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quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

O TEMÍVEL ESTERTOR NEOLIBERAL




O regime de anarquia económica e financeira que matou a política, fez da guerra o instrumento favorito de rapina e desregulação, deixou a Terra em agonia climática e ambiental, criou milhões e milhões de novos pobres, famintos, deslocados e refugiados está caduco. Porém, os estertores finais em que se debate ameaçam ser longos e catastróficos, porque tentará deitar a mão a tudo para sobreviver e, como sempre, não olhará a meios para alcançar esse fim.
Os sinais são muitos e, além disso, indubitáveis. Poderia citar o desespero em que vive a União Europeia como consequência dos efeitos perversos da ortodoxia neoliberal; além disso, os ricochetes da cultura de guerra e do terrorismo estão a atingir aqueles que a puseram em prática, cuidando que poderiam beneficiar de imunidade total e impunidade absoluta; as massas desesperadas, já com pouco ou nada a perder, movem-se em ondas de pânico por todo o planeta, desaquietando as sociedades “civilizadas” que lhes deram origem e, mesmo quando não reclamam vinganças, despertam memórias de crimes que muitos julgavam enterradas e provocam transtornos insanáveis.
Outro sinal gritante é o que se passa na política, tornada vazia de ideias e de conceitos pelas práticas inquisitoriais do mercado desde os anos oitenta do século passado, e ressurgindo agora do vazio, razão pela qual é ainda um magma onde escasseia substância consolidada.
É fácil identificar a situação existente na Europa como exemplo do que ficou escrito; aqui abundam as provas da falência do sistema bipartidário – na verdade escondendo uma prática monolítica entregue aos grumetes do mercado. O que acontece em Portugal, Espanha, Grécia, França, Itália, países nórdicos, países de Leste e na própria Alemanha demonstra que a ordem política neoliberal se esgotou e, no deserto político e de ideias que impôs durante décadas, despontam múltiplas correntes, restauradas e de nova geração, reveladoras da saturação dos cidadãos com a ordem estabelecida e os efeitos que gerou.
Essas opções aparecem, naturalmente, fora do contexto bipartidário, à esquerda, por um lado, e ainda mais à direita daquele, assumindo de maneira ostensiva o cariz fascista e populista, onde não é difícil detectar o desespero neoliberal, o plano B do mercado, a fusão absoluta das ditaduras política e económico-financeira.
Exemplo flagrante de tal é o que está a acontecer nos Estados Unidos da América. E quando isso ocorre na pátria do bipartidarismo monolítico e da ditadura económico-financeira posta em prática pelo neoliberalismo, estamos perante a mais contundente e reveladora prova de que o sistema entrou, de facto, em agonia.
Talvez seja cedo para tirar conclusões da pouca substância produzida ainda no início do longo processo de designação de um novo presidente norte-americano, mas os sinais estão lá: o descrédito atinge em cheio as figuras mais identificadas com o regime, dando espaço, como acontece também na Europa, ao aparecimento de opções para levar a sério tanto à esquerda – o que quer que seja isso nos Estados Unidos da América – como ainda mais à direita, neste caso o fascismo sem máscara de Donald Trump.
Ao contrário do que tanto intriga a comunicação de “referência”, o que está em causa nos Estados Unidos não são os problemas de afirmação propagandística da senhora Clinton, do gusano Cruz ou de outras e outros da mesma extracção. Alguns anos depois, Trump é aquilo que a fascista Sara Pallin não conseguiu ser com o Tea Party. E Bernie Sanders afirma-se como aquele que surge de mãos limpas, capaz de recuperar as ilusões perdidas com o que Obama não quis ser, precisamente porque surge do exterior do sistema, não traz colado o rótulo do establishment.
O tempo é ainda de ler e tentar interpretar os sinais dados por este cenário, embora seja prematuro dele tirar conclusões. No entanto, os fenómenos de Donald Trump e Bernie Sanders configuram a manifestação muito mais poderosa de comportamentos e tendências que outrora estiveram por detrás de Sara Pallin e Barack Obama. Deve ressalvar-se, porém, que Trump é uma espécie de plano B do establishment, o recurso claro ao fascismo dentro do sistema, porque este sente que terá perdido condições para sobreviver de outra forma; e que Bernie Sanders surge do exterior do sistema neoliberal, trazendo ao encontro de vastas camadas saturadas com a situação, entre elas a da juventude, uma bem-intencionada memória romântica do keynesianismo de Roosevelt, tal como Jeremy Corbin surge no Reino Unido evocando os tempos áureos do trabalhismo com referências laborais, nos antípodas da traição de Blair.
Sem fazer futurologia, mas tendo a noção de que, mesmo em desespero, o establishment é o poder nos Estados Unidos, poderá prever-se que Donald Trump continuará com firmeza o seu caminho. Porém, não tardará que Sanders comece a percorrer o terreno minado pela NSA e as suas equivalentes mediáticas oficiais da espionagem e da conspiração, de modo a que a senhora Clinton, ou alguém por ela, o ponha fora da corrida. Surpresa, surpresa mesmo, será que Sanders consiga a nomeação democrática; nesse caso assistiríamos à mobilização total do circo financeiro e propagandístico do sistema no apoio ao candidato republicano, ainda que este venha a ser o fascista Trump.
Do que parece não haver dúvidas é que estamos a assistir ao estertor do neoliberalismo. Sabendo, por experiência histórica, que um sistema autoritário nunca se dá por vencido, a sua agonia terá repercussões temíveis, talvez trágicas, porque na verdade ele continua em vigor e sustenta-se na conjugação mais terrorista de todas: a que funde a guerra com a arbitrariedade económico-financeira e a ditadura política, cada vez menos encapotada.
 

 

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