Generais franceses na reserva publicaram uma carta aberta
contra o chefe de Estado, François Hollande, acusando-o de ter “capitulado” na
sua actuação contra a chamada “selva de Calais”, os miseráveis campos montados
por refugiados fugidos às guerras no Médio Oriente e que esperam a oportunidade
de atravessar a Mancha com destino ao Reino Unido. De acordo com Le Figaro, o
jornal de direita que dá letra de forma à carta, muitos outros generais, entre
os cerca de mil que estão na reserva, são da mesma opinião.
A generalidade da comunicação social francesa não esconde
que este pronunciamento militar está alinhado com as posições da extrema-direita
fascista contra os refugiados, uma vez que a carta serve de igualmente de
protesto contra a detenção de um outro general, Christian Piquemal,
ex-comandante da Legião Estrangeira francesa, por ter participado numa
manifestação xenófoba não autorizada promovida por Pegida, uma filial do grupo
de choque alemão e que gravita no universo dos bandos de assalto controlados
pela Frente Nacional de Marine Le Pen. “Em vez de visar um soldado, general e
patriota, convém estabelecer a ordem em Calais”, advertem os generais na carta.
Estabelecer a ordem, segundo os subscritores, “inclui erradicar a selva – pode existir
uma selva na República? – e o envio de todos os clandestinos para os países de
origem”.
Nos países de origem dos refugiados, como se sabe, existem
guerras nas quais têm participado activamente muitos generais franceses, tanto
no âmbito da NATO como por decisão directa dos presidentes franceses Nicolas
Sarkozy e François Hollande. A carta dos generais é omissa quanto a essa causa
do problema – limita-se a defender o reenvio dos refugiados para o caos e a
morte pelos quais o seu país tem elevada quota-parte de responsabilidade –
preferindo destacar a “ironia” do facto de o general Piquemal “ter sido detido
em nome da ordem pública, enquanto imigrantes ilegais continuam livres”.
Entre os signatários da carta estão o general Coursier,
ex-comandante da Região Militar de Lille (que integra Calais), e os também
generais Antoine Martinez e Jean du Vernier, além de Yvan Flot, ex-deputado da
Frente Nacional pela região de Calais.
A designada “selva de Calais” é um vasto descampado entretanto
ocupado por milhares de refugiados, em situação de degradação humilhante, e que
pretendem alcançar o Reino Unido, onde o governo de David Cameron lhes fecha as
portas, agora ainda com maior firmeza porque se considera forçado a cumprir a
agenda da extrema-direita para tentar ganhar o referendo sobre a permanência na
União Europeia.
A política da administração Hollande, interpretada no
terreno pelo seu primeiro-ministro Manuel Valls, conhecido há muito pelas inclinações
xenófobas, tem sido a de reprimir e desmantelar os acampamentos informais e
desapoiados existentes na “selva”, ao mesmo tempo que manobra a crise em
sintonia com as dificuldades do governo de Londres. A actuação que os generais
qualificam de “capitulação” caracteriza-se pelo desmantelamento violento dos
acampamentos de refugiados – a exemplo do que Valls está habituado a fazer com
comunidades de ciganos em todo o país – sem ter conseguido ainda passar à
prática o objectivo de os reenviar para os países de origem. Não se pode fugir
ao artigo da Constituição que “determina a integridade do território”, lê-se no
pronunciamento dos generais. “Os imigrantes ilegais entram massivamente em
França e instalam-se em lugares como Calais”, acrescentam os militares, enquanto
os habitantes de Calais vivem em “situação desastrosa, com medo de bandos
mafiosos”.
Um dos promotores da iniciativa, Nicolas Stoquer, presidente
da Confederação France Armée, explica que “foi a urgência da situação de crise
que os empurrou a proceder de maneira descomplexada”.
Colocado perante o texto da carta, um diplomata francês em
Bruxelas lamentou que os generais não se tenham pronunciado, em devido tempo,
contra a participação das forças armadas francesas em guerras “sem razão e sem
fim que estão na base da crise dos refugiados, o que prova também a
incongruência das instituições europeias”. Antes dessas guerras, acrescentou, a
Europa não sabia “o que era uma crise provocada pela afluência de refugiados”.
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