Manuel Valls, primeiro-ministro francês, talvez motivado,
quiçá, pelas suas raízes catalãs, decidiu levar a família assistir à final da
Liga dos Campeões de futebol, em Berlim.
Berlim é mesmo ali ao lado, muitas décadas antes já Hitler sabia
disso em relação a Paris, mas Manuel Valls é homem de muitas ocupações, servir
o patronato francês, olhar pela estabilidade do mercado, fiscalizar as boas
práticas da austeridade, verificar se a devassa da vida das famílias, dos
cidadãos e das empresas é feita com a intensidade devida, enxotar comunidades
ciganas a golpes de bastão policial, enfim, coisas próprias de um primeiro-ministro
moderno, socialista ou de qualquer outro arquinho do grande arco da governação.
Por isso o primeiro dos ministros ao serviço do presidente
Hollande mandou vir o avião do governo, que é propriedade dos contribuintes,
não de um qualquer Barraqueiro, nele se instalou com os filhos, e toca para
Berlim. Ir e vir, com festa pelo meio, foi uma pressa, tanta foi a pressa que
Manuel Valls se esqueceu de pagar – digamos que isto já é uma força de expressão.
Acontece que a oposição, um inconveniente que o
primeiro-ministro francês, proclamando-se um valoroso republicano, ainda não
conseguiu eliminar, embora vontade não lhe falte, levantou a questão: será que
o primeiro de todos os ministros pode assim encomendar o avião do governo para
ir dar um passeio com a família e nada acontece?
A interrogação foi mais um rastilho dos muitos que alimentam
os escândalos já suscitados pelos comportamentos de Manuel Valls. As oposições
querem, pois, que o homem de confiança de Hollande preste contas, não apenas as
decorrentes de ter usado e abusado de facilidades que pertencem ao cargo e não
à sua pessoa mas também as contas políticas, as que são devidas a um homem em
funções públicas.
Manuel Valls acha que não. Que não tem que prestar contas.
Mais do que isso, não entende o porquê de tamanho alarido com uma simples
viagem de avião que, ida-e-volta, não terá chegado aos 1500 quilómetros em meia
dúzia de horas ao todo. Que mal é que tem uma pessoa ter uns momentos de lazer
assistindo ao vivo e a cores a um bom espectáculo de futebol nas comodidades de
um avião que está mesmo ali à distância de um simples estalar de dedos?
Este é o verdadeiro Manuel Valls. O que já não sabe nem quer
distinguir entre o pessoal e o público no exercício dos cargos políticos para
os quais é eleito e que ocupa com mandatos dos cidadãos. Como ele há muitos
outros; ele não é mais do que um caso típico de uma casta política que, aos
níveis europeu e mundial, se aboletou com a democracia, servindo-se dela
enquanto serve os interesses financeiros e os pessoais, contra os dos cidadãos.
O problema grave não é apenas ter usado o avião do governo para ir com a
família à bola. É não perceber, é não admitir a gravidade de tal gesto. O
problema é, em suma, o abuso do poder que lhe foi outorgado em nome da
comunidade.
E chegados a este ponto a situação remete-nos para outros
tempos no mesmo país, quando se estava ainda relativamente longe de ser um
orgulho proclamar-se republicano, como faz Manuel Valls contra todas as
evidências.
Ele não o diz, mas comporta-se como tal: o Estado é ele. Tal
como para estas cliques que nos governam aqui, ali, do lado de cá e de lá do
Atlântico: elas são o Estado.
Sem comentários:
Enviar um comentário