Durante o ano de 2015 entraram na Grécia mais de 800 mil
refugiados oriundos de países do Médio Oriente em guerra, sobretudo da Síria. Em
2016 já chegaram pelo menos 50 mil. Juntando-lhes as centenas de milhares que
conseguem sobreviver à travessia do Mediterrâneo e arribaram às ilhas italianas,
pode afirmar-se, sem qualquer dúvida, que muito mais de um milhão de pessoas
atingiram territórios europeus.
Embora de uma magnitude catastrófica, este número é inferior
ao registado em países mais próximos dos cenários de conflitos: um milhão e 900
mil na Turquia; um milhão e cem mil no Líbano; e 650 mil na Jordânia.
Percebe-se a dimensão trágica deste movimento de massas humanas desesperadas se
olharmos, por exemplo, para o caso libanês. O país tem cerca de quatro milhões
de habitantes, pelo que os refugiados que entraram, só na sequência da guerra
na Síria, representam um quarto da população. O Líbano que, tal como a Jordânia
e a própria Síria, já era lar dos palestinianos forçados por Israel a uma
diáspora que dura há quase 70 anos, vive uma situação caótica, como se também
estivesse em guerra.
As informações disponibilizadas pelas entidades públicas e
não-governamentais de países europeus que, com todas as limitações impostas
pelos responsáveis, vão tentando gerir a situação na Europa, são reveladores da
pouca eficácia, das carências de vontade política e até da má vontade das
instituições da União Europeia para enfrentar o problema.
Da hecatombe humanitária resultante da entrada de mais de um
milhão de refugiados, o rateio efectuado entre os 28 Estados membros da União
Europeia abriu espaço para a admissão de apenas 170 mil, isto é, muito menos de
17%. Acresce que até essas quotas ínfimas inicialmente estabelecidas e aceites
estão agora a ser rejeitadas por vários países, cujos governos dão o dito por
não dito.
Até ao momento, foram alojados e integrados no espaço
europeu menos de 500 dos desesperados que pretendem asilo. Um número irrisório.
A maioria dos governos da União recorrem a um número
interminável de pretextos para se escusarem a aceitar refugiados e a remeterem
para outros essa responsabilidade. O mais corrente é o argumento de que o fluxo
de refugiados é uma via de entrada de “terroristas” na Europa. Tal suposição
não está comprovada e, pelo contrário, alguns factos revelam que não passa de
um exercício de propaganda. Por exemplo, a comunicação social dominante
apressou-se a fazer crer que os crimes da noite de Ano Novo em várias cidades
alemãs, cometidos sobretudo contra mulheres, estavam relacionados com o
comportamento dos refugiados. Semanas depois as autoridades alemãs apuraram que,
dos 52 indivíduos indiciados, apenas três eram refugiados, e mesmo esses estavam
nos locais dos acontecimentos devido ao facto de não terem abrigo.
Por outro lado, acompanhando as biografias dos terroristas
que cometeram os atentados de Paris contra o Charkie Hebdo e de 13 de Novembro
verifica-se que são cidadãos franceses, nascidos e criados no país, vítimas da
crise social e das políticas de marginalização e exclusão pelas quais são
responsáveis sucessivos governos franceses e as instituições europeias.
O actual governo francês do presidente François Hollande e
do primeiro-ministro Manuel Valls, que impôs o estado de excepção na
Constituição e o mantem em vigor por períodos prorrogáveis – “até que o Estado
Islâmico seja derrotado”, segundo Valls – está, aliás, entre os que afirmam que
não receberão mais refugiados, nem mesmo a quota a que se comprometeu. A sua
agenda sobre este assunto e outros parece decalcada da que é invocada pelo
movimento neofascista Frente Nacional, de Marine Le Pen, que está à frente nas
intenções de voto para próximas eleições.
Através da Europa, aliás, o cenário tem contornos semelhantes
ou comparáveis às atitudes das autoridades de Paris. Na Dinamarca e na Alemanha
os governos confiscam os bens de valor aos refugiados alegadamente para custear
a sua integração; a Áustria fechou as suas fronteiras; a Hungria afirma que não
receberá qualquer refugiado e transforma as suas fronteiras em barreiras
físicas; a Polónia afirma que está disponível para receber apenas “cristãos”; o
Reino unido suspende por quatro anos parte dos direitos sociais dos imigrantes,
com a anuência dos governos dos 27 Estados membros; na Noruega, que não é da
União Europeia, mas é da NATO, milícias “populares” de camisas negras zelam
pela “segurança” nas ruas; a Dinamarca e a Suécia restabeleceram os controlos
nas suas fronteiras; partidos de extrema-direita e/ou neofascistas impõem
políticas xenófobas graças às suas influências crescentes, ou mesmo fazendo
parte de governos em países como Dinamarca, Finlândia, Eslováquia, Hungria,
Letónia, Estónia, Polónia, Holanda. Entretanto, por diligência da Alemanha, a
Europa mergulhada na crise económica pretende pagar três mil milhões de euros à
Turquia para estancar o fluxo de refugiados.
A ineficácia política europeia perante a tragédia dos
refugiados provoca outros efeitos perversos que degradam aceleradamente o panorama
dos direitos humanos. Entidades que trabalham no acolhimento dos fugitivos das
guerras consideram que existe grande falta de vontade política para criar
corredores humanitários que permitam encaminhar e prestar apoio a essas
pessoas, mais de um terço das quais são crianças. Esta situação transforma os
desesperados que apenas pretendem sobreviver em presas fáceis de mafias
traficantes de seres humanos e outros predadores, um negócio altamente rentável
que, na Europa, pode já ter ultrapassado os lucros com os tráficos de droga e
armas.
Por outro lado, torna-se evidente que a Europa pouco ou nada
tem feito para tentar resolver as crises no Médio Oriente, além de privilegiar
os conceitos securitários no combate aos refugiados, atitudes que, de acordo
com a experiência já disponível, não contribuem – antes pelo contrário - para
resolver o problema. Verifica-se até que entre os países europeus, a França e a
Alemanha têm manifestado tendência para não acompanhar a convergência entre os
Estados Unidos e a Rússia para solucionar a crise síria, parecendo mais
sintonizados com as correntes intervencionistas – que, na prática, reforçam o
terrorismo – interpretadas pela Arábia Saudita e pela Turquia.