pub

sábado, 13 de junho de 2015

O ESTADO É ELE


Manuel Valls, primeiro-ministro francês, talvez motivado, quiçá, pelas suas raízes catalãs, decidiu levar a família assistir à final da Liga dos Campeões de futebol, em Berlim.
Berlim é mesmo ali ao lado, muitas décadas antes já Hitler sabia disso em relação a Paris, mas Manuel Valls é homem de muitas ocupações, servir o patronato francês, olhar pela estabilidade do mercado, fiscalizar as boas práticas da austeridade, verificar se a devassa da vida das famílias, dos cidadãos e das empresas é feita com a intensidade devida, enxotar comunidades ciganas a golpes de bastão policial, enfim, coisas próprias de um primeiro-ministro moderno, socialista ou de qualquer outro arquinho do grande arco da governação.
Por isso o primeiro dos ministros ao serviço do presidente Hollande mandou vir o avião do governo, que é propriedade dos contribuintes, não de um qualquer Barraqueiro, nele se instalou com os filhos, e toca para Berlim. Ir e vir, com festa pelo meio, foi uma pressa, tanta foi a pressa que Manuel Valls se esqueceu de pagar – digamos que isto já é uma força de expressão.
Acontece que a oposição, um inconveniente que o primeiro-ministro francês, proclamando-se um valoroso republicano, ainda não conseguiu eliminar, embora vontade não lhe falte, levantou a questão: será que o primeiro de todos os ministros pode assim encomendar o avião do governo para ir dar um passeio com a família e nada acontece?
A interrogação foi mais um rastilho dos muitos que alimentam os escândalos já suscitados pelos comportamentos de Manuel Valls. As oposições querem, pois, que o homem de confiança de Hollande preste contas, não apenas as decorrentes de ter usado e abusado de facilidades que pertencem ao cargo e não à sua pessoa mas também as contas políticas, as que são devidas a um homem em funções públicas.
Manuel Valls acha que não. Que não tem que prestar contas. Mais do que isso, não entende o porquê de tamanho alarido com uma simples viagem de avião que, ida-e-volta, não terá chegado aos 1500 quilómetros em meia dúzia de horas ao todo. Que mal é que tem uma pessoa ter uns momentos de lazer assistindo ao vivo e a cores a um bom espectáculo de futebol nas comodidades de um avião que está mesmo ali à distância de um simples estalar de dedos?
Este é o verdadeiro Manuel Valls. O que já não sabe nem quer distinguir entre o pessoal e o público no exercício dos cargos políticos para os quais é eleito e que ocupa com mandatos dos cidadãos. Como ele há muitos outros; ele não é mais do que um caso típico de uma casta política que, aos níveis europeu e mundial, se aboletou com a democracia, servindo-se dela enquanto serve os interesses financeiros e os pessoais, contra os dos cidadãos. O problema grave não é apenas ter usado o avião do governo para ir com a família à bola. É não perceber, é não admitir a gravidade de tal gesto. O problema é, em suma, o abuso do poder que lhe foi outorgado em nome da comunidade.
E chegados a este ponto a situação remete-nos para outros tempos no mesmo país, quando se estava ainda relativamente longe de ser um orgulho proclamar-se republicano, como faz Manuel Valls contra todas as evidências.
Ele não o diz, mas comporta-se como tal: o Estado é ele. Tal como para estas cliques que nos governam aqui, ali, do lado de cá e de lá do Atlântico: elas são o Estado.



Sem comentários:

Enviar um comentário