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quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

A SAGA DOS REFUGIADOS QUE A EUROPA CRIOU E AGORA DESPREZA


 

Durante o ano de 2015 entraram na Grécia mais de 800 mil refugiados oriundos de países do Médio Oriente em guerra, sobretudo da Síria. Em 2016 já chegaram pelo menos 50 mil. Juntando-lhes as centenas de milhares que conseguem sobreviver à travessia do Mediterrâneo e arribaram às ilhas italianas, pode afirmar-se, sem qualquer dúvida, que muito mais de um milhão de pessoas atingiram territórios europeus.
Embora de uma magnitude catastrófica, este número é inferior ao registado em países mais próximos dos cenários de conflitos: um milhão e 900 mil na Turquia; um milhão e cem mil no Líbano; e 650 mil na Jordânia. Percebe-se a dimensão trágica deste movimento de massas humanas desesperadas se olharmos, por exemplo, para o caso libanês. O país tem cerca de quatro milhões de habitantes, pelo que os refugiados que entraram, só na sequência da guerra na Síria, representam um quarto da população. O Líbano que, tal como a Jordânia e a própria Síria, já era lar dos palestinianos forçados por Israel a uma diáspora que dura há quase 70 anos, vive uma situação caótica, como se também estivesse em guerra.
As informações disponibilizadas pelas entidades públicas e não-governamentais de países europeus que, com todas as limitações impostas pelos responsáveis, vão tentando gerir a situação na Europa, são reveladores da pouca eficácia, das carências de vontade política e até da má vontade das instituições da União Europeia para enfrentar o problema.
Da hecatombe humanitária resultante da entrada de mais de um milhão de refugiados, o rateio efectuado entre os 28 Estados membros da União Europeia abriu espaço para a admissão de apenas 170 mil, isto é, muito menos de 17%. Acresce que até essas quotas ínfimas inicialmente estabelecidas e aceites estão agora a ser rejeitadas por vários países, cujos governos dão o dito por não dito.
Até ao momento, foram alojados e integrados no espaço europeu menos de 500 dos desesperados que pretendem asilo. Um número irrisório.
A maioria dos governos da União recorrem a um número interminável de pretextos para se escusarem a aceitar refugiados e a remeterem para outros essa responsabilidade. O mais corrente é o argumento de que o fluxo de refugiados é uma via de entrada de “terroristas” na Europa. Tal suposição não está comprovada e, pelo contrário, alguns factos revelam que não passa de um exercício de propaganda. Por exemplo, a comunicação social dominante apressou-se a fazer crer que os crimes da noite de Ano Novo em várias cidades alemãs, cometidos sobretudo contra mulheres, estavam relacionados com o comportamento dos refugiados. Semanas depois as autoridades alemãs apuraram que, dos 52 indivíduos indiciados, apenas três eram refugiados, e mesmo esses estavam nos locais dos acontecimentos devido ao facto de não terem abrigo.
Por outro lado, acompanhando as biografias dos terroristas que cometeram os atentados de Paris contra o Charkie Hebdo e de 13 de Novembro verifica-se que são cidadãos franceses, nascidos e criados no país, vítimas da crise social e das políticas de marginalização e exclusão pelas quais são responsáveis sucessivos governos franceses e as instituições europeias.
O actual governo francês do presidente François Hollande e do primeiro-ministro Manuel Valls, que impôs o estado de excepção na Constituição e o mantem em vigor por períodos prorrogáveis – “até que o Estado Islâmico seja derrotado”, segundo Valls – está, aliás, entre os que afirmam que não receberão mais refugiados, nem mesmo a quota a que se comprometeu. A sua agenda sobre este assunto e outros parece decalcada da que é invocada pelo movimento neofascista Frente Nacional, de Marine Le Pen, que está à frente nas intenções de voto para próximas eleições.
Através da Europa, aliás, o cenário tem contornos semelhantes ou comparáveis às atitudes das autoridades de Paris. Na Dinamarca e na Alemanha os governos confiscam os bens de valor aos refugiados alegadamente para custear a sua integração; a Áustria fechou as suas fronteiras; a Hungria afirma que não receberá qualquer refugiado e transforma as suas fronteiras em barreiras físicas; a Polónia afirma que está disponível para receber apenas “cristãos”; o Reino unido suspende por quatro anos parte dos direitos sociais dos imigrantes, com a anuência dos governos dos 27 Estados membros; na Noruega, que não é da União Europeia, mas é da NATO, milícias “populares” de camisas negras zelam pela “segurança” nas ruas; a Dinamarca e a Suécia restabeleceram os controlos nas suas fronteiras; partidos de extrema-direita e/ou neofascistas impõem políticas xenófobas graças às suas influências crescentes, ou mesmo fazendo parte de governos em países como Dinamarca, Finlândia, Eslováquia, Hungria, Letónia, Estónia, Polónia, Holanda. Entretanto, por diligência da Alemanha, a Europa mergulhada na crise económica pretende pagar três mil milhões de euros à Turquia para estancar o fluxo de refugiados.
A ineficácia política europeia perante a tragédia dos refugiados provoca outros efeitos perversos que degradam aceleradamente o panorama dos direitos humanos. Entidades que trabalham no acolhimento dos fugitivos das guerras consideram que existe grande falta de vontade política para criar corredores humanitários que permitam encaminhar e prestar apoio a essas pessoas, mais de um terço das quais são crianças. Esta situação transforma os desesperados que apenas pretendem sobreviver em presas fáceis de mafias traficantes de seres humanos e outros predadores, um negócio altamente rentável que, na Europa, pode já ter ultrapassado os lucros com os tráficos de droga e armas.
Por outro lado, torna-se evidente que a Europa pouco ou nada tem feito para tentar resolver as crises no Médio Oriente, além de privilegiar os conceitos securitários no combate aos refugiados, atitudes que, de acordo com a experiência já disponível, não contribuem – antes pelo contrário - para resolver o problema. Verifica-se até que entre os países europeus, a França e a Alemanha têm manifestado tendência para não acompanhar a convergência entre os Estados Unidos e a Rússia para solucionar a crise síria, parecendo mais sintonizados com as correntes intervencionistas – que, na prática, reforçam o terrorismo – interpretadas pela Arábia Saudita e pela Turquia.
 

sábado, 14 de novembro de 2015

A MATANÇA CONTINUA



Paris, noite de 13 de Novembro de 2015; depois de Paris em Janeiro de 2015, Nova Iorque, Madrid Atocha, Líbano centenas de vezes, enquanto se arrastam as tragédias da Palestina, Afeganistão, Síria, Iraque, Líbia, Iémen, Egipto, Somália, Mali, Nigéria. A matança continua através da mais bárbara das formas de guerra, a que vitima preferencialmente civis, famílias nas suas casas, cidadãos nos seus momentos de lazer, trabalhadores nas suas actividades, camponeses nas suas terras, crianças e professores nas escolas, doentes, médicos e enfermeiros nos hospitais, socorristas nos escombros. Guerra cega, selvática, conduzida por governantes, traficantes, negociantes da morte, impérios económicos e financeiros, militares, paramilitares, mercenários movidos a dinheiro, também marionetas da intoxicação religiosa e ideológica. Uma guerra sem quartel onde conceitos trapaceiros e expansionistas de democracia se combinam com o irredentismo da fé e a ganância fundamentalista dos agiotas, umas vezes em aliança, outras em dissidência, mistificação sanguinária onde os “chocados” de hoje, os “horrorizados” de ontem podem ser os algozes de Gaza, de Alepo, My Lai ou Haditha, Odessa, Sabra e Chatila, Kandahar ou do hospital de Kunduz, Tripoli ou Bahrein.
Em que se distinguem os massacres de sexta-feira em Paris e as matanças recorrentes em Gaza? O terror à solta em Abu Ghraib, Kandahar ou as bombas sobre o hospital de Kunduz e as chacinas de Odessa, Nova Iorque, no Charlie Hebdo ou quotidiana nas águas do Mediterrâneo? Que não se responda em função da dimensão, da cobertura mediática, do tom da pele ou do grau de “civilização” das vítimas. Uma morte é uma vida humana que se perde, a vida de alguém sem qualquer responsabilidade nas acusações invocadas, nos alibis expostos para eternizar a carnificina global, para atordoar a comunidade mundial através do terrorismo, a mais ignóbil das formas de violência.
Escutámos as primeiras reacções ao drama da noite parisiense: como se o fundamental fosse conhecer quem reivindica a autoria dos crimes, a que horas e de que maneira o faz. Reacções onde se exige mais segurança, mais espionagem sobre os cidadãos globalmente espiados, mais investimento em armas e exércitos, mais limitações à vida quotidiana e aos movimentos de quem já sofre as agruras da vida em crise permanente, em suma, mais guerra sobre a guerra. E poucas palavras ou simples alusões de raspão sobre as cada vez mais comprovadas colaborações entre o radicalismo islâmico e o fascismo, patentes no atentado contra o Charlie Hebdo e, na Ucrânia, na coligação armada para “libertação” da Crimeia; ou invocações por alto, quase sempre invertidas no contexto, das situações na Síria, no Iraque, na Líbia
Bem alto na trágica noite parisiense, o secretário-geral da NATO mandou dizer que o terror não vencerá a democracia. Belas e promissoras palavras, pensarão os incautos ou quem ignora a responsabilidade institucional de quem assim fala nas tragédias em curso na Síria, no Afeganistão, na Líbia, na Ucrânia, na multiplicação de muros e barreiras por esta Europa afora.
Depois chegou a reivindicação: o Estado Islâmico, ou Daesh, ou ISIS, ou Al Qaida, ou Al Nusra, ou isto, aquilo ou aqueloutro, grupos financiados por entidades estatais de países da NATO, treinados em campos criados em países da NATO, como a Turquia, ou aliados da NATO como a Jordânia, armados e sustentados de mil e uma maneiras por íntimos da NATO como a Arábia Saudita, o Qatar, Israel. Aqui avulta o sentido humanitário do chefe do governo israelita, que enquanto planeia os próximos ataques a Gaza cede o território sírio ocupado dos Montes Golã para acoitar os terroristas do Estado Islâmico – os que se dizem autores da selvajaria de Paris - e oferece os hospitais israelitas para tratar os mercenários desse bando que forem vítimas da “ditadura bárbara” de Assad. O mesmo chefe de governo, Netanyahu, que foi dar o braço ao presidente Hollande na manifestação encenada por ocasião do Charlie Hebdo e que agora está, como não podia deixar de estar, entre os mais “chocados” e horrorizados”.
Por falar em François Hollande, um dos principais titulares dos “amigos da Síria” inventados em Washington, atrás dos quais se escondem Estado Islâmico, Al Qaida, Al Nusra e os famosos “moderados” – todos eles brilhando como estrelas reluzentes do terrorismo internacional –, ficámos a saber que por causa da situação teve de cancelar a deslocação à reunião do G20, um desses vários “gês” que nos governam sob as ordens dos mistificadores da democracia. Reunião essa na Turquia, país onde ficou demonstrada a falsificação das recentes eleições gerais para reforço da ditadura islamita e que tem servido de base operacional da NATO e de grupos terroristas – entre os quais o Estado Islâmico – para as guerras impostas à Síria, Líbia e Iraque.
Assim sendo, não tenhamos ilusões: a matança continua e irá continuar porque há quem lucre com ela, parasitas do ser humano, vampiros de sangue humano.
 

sábado, 15 de agosto de 2015

RACISMO À FLOR DA PELE


 
Os grupos declaradamente racistas e xenófobos do Reino Unido, como por exemplo o UKIP, não conseguiram transformar os seus milhões de votos em deputados, mas a mensagem segregacionista não se perdeu e foi tomada em mãos pelo primeiro-ministro David Cameron e respectivo governo. Reeleito de fresco, Cameron soltou a língua e escancarou o que lhe vai na alma a propósito da “ameaça” que a “praga” da emigração representa para a loira pureza britânica.
“Praga” foi a palavra escolhida pelo chefe do governo de Sua Majestade para citar o movimento de refugiados desejando entrar no Reino Unido, onde muitos têm familiares, a partir do porto francês de Calais. Autorizado pela franqueza do discurso do seu chefe, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Philip Hammond, assumiu essa preocupação de maneira mais abrangente, em nome de toda a Europa, durante uma entrevista à BBC. “A Europa não conseguirá proteger-se e preservar o seu estilo de vida e a sua estrutura social se absorver os milhões de imigrantes vindos de África”, disse. E logo a comunicação social tablóide e não só se sentiu encorajada a soltar os impropérios racistas, até agora tão dificilmente recalcados, para associar os refugiados e imigrantes a “pilhagens”, “marés de desordeiros”, “correntes de malfeitores” – enfim, a escalada verbal corresponde a uma desbragada perda de compostura, à libertação da natureza autêntica de quem nela participa e, por este andar, não tardará a passar à fase da acção repressiva e punitiva.
O reaparecimento da insolência racista através da Europa, observável em comportamentos como estes, da construção de vedações, redis e muros anti refugiados e também da instauração de governos de índole fascista, é inquietante.
O que torna ainda mais assustadora a proliferação destas manifestações de desassombro racista é a sua conjugação com a irresponsabilidade política dos dirigentes que as proferem. Enquanto se queixa da “praga” de refugiados, David Cameron defende como uma das panaceias para o problema a restauração da estabilidade política em países de onde chegam os imigrantes, citando explicitamente a Líbia, a Síria, o Iraque e o Afeganistão. Precisamente as nações onde ele mesmo, parceiros, antecessores e aliados instauraram o caos de onde fogem aqueles tudo arriscam, inclusive a vida, para chegarem à Europa. Isto é, queixam-se da “praga” e barricam-se contra ela os mesmos que a criaram. Os mais cegos dos cegos são os que não querem ver.
No caso de David Cameron e respectivo ministro dos Negócios Estrangeiros – que por sinal foi conselheiro avençado do governo do Malawi antes de se dedicar a altas cavalarias políticas – registe-se que tinham o racismo à flor da pele, de tal modo que nem precisaram que o problema assumisse dimensões exasperantes para gritarem o que lhes vai na alma. Os pedidos de entrada no Reino Unido nos primeiros meses deste ano foram da ordem dos 7500, cerca de quatro por cento dos registados em toda a União Europeia, número muito inferior ao de países como a Áustria, Suécia, França, Itália, Alemanha e da própria Grécia, onde o pedido de entradas foi 16 vezes superior. Um valor que representa, aliás, uma ínfima gota de água quando comparado com os refugiados sírios no Líbano (1,1 milhões, um quarto da população do país), na Turquia (1,8 milhões) ou na Jordânia (630 mil), países assim atingidos devido à irresponsabilidade de um governo fazedor de guerras como é o do Reino Unido – entre alguns outros aliados, claro.
Se a Europa “não consegue preservar o seu estilo de vida e a sua estrutura social”, como se queixa o ministro britânico dos Negócios Estrangeiros, então os principais responsáveis são os dirigentes políticos que tomaram conta dos países e instituições da União Europeia.
 
 
 

 

quarta-feira, 15 de julho de 2015

ACORDOS COM O IRÃO: O OUTRO LADO DA FICÇÃO


Uma advertência prévia: onde se lê acordo 5+1 com o Irão deve ler-se acordos; onde se lê 5+1 deve ler-se Estados Unidos, quanto muito mais a Rússia e a China, a ver vamos; quando se relaciona unicamente o resultado das negociações com o fim da suposta ameaça nuclear iraniana toca-se apenas num átomo de uma estrutura complexa e de grande envergadura.
Isto é, esqueça o que os telejornais sintonizados com Washington e demais centrais de propaganda lhe explicam sobre o acordo e vamos à realidade.
O Irão nunca representou, pelo menos a partir de 1988, qualquer ameaça nuclear militar. O mito foi inventado para usar com mil e um pretextos e servir, em última análise, as estratégias militaristas e expansionistas de Israel, além de jogar com os preços do petróleo conforme os interesses do sistema económico e financeiro global. Desde a fatwa (decreto religioso) emanada em 1988, ainda pelo imã Khomeiny, que o Irão renunciou à utilização da energia atómica para fins militares. O resto é ficção e propaganda.
Os acordos agora estabelecidos trazem no bojo intenções muito mais amplas e estruturantes que apenas tocam ao de leve na falsa questão nuclear iraniana, embora esta seja exacerbada para esconder o que foi decidido pelas principais partes envolvidas, os Estados Unidos da América e o Irão: uma partilha de influências no Médio Oriente ampliado, envolvendo pois a chamada Eurásia, capaz de permitir ao Pentágono transferir o núcleo duro do seu impressionante aparelho de guerra do Médio Oriente para a Ásia, posicionando-se ante os novos inimigos, a China e a Rússia.
Isto é, através destes acordos os Estados Unidos contam com uma pacificação do Médio Oriente mediante novas esferas de influência por eles teórica e implicitamente determinadas, abrindo terreno para reposicionamentos estratégicos.
Pode e deve perguntar-se: assim sendo, como é que a Rússia e a China foram nisso? Esta é a grande interrogação, embora não seja de excluir que os arranjos encontrados no quadro de um novo Médio Oriente também lhes interessem e permitam ganhar tempo. Sabe-se que as derradeiras dificuldades existentes antes de serem anunciados os acordos foram levantadas pela Rússia, que não está disposta a transformar-se no alvo principal do Estado Islâmico, transferido presumivelmente das terras árabes para o Cáucaso. As primeiras reacções de Putin, salientando que o mundo agora respira melhor, podem significar que as suas principais exigências foram atendidas, mas os acordos são apenas papéis.
Há ainda a histeria manifestada por Israel, deve dizer-se antes, pelo primeiro ministro de Israel. Porque em Israel, na esfera militar, há quem conheça muito bem os acordos e os aceite. São, aliás, os mesmos sectores, responsáveis do Mossad incluídos, que há longos meses vinham desautorizando o chefe do governo quanto às supostas ameaças nucleares iranianas. Daí que o tempo de duração de Netanyahu à frente do governo israelita seja, a partir de agora, uma pedra de toque para avaliar o funcionamento dos novos arranjos.
Em termos gerais, os Estados Unidos e os seus principais aliados no Médio Oriente, leia-se Israel e Arábia Saudita, têm como zona de influência as petromonarquia da Península Arábica mais o Iémen e respectiva ponte para o Corno de África, a Jordânia, o Egipto e a Palestina – o acordo prevê que o processo de Oslo seja retomado, outra medida que deixa Netanyahu fora de si. O Irão, que se compromete a “não exportar a revolução”, mantém as suas influências na Síria, no governo iraquiano instalado em Bagdade e nas correntes islâmicas mais intervenientes no Líbano, devendo o Hamas adaptar-se ao que seja estabelecido em relação à Palestina.
Nos termos destes arranjos, o Curdistão Iraquiano tornar-se-á independente como satélite de Israel, país que deverá tutelar, em última análise, o aparelho militar da Liga Árabe, entidade que ficará na esfera norte-americana.
A Turquia, um dos grandes perdedores nestes arranjos, a Arábia Saudita e o Qatar deverão abster-se de apoiar o Estado Islâmico, o que, teoricamente, repete-se, deveria implicar a pacificação da Síria e o respeito pelo mandato de Bachar Assad. O corte dos apoios aos mercenários islâmicos deverá ter como resultado a sua neutralização pelos exércitos iraquiano e sírio e, ao mesmo tempo, impedir a transferência do grupo para o Cáucaso, exigência de Moscovo que fez arrastar o fim das negociações. Os Estados Unidos e Israel resistiram até onde lhes foi possível para conservar esse instrumento terrorista, de preferência orientado contra Moscovo, como já acontece na Ucrânia, sabendo-se que os árabes têm vindo a ser substituídos por caucasianos na direcção operacional dos mercenários. Aparentemente, Washington e aliados cederam, mas até onde e quando?
Com o fim das sanções, o petróleo e o gás iraniano vão inundar o mercado e, por certo, substituir exportações russas para a Europa. Moscovo considera que os efeitos desse problema são temporários, até estarem concluídos os gasodutos que irão atravessar a Ásia, sobretudo em direcção à China; enquanto isso, o Irão, livre de sanções, e a Arábia Saudita perfilam-se como grandes clientes económicos da Rússia, sobretudo no domínio militar. Os contactos entre Moscovo e Teerão são intensos, as encomendas volumosas, e o rei da Arábia Saudita é esperado em breve na capital russa, uma visita que ouviremos certamente qualificar como “histórica”.
Em traços gerais, eis o que ficou acordado num processo de “pacificação” do Médio Oriente que, em Washington, é olhado como garantia da estabilidade regional num período de pelo menos 10 anos.
O cotejo entre os objectivos enumerados e a realidade permitir-nos-á aferir de que modo se cumprem, ou não, as vontades e os cálculos desta geração de dirigentes muito mais habituada à guerra e ao terrorismo que à diplomacia – ainda que enviesada como a que estes acordos ilustram.