Não é novidade para ninguém que o “pragmatismo” é a arma
favorita de todos os governantes quando se atolam em medidas contra as maiorias
que os escolheram e fazem gato-sapato dos seus programas políticos. “Pragmatismo”
é a manta que serve para encobrir a putrefacção de promessas envelhecidas
precocemente; também há quem lhe chame “realpolitik”, achando que é mais fino e
menos gravoso recuperar linguajar de outrora.
Poderia o primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, usufruir
ainda de algum benefício da dúvida quando optou por entrar no comboio da
troika, dos resgates e da austeridade light. É duro confrontar Bruxelas, tomar
medidas para as quais é preciso ir buscar coragem ao cofre dos princípios e do
respeito pela palavra dada; mais fácil é, ao que parece, ver o próprio país
esvair-se em greves gerais e castigar quem já está castigado – assim-como-assim,
os gregos estão habituados.
Mais inesperada é a fraternidade cada vez mais sólida entre
o primeiro-ministro grego e o seu homólogo de Israel, Benjamin Netanyahu. Em três
meses apenas Tsipras efectuou duas visitas oficiais a Israel e, na mais
recente, levou com ele uma equipa de seis ministros para tratar de negócios com
o governo que desrespeita ostensivamente o direito internacional, impede a
criação do Estado Palestiniano, mantém as prisões repletas de resistentes
contra a ocupação, prossegue a colonização em ritmo intensivo, mantém os
habitantes de Gaza sujeitos à fome, num universo concentracionário e alvejado
regularmente por actos de guerra que têm vitimado milhares de inocentes. É
longo o rol de malfeitorias e violações atrozes dos direitos humanos
atribuíveis ao governo de Benjamin Netanyahu.
Ao receber Tsipras com toda a galanteria, Netanyahu falou
muito de “terrorismo” e proclamou que “seremos mais fortes se afrontarmos juntos
este desafio”. Não especificou a que terrorismo aludia, se ao que ele pratica
em Jerusalém, Gaza e na Cisjordânia, se ao apoio que dá aos radicais islâmicos
do tipo Estado Islâmico e Al Nusra (Al Qaida) nos Montes Golã ocupados à Síria.
Nem isso interessa para o caso, ao que parece.
O que interessa é que Tsipras e Netanyahu estabeleceram
negócios que poderão ser frutuosos em matérias como turismo, energia, defesa e
segurança.
Nos termos dos acordos já delineados, os governos grego e
israelita vão cooperar no domínio da espionagem militar e Tsipras ofereceu os
céus helénicos para que a aviação israelita possa ensaiar os seus raids,
eventualmente contra Gaza, uma vez que perdeu há uns tempos a concessão para
realizar tais manobras em espaço aéreo turco. Em contrapartida, Israel compromete-se
a modernizar a aviação militar grega, por certo uma das necessidades mais prementes
do povo grego.
Outra das convergências entre Tsipras e Netanyahu vai
funcionar no domínio energético, juntando-se a eles os actuais chefes dos
regimes nada recomendáveis da Bulgária e da Roménia e ainda o do governo direitista
de Chipre. Um gasoduto levará o gás natural israelita até à Grécia, prevendo-se
que o acordo deva alargar-se ao petróleo. Por isso é oportuno lembrar, para se
avaliar até onde chega o “pragmatismo" de Tsipras, que Israel tenciona explorar o
petróleo e o gás natural detectados nas águas territoriais da Faixa de Gaza,
que naturalmente não lhe pertencem, o que configura um roubo do povo
palestiniano em larga escala; e que Israel é um dos destinos do petróleo
contrabandeado pelos mercenários do Estado Islâmico, funcionando então como
intermediário do tráfico e também como “lavandaria” da operação.
No deve e haver e nos arranjos estabelecidos para que estes
negócios sejam produtivos falta ainda revelar outra importante contrapartida
dada por Tsipras a Netanyahu: a Grécia não aplicará a directiva europeia que
coloca restrições à entrada no espaço europeu de produtos que tenham origem nos
colonatos israelitas, isto é, em áreas cuja existência viola o direito
internacional, as convenções de Genebra e que recorrem a mão-de-obra
palestiniana escrava depois de terem secado a actividade produtiva em seu
redor. A Bulgária, a Roménia e Chipre tomaram a mesma decisão, mas daí não vem
surpresa alguma, são países que têm governos inconfundíveis com qualquer
conotação de “esquerda”.
Ironia das ironias, Benjamin Netanyahu está por detrás e é
um dos grandes beneficiários da estratégia que tem multiplicado guerras no
Médio Oriente, originando a vaga de refugiados que atinge a Europa, em especial
– com os dramas que se conhecem – a Grécia governada por Alexis Tsipras e pelo
Syriza, em aliança com a direita nacionalista.
Nabil Shaat, ministro palestiniano e chefe da delegação
palestiniana às negociações de paz – fracassadas por causa de Netanyahu e da
sua insistência na colonização – teve um desabafo, em forma de pergunta, a propósito
da estratégia do governo de Atenas: “a Grécia atraiçoará a Palestina?”
Fica a interrogação. É um facto que, década após década, a
Grécia sempre foi um pilar do apoio aos palestinianos, quer governada à direita
ou pelo PASOK. É certo que ainda há pouco o Parlamento de Atenas aprovou o
reconhecimento do Estado Palestiniano. A verdade é que, neste caso, uma mão não
lava a outra. A bandeira palestiniana também está içada na sede da ONU mas o
Estado continua por construir e há cada vez menos terra para a sua viabilidade
física. Por causa, sobretudo, da política anexionista dos governos de
Netanyahu, grande parceiro de negócios de Alexis Tsipras. Sagacidade
estratégica? Chamem-lhe o que quiserem, uma vez que os princípios políticos já
lá vão.
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