…
Como foram criadas nestes países as tragédias que obrigam as pessoas a fugir em busca não apenas dos meios de subsistência mas para preservar a própria vida e a dos seus, à mercê de guerras e terror sem solução à vista? Será que a União Europeia e, sobretudo, as suas potências mais sonantes nada têm a ver com a origem e desenvolvimento destes dramas? A União Europeia está inocente do caos reinante no Egipto, na Líbia, no Afeganistão, no Iraque, na Síria, no Sul do Sudão, no Mali? Não foram os países da União Europeia que aplaudiram freneticamente a primeira “guerra humanitária” da história, lançada pelos Estados Unidos na Somália ainda na década de noventa, que por acaso também correu mal e em nada resolveu nem humanizou o caos em que o país continua mergulhado?
A propaganda europeia descobriu agora que a Líbia é o principal entreposto do rentável negócio de carne humana proporcionado pelo tráfico de refugiados a quem prometem o paraíso europeu viajando em restos de barcos recuperados do lixo, em troca de todos os seus haveres. Ao que parece o negócio está nas mãos do tal Estado Islâmico, o que provavelmente é verdade. Mas só agora. Antes disso, a Líbia apenas se transformou no bem sucedido entreposto de carne humana depois de “libertada” e “democratizada” pela NATO, ao tempo em que a mesma NATO designou o terrorista e aliado Abdelhakim Belhadj governador militar de Tripoli – ele que agora é o chefe do Estado Islâmico no Magrebe (segundo a Interpol) depois de ter sido incumbido pela senhora Clinton e amigos, também europeus, claro, de atear ainda mais o fogo na Síria.
Façamos mais uma vez de conta que tudo o que atrás ficou escrito é ficção. Será a União Europeia uma entidade que tem uma atitude clara e humanitária de acolhimento dos refugiados, com uma política de asilo transparente e respeitadora dos direitos humanos? Ou, pelo contrário, a política praticada não passa de uma versão cada vez mais dura das tendências xenófobas, das perseguições religiosas de novo tipo suscitadas pelas manipulações perversas do fenómeno do terrorismo, correspondendo assim às prédicas neofascistas que percorrem o continente de-lés-a-lés? Será que isso tem acalmado o neofascismo ou, pelo contrário, continua a engordá-lo?
Uma coisa vos garanto não ser ficção: há muitas lágrimas de crocodilo à mistura com as lágrimas de gente que engrossam e salgam cada vez mais as águas do Mediterrâneo.
 

sábado, 18 de abril de 2015




PRIMÁRIAS E PARTIDO ÚNICO

Senhoras e senhores vai começar o grande leilão, o negócio da compra, venda e troca dos votos dos cidadãos capaz de garantir que o imenso mercado universal continue a engordar, o alibi quadrienal que encobre os maiores crimes e atrocidades globais em nome daquilo que o sistema geral de propaganda pretende impor como democracia.

As primárias para as eleições presidenciais norte-americanas ainda não estão no terreno mas há muito que se jogam nos bastidores sujos e viciados do sistema de poder dos Estados Unidos da América. Primárias que servem de inspiração e exemplo para as tendências da moda da política do pacovismo europeu, sempre pronto e disponível para aceitar o que os ventos sopram do outro lado do Atlântico como normas – ordens é o termo mais provável - adequadas à estabilização dos mercados, afinal o fim supremo da democracia, ao que consta.

Nos Estados Unidos da América as eleições primárias destinam-se a escolher o agente político que num dado momento e determinadas circunstâncias melhor serve os interesses do complexo militar, financeiro e industrial que governa o país. Será também o candidato a quem esses interesses pagarem mais, o que conseguir a melhor frase de propaganda, o que distribuir mais chapelinhos e pins, o que acenar com mais elegância e treinar a voz mais modulada, o que sorrir mais branco no retrato da família feliz, o que soltar mais balões, o que lançar mais confetti. Presume-se que os dois sujeitos ou sujeitas que cheguem à final sejam antagonistas quando, em boa verdade, não passam de dois bicos de um mesmo cacete que é o partido único.

E na Europa? Na Europa as primárias correspondem ao significado da própria palavra, se entendida como o primeiro passo para a subversão do sistema de partidos como base da democracia. Fazer primárias é como beber do fino, é fazer parte do arco da governação, ou arco da austeridade, ou arco da exploração mesmo para aqueles que dizem estar fora dele mas gostam de esbracejar na sua espuma, numa triste e desoladora babugem, convencendo-se que enganam outros uma vez que deixaram de enganar a si mesmos.

As primárias são uma finta soez à democracia, porque é praticada em falta. Onde se diz acrescentar transparência contaminam-se vontades; onde se promete alargar pluralismo afunilam-se escolhas; onde se garante esclarecimento cultiva-se propaganda. Isto são as primárias à europeia, parentes pobres e ambíguos das congéneres americanas, onde tudo se faz em grande até à burla final, na qual os cidadãos escolhem sem ter escolha nenhuma. É, no fundo, isto que se pretende com as primárias na Europa.

Parece exagero? Não se iludam. Os partidos, por definição, representam partes de uma sociedade com interesses diferentes, quantas vezes antagónicos. Ora nas primárias os partidos abrem-se às escolhas dos alegados simpatizantes, conceito suficientemente vago para nele caberem eleitores de outros partidos ou de partido nenhum numa mistela entre os cadernos eleitorais nacionais e os do partido. Não é abertura que se pratica, é contaminação; os partidos perdem identidade, abdicam dela. Não é por acaso que os partidos praticantes das primárias deixaram de ter personalidade, fundidos no venenoso caldeirão neoliberal, irmanados no arco da exploração.

Acresce que tais partidos não se contentam em apagar quaisquer vestígios das suas origens e história em nome da modernidade supostamente trazida pelas primárias. Querem impô-las como lei aos outros partidos, os que não se deixam levar pelo discurso mistificador. Não conseguem, de facto, disfarçar o seu encanto pela política única; não disfarçam o quanto foram acometidos pela mentalidade de partido único.

sexta-feira, 17 de abril de 2015


 
 
 
Com o senador Mc Cain e mais dois senadores americanos

O HOMEM DA NATO E DO ESTADO ISLÂMICO
Não é a primeira vez que dedico algum espaço ao senhor Abdelkhadim Belhadj, figura destacada dos acontecimentos dos últimos anos na Líbia, na Síria, no terrorismo mundial, nos serviços secretos de países da União Europeia e, um pouco por inerência, mas não só, na NATO. Provavelmente esta não será, também, a última vez.

A razão directa desta abordagem é o facto de o senhor Abdelkhadim Belhadj ter sido referenciado pela Interpol como o chefe do Estado Islâmico, ou ISIS ou Daesh, na região do Magrebe. Trata-se, pois, de acordo da polícia internacional das polícias, de um importante cabecilha terrorista.

Abdelhakim Belhadj é um homem polivalente. Como membro da associação terrorista Grupo Islâmico Combatente da Líbia tentou matar Khaddafi por quadro vezes, entre 1995 e 1998, a soldo dos serviços secretos externos britânicos MI6. Depois passou-se para o Afeganistão, onde se instalou ao lado de Bin Laden, mantendo as mesmas fidelidades até aos acontecimentos de Setembro de 2001, caindo então temporariamente em desgraça perante os seus antigos amos, porque terá sido o ideólogo do sanguinário atentado de Madrid em 11 de Março de 2004.

Acabou preso na Malásia, passou pelas prisões secretas da CIA, onde terá sido torturado não só por esta entidade como pelos serviços secretos britânicos. Libertado em 2010, instalou-se no Qatar, país que tem uma posição chave nos acontecimentos vividos desde então em todo o Magrebe e no Médio Oriente, principalmente na Líbia e na Síria.

E como não há arrufos que sempre durem, Abdelkhadim Belhadj transformou-se rapidamente num herói das acções que conduziram à “libertação” e “democratização” da Líbia, de tal modo que a NATO fez dele o governador militar da capital, Tripoli, reconhecendo assim os relevantes serviços prestados durante a cavalgada vitoriosa para o desmantelamento do país. Belhjadj aceitou com uma condição: que lhe fossem apresentadas desculpas pelos tratamentos às mãos da CIA e do MI6. A seguir, Khaddafi foi assassinado, através de um processo no qual se destacaram os serviços secretos franceses, então às ordens de Sarkozy; e, pouco depois, Abdelhakim Belhadj transferiu-se para a Síria com a missão de fundar o Exército Sírio da Liberdade, a entidade “moderada” para a qual foram canalizados os apoios dos países “amigos da Síria” tão queridos da senhora Clinton, actual candidata a presidenta e então secretária de Estado de Obama.

Cumprida a missão, Belhadj voltou à Líbia, onde instalou a Irmandade Muçulmana na órbita daquilo que pode considerar-se o poder neste país. Ao mesmo tempo, demonstrando quão ténues são as fronteiras entre os “moderados” e os “radicais” do terrorismo islâmico, Abdelkhadim Belhadj fundou campos de treino do Estado Islâmico em território líbio, em Derna, Sirte e Sebrata; contribuiu para a criação de uma representação deste grupo terrorista na Tunísia, em Djerba.

A Interpol identifica agora Abdelkhadim Belhadj como o chefe do Estado Islâmico no Magrebe, numa altura em que todas as baterias de indignação dos principais dirigentes mundiais estão apontadas contra esta entidade.

A verdade é que a França poderia ter levado à letra a opinião da Interpol capturando o cabecilha terrorista quando este visitou Paris, há um ano, em 2 de Maio. Porém, talvez fosse indelicado, diplomaticamente incorrecto, uma vez que Abdelkhadim Belhadj foi então recebido no Ministério francês dos Negócios Estrangeiros do senhor Laurent Fabius, grande amigo de Israel e chefe da diplomacia do senhor presidente e socialista François Hollande.

quinta-feira, 16 de abril de 2015


 
 
ÁFRICA, UM “CAMPO DE BATALHA” DA NATO

África vive o colonialismo de terceira geração, se quiserem, o pós-neocolonialismo, desta feita através do expansionismo militar norte-americano levando atrás o aparelho da NATO para garantir a devastação neoliberal do continente a pretexto de – quanto a isso, nada de novo – da “segurança colectiva” e da guerra contra o terrorismo.

Nos gabinetes do Quartel-General da NATO, em Bruxelas, dizer que a África “é um campo de batalha” não é cometer uma inconfidência ou um exagero do discurso. A frase corresponde à realidade do terreno e limita-se a reproduzir os ecos dos jogos de guerra delineados na pátria do império, seja em Washington, na Florida, onde quer que o Pentágono decida renuir os representantes aliados, melhor seria dizer os subordinados.

Desde que em 2008 os Estados Unidos deram asas ao AFRICOM, o seu comando operacional para África, as intervenções militares norte-americanas transformaram-se num dos quotidianos do continente.

Só durante o ano passado, tropas norte-americanas participaram em 674 operações, quase duas por dia, um aumento de 300 por cento em comparação com a situação que se vivia antes de 2008 – isto de acordo com números oficiais.

As razões invocadas no discurso dos chefes militares são as ameaças representadas pelo radicalismo islâmico, sobretudo na África do Norte e Central, sem esquecer o Corno de África e toda a costa do Índico. Organizações como o Boko Haram da Nigéria, o Al Shabab da Somália, a Al Qaida do Magrebe, no Mali e outros países e, principalmente, o reforço do Estado Islâmico (Isis ou Daesh) e a respectiva aliança com o Boko Haram, recentemente anunciada, alimentam a verborreia militarista e securitária.

Atrás dos aliados ou subordinados da NATO, os Estados Unidos arrastam tropas de países como a Argélia, Senegal, Mali, República Centro Africana, Marrocos, Líbia (ou o que resta do país), Camarões, Turquia, Tunísia e Egipto –  por aqui se percebe como as “primaveras árabes foram rapidamente adaptadas ao novo espírito colonial.

Os comportamentos repugnantes de entidades como o Estado Islâmico, o Boko Haram e aparentados justificam o inflamado militarismo? À primeira vista, sim. Pelo menos, é quanto basta para alimentar as confortáveis teses de articulistas, observadores, analistas, politólogos e outros papagaios da propaganda. A observação do fenómeno, porém, não ficará completa se não lhes juntarmos alguns elementos relevantes. Grupos aliados da NATO na Líbia, por exemplo milícias radicais islâmicas ligadas às redes da Al Qaida e do Estado Islâmico, abastecem com mercenários e armas uma miríade de unidades terroristas que espalham a barbárie desde a Síria à Nigéria. Esconder esta realidade não a apaga do mapa.

À boleia desse pretexto, Washington estendeu até 2044 a presença na base estratégica de Lemmonier, no Djibuti, e instalou postos avançados, pequenas bases e aeródromos em toda a margem Sul do Mediterrâneo e também no Senegal, Mali, República Centro Africana, Burkina Faso, Níger, Chade, Sudão do Sul, Uganda, Quénia e Etiópia. Sem esquecer o constante patrulhamento marítimo do Mediterrâneo e das costas africanas por navios militares dos Estados Unidos e outros países da NATO.

“Onde os interesses nacionais nos impelem a inclinar os pratos da balança para o nosso lado e a aumentar a segurança colectiva teremos de dar o nosso melhor, seja em conjunto com os aliados seja de modo unilateral”, confessa David Rodriguez, o comandante do AFRICOM. Como em qualquer discurso colonial dos séculos XVII ou XIX, não é difícil perceber, nas linhas e entrelinhas das palavras deste falcão norte-americano do tempo da guerra das estrelas, os mesmos objectivos de sempre em relação a África e aos africanos: saque, rapina, exploração.

 

 

terça-feira, 14 de abril de 2015


 
 
UMA CHACINA “HUMANITÁRIA” DE 5 MILHÕES

Cálculos elaborados com base em modelos científicos aceites pela ONU, governos e organizações não-governamentais permitem apurar que o número de mortos provocados pela chamada guerra contra o terrorismo é, no mínimo, de cinco milhões, entre eles seguramente mais de um milhão de crianças.

Não estamos a falar dos resultados de uma desparasitação de baratas, melgas ou percevejos, de uma desratização, sequer de uma epidemia provocada por um vírus ou bactéria desconhecidos. Trata-se de seres humanos, isto é, de uma chacina praticada em seres humanos e em nome dos mais altos valores humanos.

Os cálculos dizem respeito apenas aos resultados das invasões do Iraque e do Afeganistão, acrescidos das extensões ou “danos colaterais” no Paquistão.

A organização Physicians for Social Responsability (PSR), que integra personalidades destacadas do campo da saúde pública, entre os quais laureados com o Nobel da Paz, apurou que os conflitos do Iraque e do Afeganistão provocaram, desde 2001, pelo menos 1,3 milhões de mortos - um milhão no Iraque, 220 mil no Afeganistão e 80 mil no Paquistão – números “que podem chegar aos dois milhões”. Antes que algumas boas consciências se inquietem, registe-se que a PSR não nasceu algures no tempo da União Soviética, nem resulta de uma maquinação do terrível Putin. Tem sede nos Estados Unidos da América e algumas das suas figuras mais destacadas integram o Centro Médico da Universidade da Califórnia, em S. Francisco.

A Physicians for Social Responsability reconhece que os dados que possui em relação ao Afeganistão estão ainda muito longe da realidade. No entanto, o professor australiano Gydeon Polya considera, a partir dos elementos sobre mortalidade da Divisão de População da ONU, que o número de mortes evitáveis no Afeganistão desde 2001, ano em que se iniciou a invasão da NATO, é da ordem dos 3 milhões, incluindo 900 mil crianças.

No Iraque, porém, a guerra não se iniciou em 2003 com George Bush filho. A primeira operação militar contra o país começou em 1990, a mando de George Bush pai, e provocou pelo menos 200 mil mortos directos, na sua maioria civis. É este o número apurado por Beth Daponte, demógrafa do Gabinete de Recenseamento do governo dos Estados Unidos. Os dados devem ser fiáveis, uma vez que o estudo foi censurado pelas autoridades norte-americanas.

Como se sabe, a matança não ficou por aqui. À guerra sucederam o embargo e as sanções atingindo a importação de produtos de primeira necessidade. E por causa de quê? Das terríveis armas de extermínio massivo em poder de Saddam Hussein, que nunca apareceram e suscitaram a segunda invasão. Números divulgados pela ONU, e nunca postos em causa, avaliam em 1,7 milhões as vidas ceifadas pelo embargo, entre as quais as de um elevadíssimo número de crianças, vítimas da falta de medicamentos.

Ora a guerra contra o terrorismo não se cinge a estes países. Há os casos dramáticos da Líbia, da Síria, do Mali, da República Centro Africana, da Ucrânia, da Palestina, do Iémen, do Egipto. Sem contar as atrocidades cometidas pelo Estado Islâmico e pela Al Qaida, entidades cujos patronos são bem conhecidos… Caso haja dúvidas consulte-se o general Wesley Clark.

Cinco milhões? Certamente mais, muito mais. Há quem lhe chame, note-se, “guerra humanitária”. Erradicou-se o terrorismo? Não, o fenómeno continua em crescimento. Instaurou-se a democracia nos países invadidos? Não. Reina a paz nessas nações? Não; pelo contrário, a guerra eterniza-se e vivem o caos da desagregação.

Quanto aos responsáveis, além de continuarem impunes são quem manda no mundo. Em nome da liberdade, da democracia e dos direitos humanos.