Há pouco
mais de uma semana descrevi aqui a situação de Mohamed Suleiman, um garoto
palestiniano com 15 anos detido quando tinha 13 sob a acusação de atirar pedras
numa estrada da Cisjordânia reservada a ocupantes – militares e colonos
israelitas –, e agora condenado a 15 anos de prisão por 25 “tentativas de
assassínio”. Pena que poderá tornar-se perpétua se até 26 de Janeiro a família
não pagar uma multa de sete mil euros.
Compreendo
que esta farsa de justiça e a correspondente agressão aos mais elementares
direitos humanos possa ter indignados os leitores. Na verdade, actos de
tortura, arbitrariedade e violência gratuita contra crianças cometidos por
Israel, um Estado com elevada cotação na bolsa de civilização, liberdades
fundamentais e guerra contra o terrorismo que serve de padrão à União Europeia
e à NATO, deixam a inquietante sensação de que o Estado confessional hebraico
não é aquilo que parece e diz ser.
Para
desfazer a má impressão que esse episódio terá deixado vou dar-vos informações
que ilustram como Israel é um Estado, por vezes, com elevadas preocupações
humanitárias. Um jornalista ao serviço da versão online do britânico Daily Mail
acompanhou uma operação de um grupo de comandos israelitas que, na calada da
noite, socorrem feridos da guerra civil síria de modo a que sejam assistidos em
hospitais israelitas e depois devolvidos ao teatro de guerra. Um desses
feridos, cuja vida é salva graças aos procedimentos médicos de urgência
israelitas acompanhados pela reportagem do Daily Mail – velha publicação
conservadora britânica – é um “combatente anti-Assad” por sinal membro do
Estado Islâmico, ou Daesh, ou ISIS, actual inimigo público nº 1 da “civilização
ocidental”. Em linguagem sem rodeios, a reportagem mostra o salvamento de um
terrorista por forças especiais israelitas, ocorrência tão politicamente
incorrecta, na aparência, que leva o jornalista a enquadrá-la no âmbito da
conhecida máxima “os inimigos dos nossos inimigos nossos amigos são”.
No caso,
como vamos sabendo, nem seria preciso recorrer a sentenças tão arcaicas, uma
vez que há generais norte-americanos sem dúvidas de que Israel está entre os
criadores do Estado Islâmico. Já se sabia também que este grupo terrorista tem
um santuário nos Montes Golã ocupados por Israel à Síria, onde dispõe de
instalações hospitalares facultadas pelo exército com meios de evacuação para
hospitais israelitas, nos casos mais graves. Há fotos do primeiro-ministro
Netanyahu visitando feridos da mais recente versão de “combatentes da liberdade”
tratados no seu país, mas nenhum documento é tão revelador dessa colaboração
como o vídeo do Daily Mail. De acordo com a mesma fonte, aliás, esta
humanitária legião israelita de boa vontade já salvou assim mais de 2000 vidas
entre os terroristas injectados na Síria, e sem distinção de filiação: Estado
Islâmico, Al-Nusra, que é o mesmo que dizer Al-Qaida e, ao que consta, até
mesmo “moderados”, os que são oficialmente pagos pelos Estados Unidos e
potências da União Europeia. O valor de 10 milhões de euros gasto até agora por
Israel nesta operação é uma pechincha, tendo em conta o que o terrorismo
fundamentalista islâmico representa, pelos vistos, para a segurança do país
governado pelo fundamentalismo hebraico.
Para que não
haja paralelismos que poderiam ser mal intencionados, um oficial israelita
esclarece o Daily Mail que ocorrências deste tipo não podem ser postas em
confronto, por exemplo, com o que frequentemente acontece em Gaza, onde o
exército israelita asfixia e massacra populações civis indefesas. “O contexto é
diferente e nós agimos de acordo com ele”, explica o oficial com uma
transparência tão eficaz que todos nós entendemos: uma coisa é salvar
terroristas do Estado Islâmico na fronteira com a Síria, outra é chacinar
crianças, mulheres e idosos em Gaza. No fundo, porém, há uma inatacável
coerência no comportamento do governo e das tropas israelitas: trata-se de uma
questão estratégica de segurança do país, como sempre se ouve dizer.
Uma
justificação que se aplica, como um fato feito por medida, ao episódio do jovem
Mohamed Suleiman. Mas não se diga que Israel não se dedica por vezes, e quando
lhe convém, a práticas humanitárias.
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