O mês de Junho anuncia-se sangrento na arena internacional.
É um mês decisivo para os senhores da guerra de vários matizes, que tentarão
ganhar e definir posições ainda antes da assinatura do acordo dito de prevenção
nuclear a assinar no dia 30 entre os Estados Unidos da América e a República
Islâmica do Irão sob a batuta do presidente Hassan Rohani.
O acordo, em si mesmo, fecha uma história batoteira que
serviu para alimentar sanções e outras medidas de isolamento do Irão, sobretudo
para conter a sua influência regional até que o regime de Teerão se “moderou”.
Qualquer dirigente norte-americano, mesmo os que não o admitem, sabe que o Irão
não tinha qualquer projecto nuclear militar na manga, o seu objectivo
estratégico através da energia atómica é meramente civil. O regime iraniano
pretende gerir as suas riquezas petrolíferas da maneira que melhor entende, de
forma a não depender energeticamente apenas delas. É importante recordar, a
propósito da enorme mentira mundial que foi a possível “bomba atómica” do Irão,
o decreto religioso emitido em 1988 pelo líder histórico da revolução, o
ayatollah Khomeiny, proclamando a renúncia da República Islâmica à utilização
da energia atómica com fins militares.
O que significa então o acordo a assinar em 30 de Junho,
negociado em segredo nos últimos dois anos entre Washington e Teerão, em
paralelo e muitas vezes à revelia das chamadas conversações 5+1 na Suíça?
Significa que Estados Unidos e Israel, por um lado, e o Irão, pelo outro, vão
partilhar esferas de influência no Médio Oriente estabelecendo, de certa maneira,
um novo mapa da região. Escreveu-se Israel, mas sabe-se que o primeiro-ministro
Netanyahu está contra este arranjo, uma vez que ele traduz, se funcionar, uma
possível rejeição norte-americana do projecto de Grande Israel. Este ponto
levanta uma série de interrogações sobre o futuro do governo de Netanyahu recém-constituído,
ao qual a administração norte-americana não parece agora disposta a facilitar a
vida.
O acordo entre Washington e Teerão formaliza a rejeição,
pelo Irão, do uso da energia atómica para fins militares, a renúncia à “exportação
da revolução islâmica” e, em contrapartida, determina o levantamento das
sanções internacionais contra a República Islâmica. O Irão conservará as suas
esferas de influência na Síria, no Líbano, no Iraque e a questão palestiniana
deverá regressar aos objectivos de Oslo; os Estados Unidos e Israel reinarão
sobre uma grande aliança no Golfo acrescida do Egipto, que assentará num eixo
militar entre Israel e a Arábia Saudita, cuja existência é cada vez mais
nítida. A administração Obama não se compromete, porém, a garantir preto no
branco a sobrevivência das actuais monarquias corruptas, o que se percebeu
através do meio fracasso da recente cimeira das ditaduras realizada em
Washington.
Os Estados Unidos pretendem, através dos arranjos com o Irão,
estabilizar a situação no Médio Oriente de maneira a transferirem para a Ásia
grande parte dos efectivos afectados actualmente à região. A estratégica
asiática, de maneira a fazer frente à China e à Rússia, é agora o principal
objectivo imperial e por isso está a nascer no sultanato do Brunei a maior base
militar norte-americana e mundial.
Na perspectiva do acordo a assinar no dia 30 desenvolvem-se
agora intensas operações militares buscando a conquista de posições que, muito
hipoteticamente, ficariam congeladas nesse dia. Daí o recrudescimento da
ofensiva israelita-americana-europeia em território sírio, de que é exemplo a
conquista em dois dias, pelos terroristas do Estado Islâmico, de duas das
principais cidades da Síria e do Iraque, Palmyra e Ramadi. Salta aos olhos que
o Estado Islâmico faz parte da estratégia norte-americana e israelita para a
fase que se segue à assinatura do acordo. Alguém acredita que um grupo
terrorista alegadamente sujeito, há vários meses, a uma campanha de
bombardeamentos aéreos norte-americanos mantenha vitalidade para lançar uma bem
sucedida ofensiva, e logo em duas frentes? A guerra ocidental contra o Estado
Islâmico é falsa porque este grupo, sustentado logisticamente também por
Israel, faz parte dos arranjos territoriais em curso.
A guerra pela conquista de posições antes de dia 30 vai
marcar todo o mês de Junho. Daí falar-se também, cada vez mais insistentemente,
na possível criação de um Estado Curdo no Curdistão iraquiano patrocinado pelos
Estados Unidos, Israel, e tolerado pelo Irão.
Os arranjos existem no papel, o que não quer dizer que
funcionem. O mais provável é que não funcionem, como demonstra toda a história
do Médio Oriente desde os acordos entre o Reino Unido e a França (Sykes-Picot)
a seguir à Primeira Guerra Mundial. As variáveis são mais que muitas, a começar
pelo facto de a administração Obama estar em fim de carreira e em Israel existir,
embora mais frágil que anteriormente, um governo que fará tudo para minar o
entendimento entre Washington e Terrão. Acresce que a proliferação de grupos
terroristas islâmicos e o estado de degradação a que chegaram as situações na
Síria, no Iraque, no Iémen e a questão palestiniana não se compadecem com
geometrias diplomáticas, mesmo que parecessem realistas e aplicáveis – o que nem
sequer é o caso. Não é certo, sequer, que depois de assinado o acordo a
propaganda global silencie as mentiras sobre a opção nuclear militar iraniana.
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