O presidente da Turquia, Recep Payyp Erdogan, afirma que a
tentativa de golpe militar de sexta-feira foi um “presente de Deus”: vai
permitir-lhe “limpar” as forças armadas.
Quem fala verdade não merece castigo, pelo que todos os
deuses evitarão punir o autocrata turco, embora sabendo que muitos são os seus
pecados.
E “limpezas” são a especialidade deste padrinho e protector
de uma miríade de grupos de mercenários e terroristas entre os quais se
destacam, para os que não estão lembrados ou o ignoram, o Daesh ou Estado e
Islâmico e a Al-Qaida nos seus muitos e variados heterónimos.
Limpou o país da oposição, acusando os principais
adversários de servirem os direitos nacionais curdos e ameaçando privá-los da
nacionalidade turca. Para que não surgissem obstáculos à sua ascensão ao topo
presidencial do poder fez manipular actos eleitorais através da propaganda, da
censura e do medo, de tal modo que nem os observadores do Conselho a Europa e
da OSCE, embora reconhecendo as irregularidades em privado, ousaram torná-las
públicas e definitivas.
Limpou o aparelho judiciário e militar saneando centenas de
juízes e os procuradores que denunciaram a corrupção governamental e da família
Erdogan, designadamente a sua familiaridade pessoal e financeira com o
banqueiro saudita Yassim al-Qadi, próximo de Bin Laden e conhecido
internacionalmente como “o tesoureiro da Al-Qaida”. Por essa razão, está sob a
mira da ONU, o que não o impede de deslocar-se a Ancara em avião privado para
conviver e gratificar generosamente a família presidencial.
Vem limpando paulatinamente as forças armadas, mas este “presente
de Deus”, como admitiu o próprio Erdogan, proporciona-lhe uma oportunidade de
ouro para acelerar o processo. A partir de agora ruirá o maior obstáculo
secular à confessionalização de um regime turco formatado em estrutura
ditatorial e em teor fundamentalista islâmico.
Erdogan fala claro, disso não tenhamos dúvidas. Há 20 anos,
em plena ascensão na carreira política, iniciada entre os fascistas e
supremacistas “lobos cinzentos”, definiu a democracia como “um eléctrico que
abandonamos quando chegamos à nossa paragem”. Recentemente falhou a consulta
para impor uma Constituição “inspirada em Hitler” – as palavras são suas – de
modo a consolidar um poder presidencial absoluto.
A seguir a esse intuito por ora fracassado, Erdogan começou
então a receber “presentes de Deus”.
O atentado contra o aeroporto de Istambul parece ter sido um
deles. Apear da autoria não ter sido reivindicada, Erdogan atribuiu-o ao Daesh,
por conveniência da sua própria imagem internacional; mas por que razão os
protegidos iriam atacar no coração do protector? Provavelmente por convergência
de interesses – uma mão lava a outra, não é o que se diz? Um atentado é, sem
dúvida, oportunidade de ouro para reforçar poderes de excepção e perseguir
inimigos internos vários, mesmo que nada tenham a ver com a violência.
Quando ainda decorre o rescaldo do acto terrorista surge o
golpe militar, com inegáveis debilidades de amadorismo num exército dos mais
poderosos da NATO, precisamente com Erdogan ausente, “de férias”, circunstância
excelente para um regresso triunfal, afirmativo, justificando limpezas. Deus
não poderia ter sido mais generoso, em boa verdade.
Enfim, é a este ditador turco que a União Europeia paga
anualmente três mil milhões de euros confiscados aos nossos impostos para
impedir que cheguem à Europa os refugiados das guerras que os donos da Europa
provocam. Para que conste, não há um vínculo formal entre o conselho Europeu e
Erdogan sobre esta verba; foi estipulada apenas em comunicado de imprensa dos
chefes de Estado e de governo da União Europeia.
Foi com este presidente turco que o governo francês negociou
a garantia de não haver atentados do Daesh durante o Euro 2016, em troca do apoio
à criação de um Estado curdo no Norte da Síria. Constatámos, da maneira mais
trágica, que ao Daesh bastaram apenas quatro dias para se libertar do período
de nojo, fazendo gato-sapato do securitarismo fanático e inconsequente de
Hollande e Valls.
É a este presidente turco que a União Europeia ainda reconhece
credenciais de democrata, apesar de o próprio rei Abdallah da Jordânia ter
revelado o seu apoio ao Daesh, à Al-Qaida, ao contrabando de petróleo que serve
de financiamento ao Estado Islâmico e de enriquecimento à mafia familiar de
Erdogan.
Foi comovente – e patético – o apoio de grande parte da
comunidade mediática a Erdogan durante as vicissitudes da tentativa de golpe e ao
uso dos seus apoiantes como escudos humanos e carne para canhão nas ruas,
praças e pontes das principais cidades da Turquia.
Entre a componente militar e a mafia governamental de
Erdogan estavam em luta, durante a tentativa de golpe, dois conceitos de regime
autoritário: um secular, outro fundamentalista islâmico. A democracia e os
interesses populares não tinham nada a ver com aquela guerra entre elites
interesseiras e pouco ou nada preocupadas com as pessoas.
O terrorismo islâmico, a guerra e a anarquia no Médio
Oriente, porém, têm muito a ganhar com a absolutização do poder de Erdogan em
Ancara. Ou seja, é impossível estar simultaneamente contra o terrorismo
islâmico e temer pelo futuro político de Erdogan. A democracia não passa por
aí, mas também já pouco se sabe dela nesta União Europeia.
Porém, quando a vida das pessoas está à mercê destes “presentes
de Deus” é possível testemunharmos os acontecimentos e os ditos mais bizarros.
Tudo não passou de uma Golpada de Erdogan para conseguir uma revisão constitucional que o torne único e perpétuo ditador eleito! - ... se analisarmos bem todo o "filme" é por demais evidente. Além disso, os militares que encabeçariam a rebelião... onde estavam? Nunca apareceram!!! - Os soldados foram mandados para a rua ao "Deus dará". Uma conspiração a sério nunca teria esse final, daí que os EUA e a UE tenham vindo deitar logo 'água na fervura'! Demasiado evidente, até para um leigo e, as opiniões não tardaram.
ResponderEliminarDonde se prova que "Deus existe"... e para o que serve!
ResponderEliminarUm grande artigo de Goulão.Pena que tenha acabado os R.sem F. eu fui um assinante...
ResponderEliminarFico admirado é que as pessoas lúcidas, e que considero como sendo atentos à realidade, acreditam que o golpe militar na Turquia foi uma obra de conspiração do AKP e do Recep Tayip Erdogan. Passam um atestado de "carneiros" aos turcos que são presos e humilhados. Afinal se não passa de uma campanha conspiratória não há ninguém na Turquia que proteste? É mesmo ser avestruz crer que não houve nenhum golpe militar que tudo não passa de teatro, que ninguém morreu durante o golpe. A Turquia já sofreu vários golpes militares, sendo verdade que nenhum dos golpes era a favor de trabalhadores, ou do proletariado.
ResponderEliminarFico admirado é que as pessoas lúcidas, e que considero como sendo atentos à realidade, acreditam que o golpe militar na Turquia foi uma obra de conspiração do AKP e do Recep Tayip Erdogan. Passam um atestado de "carneiros" aos turcos que são presos e humilhados. Afinal se não passa de uma campanha conspiratória não há ninguém na Turquia que proteste? É mesmo ser avestruz crer que não houve nenhum golpe militar que tudo não passa de teatro, que ninguém morreu durante o golpe. A Turquia já sofreu vários golpes militares, sendo verdade que nenhum dos golpes era a favor de trabalhadores, ou do proletariado.
ResponderEliminarQuando se verificou a implosão dos grandes sistemas ideológicos , nomeadamente quando se perdeu a fé num
ResponderEliminarfuturo radioso e sempre melhor , Para onde vamos ?
A História tinha um sentido e ela caminhava para a liberdade e o progresso . Em vez disso é um universo de guerra , de risco e de insegurança que se instalou globalmente , que dão um testemunho confuso ,os ressurgimentos nacionalistas e dos fanatismos identitários de que o AKP de Erdogan é o exemplo mais flagrante. A fé no futuro que serve de contrapeso à miséria quotidiana foi apropriada por Erdogan sob a cobertura islâmica renascida em força.