Está em
curso uma intoxicação epidémica, que tem contornos de uma operação de terror,
sobre as terríveis consequências que se abateriam sobre o mundo, a Europa e até
este pobre cantinho lusitano se o Reino Unido, por sinal o braço europeu mais
fraterno do grande império, sair da União Europeia.
A vaga de
propaganda chantagista sobre os horrores que adviriam dessa hipótese atingiu a
histeria do vale-tudo e mesmo agonias de desespero que justificariam uma
investigação séria sobre as circunstâncias que levaram ao cobarde assassínio da
deputada trabalhista Jo Cox. Para todos os efeitos, o autor foi um demente dedicado
aos folclores nazis, agiu sozinho e pronto. O assunto foi retirado das
primeiras páginas, ficando agora cada qual com a resposta à pergunta clássica
que se faz para adivinhar o criminoso nos romances policiais: a quem aproveita
o crime?
Sair da
União Europeia é um direito inalienável dos britânicos, que quase certamente
não se livrarão de uma segunda consulta, ou das que forem necessárias, se
teimarem em dizer que não desejam estar num sítio onde, em boa verdade, nunca
estiveram de boa vontade. Não é este o hábito dos mandantes da União Europeia,
vide as repetições de referendos na Irlanda, em França e na Holanda até se
obterem os resultados pretendidos pela ditadura financeira internacional?
A saída do
Reino Unido da União Europeia, ou a sua continuação, será o resultado de um
exercício básico de democracia, essa coisa que está de tal maneira corrompida
no espaço europeu que os senhores de Bruxelas até se esquecem de a invocar. Ao
invés, em vez de promoverem o esclarecimento sereno dos britânicos, patrocinam
uma campanha de medo e mentiras onde avultam figuras desacreditadas como o
presidente dos Estados Unidos, o conspirador e golpista internacional George
Soros através do seu Grupo Internacional de Crise (destruição da Jugoslávia,
criação do Kosovo, golpe fascista na Ucrânia e outras coisas equivalentes) e o
inimitável Tony Blair – será impossível resumir as suas malfeitorias, mas
bastará recordar a sangria do Iraque baseada numa comprovada aldrabice. Enfim,
são todos muito boas recomendações para um Reino Unido dentro da União.
O ambiente
de pressão é de tal ordem que um cidadão comum quase terá que pedir desculpa
para dizer que não virá mal nenhum ao mundo se o Reino Unido sair da União
Europeia, entidade em implosão. O grau de desmantelamento é tal que Bruxelas e
a colaboracionista David Cameron em Londres fabricaram uma União Europeia à la
carte para os britânicos, a qual, bem à medida do primeiro-ministro inglês, é
racista e xenófoba. Não foi ele que qualificou os refugiados e imigrantes como “uma
praga”, levando Bruxelas atrás de si, o que nesta matéria nada tem de difícil?
A partir de agora qualquer país da União pode reclamar um estatuto especial
para si, ameaçando com a saída. Será uma simples questão de coragem política.
Alega-se: do
lado do Brexit estão os fascistas britânicos. Pois estão. E quem está ao lado
dos fascistas ucranianos, polacos, húngaros, eslovacos, estonianos, lituanos,
croatas, kosovares, turcos com quem a NATO e a União Europeia anda nas
palminhas? Os fascistas estão em todo o lado na Europa, porque os dirigentes da
Europa lhes estendem as mãos, uns por oportunismo, outros por convicção. Quando
se der o alerta geral provavelmente será tarde.
Com ou sem
Brexit, a União Europeia está a cavar um pouco mais da sua sepultura. Enquanto
isso, fortalecem-se os sinais, em todo o mundo, de que o neoliberalismo, como
estado supremo do capitalismo, necessita cada vez mais de sistemas políticos autoritários
para maximizar os proveitos da sua anarquia financeira. Isto é, o mercado
verdadeiramente livre sente ainda como estorvo o pouco que resta de democracia.
Por isso o fascismo ressurge em cada canto, por ser o infalível garante da
equação exploração máxima igual a lucro máximo. Por isso, ao contrário do que
malevolamente proclama a comunicação transformada em propaganda, mesmo que seja
“de referência”, os manifestantes em França contra a lei laboral esclavagista
não são “herdeiros de Pétain”. Lutam sim contra os políticos cúmplices dos imensos
poderes internacionais que arrasam, sem dó, os direitos sociais e humanos. Os
grandes impérios económicos e financeiros alemães lucraram a bom lucrar com o
nazismo de Hitler. Por isso, é uma mentira deslavada e uma grosseira chantagem
intelectual dizer que o fascismo e a liberdade sem limites do mercado são
inconciliáveis.
Pelo
contrário, são feitos um para o outro. E desta feita já têm em funções a União
Europeia e a NATO como regaços dessa aliança criminosa, dispensando grandes
invasões militares, pelo menos na Europa até às fronteiras russas.
Com ou sem
Brexit, é claro.