A chamada independência do Kosovo, isto é, a transformação
de parte do território histórico da Sérvia num protectorado da NATO com
múltiplas utilidades, é um exemplo da “nova ordem” instaurada no mundo, guerra
após guerra, no pós-guerra fria e na sequência da tão festejada queda do muro
de Berlim.
Do Kosovo actual fala-se pouco, e com muito cuidado, porque situações
como a existente neste território impõem uma censura cuidadosa, sistemática,
metódica para que o mundo não se aperceba dos objectivos e dos resultados já
apurados em consequência de tão vergonhosa operação, a propósito da qual não
basta recordar os criminosos bombardeamentos da NATO sobre Belgrado em 1999.
Crimes contra a humanidade que a lei to mais forte manterá impunes, pelo menos
por enquanto.
Através de canais que conseguem ir sobrevivendo à sanha
censória é possível ter conhecimento dos êxitos somados pelo governo do Kosovo,
“provisório” desde 2008 e sob protecção da NATO – escrever tutela era pouco –
em domínios como o tráfico de estupefacientes, o contrabando de órgãos humanos
arrancados a prisioneiros sérvios (relatado num relatório do Conselho da Europa
e que o Conselho da Europa continua a enjeitar), a transformação do território
numa imensa base militar ao serviço das agressões internacionais da NATO.
Para todos os efeitos, de acordo com a prodigiosa
comunicação social global que mistura a informação com a ficção de modo a que
os cidadãos de todo o mundo ignorem a realidade que os cerca, o Kosovo está
agora na sua fase de “desenvolvimento” que se segue à guerra.
Desse “desenvolvimento” são testemunhas, entre milhares de
outros, os cidadãos de Hade, uma aldeia a uma dúzia de quilómetros da estátua
de Bill Clinton, o “libertador”, erguida na capital do protectorado, Pristina.
Os habitantes de Hade acabaram há pouco de reconstruir a sua
aldeia a duras penas, depois do exílio a que foram sujeitos durante a guerra
que fez deles refugiados e arrasou os seus lares, os seus bens. Agora que
voltaram a dedicar-se a apascentar as suas vacas, a cuidar das suas hortas, o governo
do Kosovo “livre”, de mãos dadas com o Banco Mundial, está a expulsá-los para
onde calha porque exactamente ali em Hade, com repercussões em aldeias
vizinhas, se constrói uma central eléctrica que usa os recursos de carvão da
região, cuja exploração já está em curso. Por causa das minas e da central
eléctrica cerca de mil aldeões de Hade já foram expulsos das suas renovadas habitações.
Outros milhares, da mesma aldeia e outras vizinhas, aguardam sorte idêntica. O
Banco Mundial, cujos estatutos escritos em letra morta exigem que cuide das
populações afectadas pelos projectos que “apoia”, diz que os seus investimentos
ainda estão em curso, que não tem nada com o assunto e que até já pediu ao
governo de Pristina a adopção de “boas práticas”. O governo da NATO que chefia
o Kosovo assegura que os cidadãos expulsos das suas casas “foram compensados de
maneira muito favorável”.
“Isto é pior que a guerra”, lamenta um habitante de Hade
citado numa reportagem publicada pelo jornal norte-americano Huffington Post. “Na
guerra”, acrescenta, “sabíamos de que lado estávamos; agora, onde quer que nos
dirijamos ninguém quer saber de nós”.
Chegou a hora de os habitantes do Kosovo, sérvios ou
albaneses, começarem a conhecer o conteúdo dos “direitos humanos” que lhes
prometeram aquando da libertadora cruzada atlantista.
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