Poucos conhecerão
as notícias abjectas sobre Mohamed Suleiman nestas horas em que tanto se fala
de terrorismo, barbárie e selvajaria como contraponto à nossa superioridade
civilizacional plena de virtudes e bênçãos divinas, provenham elas de entidades
supremas ou dos não menos supremos mercados.
Não, Mohamed
Suleiman não é nenhum dos bandidos armados que praticaram as chacinas de Paris
ou Madrid ou Nova Iorque, ou decapitaram um qualquer “cidadão ocidental”; estes
são os verdadeiros terroristas, assim definidos pelos lugares onde actuam e as
vítimas que provocam, mas de que ninguém ouviria falar entre nós caso se
ficassem pelos massacres simultâneos de centenas de sírios e iraquianos, previamente
forçados a cavaram as valas comuns para nelas partirem em busca da eternidade,
porque isso era assunto lá entre eles, entre bárbaros, que não encaixa nos
padrões exigentes e ilustrados de direitos humanos.
Mohamed
Suleiman tem 15 anos, é um adolescente palestiniano de Hares, perto de Nablus,
na Cisjordânia, detido numa masmorra israelita desde os 13 anos por “atirar
pedras”, pecado gravíssimo porque cometido numa estrada reservada a colonos – a
designação verdadeira, ocupantes, é politicamente incorrecta – exemplo das obras
públicas israelitas que institucionalizam um civilizado regime de apartheid um
quarto de século depois de o apartheid original ter sido extinto.
As
autoridades israelitas foram buscar Mohamed Suleiman a casa há dois anos, não
havendo qualquer flagrante a invocar, e mantiveram-no na cadeia até completar
15 anos. Torturaram-no, juntamente com mais quatro jovens, até confessarem o
crime de “atirar pedras” e agora, que já tem idade para ser “julgado”, um
tribunal militar israelita condenou-o a 15 anos de prisão por “25 tentativas de
assassínio”, judiciosa versão da acusação original baseada no arremesso de
calhaus; mas se a família não conseguir pagar uma multa de sete mil euros até
26 de Janeiro a pena transforma-se automaticamente em prisão perpétua. Como os
parentes do garoto não têm esse dinheiro – vivem sob ocupação numa terra
submetida à violência sádica e fundamentalista dos colonos, espoliados de todos
os meios de sobrevivência pelo Estado de Israel - Mohamed Suleiman corre o
sério risco de passar o resto dos seus dias que vão para lá dos 15 anos, idade
dos sonhos para os adolescentes livres, numa masmorra às ordens dos civilizados
esbirros ocupantes.
Esta é a
história de Mohamed Suleiman. Ela não corre nos nossos tão informados
telejornais, nos nossos periódicos ditos de referência, nas nossas rádios
inundadas de cachas, apesar de tais meios não descansarem um segundo na
denúncia do terrorismo, do terrorismo mau, pois claro, mas onde deveria caber,
por simples misericórdia, um cantinho para Mohamed Suleiman, ao que parece
insuspeito de ser do Estado Islâmico ou da Al-Qaida, cujos mercenários às vezes
podem ser terroristas, outras nem tanto, depende.
Tão pouco a
ONU, a UNICEF, a omnipresente e justiceira NATO, a democratíssima e vigilante
União Europeia, tantos observatórios e organizações não-governamentais parecem
conhecer a barbárie terrorista de que é vítima Mohamed Suleiman e os seus
companheiros. Já me esquecia das boas razões para tal alheamento: Israel, tal
como esse farol da democracia que é a Arábia Saudita e também a fraternal
Turquia, agora às portas da União Europeia desde que sirva de tampão à entrada
de refugiados na Europa, enquanto nutre bandos terroristas, são exemplos
brilhantes de civilização e de respeito pelos direitos humanos. Os amigos e
aliados jamais praticam terrorismo, tratam da nossa “segurança”.
O caso de
que são vítimas Mohamed Suleiman e os cinco de Hares é um exemplo de terrorismo
puro e duro, sem adjectivação porque o terrorismo é um fenómeno único, não
existem terroristas bons ou maus, civilizados ou bárbaros. Mas esta é uma tese
vinda dos bas-fonds da teoria da
conspiração, não conta para a vida nos nossos dias.
Ainda sobram
no mundo, porém, algumas organizações solidárias que, enquanto denunciam esta
aberração selvática, procuram, para já, ajudar a reunir os sete mil euros
necessários para tentar
travar, no mínimo, a perpetuidade da prisão do jovem.
Quanto ao
resto, a história de Mohamed Suleiman e tantas outras histórias que preenchem o
quotidiano trágico de Jerusalém Leste, Cisjordânia e Gaza, as histórias de
degredos, demolição de casas, assassínios selectivos, escolas e hospitais
arrasados, asfixia económica, privação de água e energia, checkpoints e rusgas
arbitrárias, muros e outras formas de segregação física e psicológica, mais não
é do que exposição da hipocrisia terrorista pela qual se guia a chamada “comunidade
internacional”.
Agora que a
bandeira da Palestina, Estado fantasma, ondula junto ao palácio de vidro da ONU
as boas consciências dos nossos civilizados e democráticos dirigentes sentem-se
apaziguadas. Casos escabrosos de terrorismo como o de Mohamed Suleiman poderia,
é certo, mascarar essa “paz” tão laboriosamente aparentada, mas que não haja
problema: varre-se para o fundo dos tapetes da diplomacia e do desconhecimento,
com a prestimosa colaboração do amestrado aparelho de propaganda.
Tempos muito difíceis... "Mundo Cão", desejos de boa saúde e um abraço.
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