Silas Cerqueira desapareceu ontem fisicamente do nosso
convívio.
Fica muito mais pobre o panorama da luta pela paz em
Portugal e no mundo. A paz, essa coisa já de si anacrónica e que, de acordo com
a ordem imposta, é algo que se alcançará generalizando a guerra, a dominação, a
rapina. Silas estava nos antípodas.
Silas Cerqueira bateu-se pela paz genuína, a que nasce do
repúdio pela guerra, pelas desigualdades, pela injustiça social, pela
exploração da mulher e do homem. Por isso, o desaparecimento de Silas Cerqueira
é algo que não diz respeito aos media
sempre tão bem informados deste país, não merece ser do conhecimento dos
portugueses.
Silas Cerqueira era um homem de princípios e convicções,
características também caídas em desuso. Tive o privilégio de lhe fazer a
primeira entrevista depois do regresso do exílio em Paris, logo a seguir ao 25
de Abril de 1974, porque na chefia de A
Capital havia quem soubesse da existência de Silas e da sua luta, mesmo que
não se identificasse com todas as suas posições cívicas. Era outro jornalismo,
eram outros jornalistas. Nessa entrevista Silas Cerqueira anunciou os projectos
da luta pela paz em Portugal protagonizada pelo Conselho Português para a Paz e
Cooperação, instituição que nascera na clandestinidade. Porque a luta pela paz
era proibida no Portugal fascista. Hoje não é ilegal, está apenas condenada à
surdez oficial, ao desprezo, à calúnia.
No entanto, a obra de Silas Cerqueira e do Conselho
Português para a Paz e Cooperação é algo de que Portugal se deve orgulhar
porque, ainda que apenas tolerada de início, e hoje completamente ignorada,
projectou o país no mundo e foi determinante para alguns acontecimentos que
marcaram a vida internacional.
As conferências internacionais sobre a Palestina e a África
Austral promovidas pelo Conselho da Paz em Portugal, sob o impulso dinâmico de
Silas Cerqueira, trouxeram esses problemas para a arena internacional quando
Yasser Arafat e Nelson Mandela não passavam de “terroristas” para os dirigentes
mundiais, incluindo os da União Europeia. Em Portugal poderiam ser encontradas excepções
por exemplo nas pessoas dos ex-presidentes Costa Gomes, Ramalho Eanes, Jorge
Sampaio e da ex-primeira-ministra Maria de Lurdes Pintasilgo. Foi o Movimento
Mundial da Paz, de que Silas Cerqueira era alavanca poderosa – embora preferisse
a discrição pessoal – quem levou Yasser Arafat à Assembleia Geral das Nações
Unidas erguendo o seu ramo de oliveira; foi o Movimento Mundial da Paz que
nunca deixou cair a luta pela libertação de Mandela, até ao dia mágico em que
ela se concretizou e os que o cognominavam “terrorista” se tornaram, por
encanto, os seus maiores admiradores e aduladores.
Até ao momento em que as suas imensas faculdades lhe
permitiram, Silas Cerqueira não deixou de se bater pelas causas da paz, da justiça
e legitimidade internacional, pelos direitos inalienáveis dos povos que lhes
continuam negados como no Sahara Ocidental, na Palestina, nas áreas curdas;
contra o racismo e as várias formas de apartheid, com realce para o mais
criminoso em acção – o israelita. Enquanto as forças lhe permitiram, nem por um
momento deu tréguas à denúncia das situações vergonhosas criadas com o chamado “processo
de paz” israelo-palestiniano e com as guerras no Iraque, no Afeganistão, na
Líbia, no Iémen, na Síria, no Mali, em tantos outros lugares do mundo.
Silas Cerqueira deixa-nos fisicamente. Portugal, o seu país,
não sabe quem foi, mas nem por isso que o legado que nos deixou é menos precioso
e motivador. O Conselho Português para a Paz e Cooperação (CPPC), o MPPM –
Movimento pelos Direitos do Povo Palestino e pela Paz no Médio Oriente – que ele
ajudou a fundar, numerosas associações locais e de jovens contra a guerra espalhadas
pelo país, um conjunto vasto de cidadãos seus companheiro e dispostos a
prosseguir a sua luta têm agora sobre si a enorme responsabilidade e o orgulho
de continuar o trabalho de Silas Cerqueira. A sua determinação, a dedicação sem
tréguas, a disponibilidade para a paz e a sua confiança no êxito do caminho
seguido são, porém, muito difíceis de igualar. Cabe-nos também essa tomar em
mãos essa missão, por impossível que pareça.
Até sempre Camarada Silas Cerqueira.