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segunda-feira, 29 de junho de 2015

ESTRATÉGIA GOLPISTA DE MEDO E TERROR


Uma primeira informação: o governo grego não decidiu encerrar os bancos durante uma semana porque lhe apeteceu e no âmbito de uma qualquer jogada maquiavélica: foi obrigado a isso devido ao facto de o Banco Central Europeu (BCE), entidade chave de um processo ditatorial instaurado pelos mercados financeiros, ter mantido o programa da troika mas secando a liquidez dos bancos gregos.
O que o BCE fez, como grupo de assalto ao serviço das várias instituições europeias que mais não são do que paus-mandados dos credores extorsionistas, faz parte de um processo de sabotagem económica para aterrorizar o povo grego de modo a que vote “sim” à continuação da austeridade no referendo do próximo domingo. O que o BCE está a fazer, em nome da União Europeia, é terrorismo, bandidismo puro.
O que o governo grego fez, em resposta, foi tentar salvaguardar os salários e poupanças dos cidadãos.
Os portugueses que já têm mais anos e tiveram a sorte de viver o 25 de Abril recordam-se que a sabotagem económica foi um dos processos imediatos de resposta do fascismo para travar a revolução. Da sabotagem económica nasceu, por exemplo, a tentativa de golpe fascista da “maioria silenciosa”, uma maioria que os promotores julgavam aterrorizada, em 28 de Setembro de 1974.
O BCE/UE/agiotas faz agora exactamente a mesma coisa: aplica uma estratégia fascista e terrorista – sem dúvida em clima de golpe de Estado -  para procurar alcançar os objectivos de minorias à custa da miséria, da fome, do descalabro da vida do povo grego. Para os próceres com mentes fascistas que agem em nome da chamada “democracia europeia”, 27 por cento de quebra continuada do PIB grego, uma dívida que não para de crescer devido aos mecanismos impostos para a pagar, um desemprego que atinge mais de um terço da população activa e mais de 55% dos jovens, a razia absoluta nas pensões, nos salários, nos serviços públicos, nos acessos a bens essenciais como água e electricidade ainda não chegam. É preciso vergar mais e mais o povo grego, recorrendo para isso à manobra humilhante de tentar obrigá-lo a pedir de joelhos por favor continuem com a troika, queremos mais austeridade e obrigado por isso.
É nesta Europa que vivemos hoje. Uma Europa onde as instituições que se proclamam “democráticas” atiçam um bando de tecnocratas não eleitos, o BCE, contra um povo indefeso encafuado num beco em que é obrigado a decidir por um problema entre dois: sair do euro ou pedir por amor de deus a continuação da austeridade.
Em minha opinião, mas é a minha e não sou grego embora hoje me sinta como tal, a saída do euro seria a resposta digna, porque a Grécia retomaria instrumentos de decisão que agora não lhe pertencem. Mas é apenas uma opinião, cabe aos gregos decidir num contexto de medo e terror que lhes foi imposto em nome daquilo a que, com a cumplicidade de uma comunicação social que não pensa, apenas papagueia, chamam “ajuda”.
O governo grego fez bem em convocar o referendo. É o recurso à democracia contra mentalidades fascistas. Num duelo desigual de David contra Golias, o mais fraco procura na força da união as energias indispensáveis para enfrentar as armas de terror e liquidação contra as quais é obrigado a combater.
Aconteça o que acontecer, percebamos uma coisa: o que está a acontecer na Grécia tem tudo a ver connosco. Não tenhamos ilusões, a mafia terrorista que montou esta estratégia contra a Grécia aplicá-la-á contra Portugal, contra qualquer outro país que desafie as suas vontades absolutas. Ao tentarem trucidar a dignidade do povo grego, as instituições europeias, minadas por mentalidades fascistas, estão a enviar um recado sangrento em todas as direcções: se não querem que o mesmo vos aconteça portem-se bem, não deixem nunca de escolher o arco da governação e a troika, não pode haver outro caminho. Pelo que a estratégia de terror imposta aos gregos também nos atinge, e não é de raspão. A escolha não é fácil, mas existe: tempos difíceis e sem dignidade dentro do euro; tempos difíceis, mas com dignidade e capacidade de decisão (o mundo não se esgota, felizmente, na União Europeia) fora do euro.


sábado, 27 de junho de 2015

O CAPATAZ


O primeiro ministro de Portugal em exercício é um indivíduo que tem da função a ideia de capataz inspirada em malfadados costumes cujas origens remontam à Idade Média: servil, subserviente, curvado, lambe-botas, delactor, graxista, enfim rastejante perante os senhores e as senhoras do feudo; severo, punitivo, arrogante, arbitrário, violento e cleptocrata face aos servos da gleba, neste caso todos nós, trabalhadores, povo – palavras de que ele não toma conhecimento porque inquinadas por vícios quiçá marxistas, preferindo colaboradores, público, substantivos bem apessoadas no léxico mercantilista.
Entre as recentes declarações do primeiro ministro de Portugal em exercício avulta uma que lhe tira o retrato na perfeição, como se fora obtido com objectiva competente, velocidade e abertura certeiras. Disse ele, durante estes cortejos de autos-de-fé organizados pelos senhores e senhoras do euro e da União Europeia para lançarem fogo à pira onde amarraram a Grécia – e outros - que Portugal não beneficia da flexibilidade dos credores da qual supostamente usufruem os gregos.
Filtremos o absurdo de tal queixosa sentença, supondo que tem alguma ponta de genuinidade.
E porque será que a Grécia beneficiará de tal condescendência senhorial? Por lamber o caminho pisado pela senhora Merkel e o senhor Hollande, pelo senhor Juncker e pelo senhor Djesselbloem, percurso esse traçado pelos tais credores mais invisíveis que visíveis mas omnipresentes, como qualquer deus que se preze?
Ou porque o governo grego, com todas as suas limitações e hesitações, sabe dizer que não aos senhores e senhoras quando entende que deve fazê-lo e não parece disposto a beijar as mãos que a seguir o vão açoitar com as vergastas da austeridade, da dívida e outras malfeitorias?
O que o primeiro ministro de Portugal em exercício fez com esta declaração foi uma admissão de sabujice, uma confissão de servilismo, um reconhecimento de que em vez de “acima de tudo Portugal”, como rezam as suas mentiras eleitorais, é abaixo de tudo os portugueses, se for abaixo de cão tanto melhor.
Sabemos que a intimidade do primeiro ministro de Portugal em exercício com a língua de Camões é nula e de pouco efeito. Neste caso, se efeito teve foi o de o primeiro ministro de Portugal em exercício ter falado contra si mesmo, o que aliás acontece a qualquer vulgar capataz, capturado nos entranhados enredos da mentira, nas contradições inevitáveis entre o que diz e o que faz, porque os seus feitos são de encher qualquer um de vergonha, mesmo que esta lhe falte, e ele sabe-o.
Pois o primeiro ministro da Grécia em exercício e os seus companheiros de governo conseguem dizer não aos senhores e senhoras e, para se sentirem mais fortes na decisão, atrevem-se a consultar os servos da gleba em referendo, de modo a que o confronto seja como deve ser: o do povo esbulhado contra as senhoras e os senhores cleptocratas.
Enquanto isso, o primeiro ministro de Portugal em exercício, em conjunto com o governo, não apenas se arroja perante os carrascos do seu povo, para mostrar que é o capataz ideal, como ousa ir além das suas ordens, cuidando assim habilitar-se a mais e melhores prebendas, novas e repetidas festinhas no pelo. A seguir, sorrateiro e irresponsável, tem o desplante de vir queixar-se ao povo sobre a inflexibilidade dos donos, que supostamente não é exercida contra outros. Povo esse submetido à canga, porque jamais foi ouvido pelo primeiro ministro de Portugal em exercício, e os outros que o antecederam, sobre estar ou não na União Europeia, estar ou não no euro, ser ou não carne para canhão dos credores. Faltando, por isso, as condições indispensáveis para que se trave o necessário combate entre o povo esbulhado e os senhores e senhoras cleptocratas.

Em Portugal, o povo – esse ente que o primeiro ministro em exercício não conhece – costuma dizer que quanto mais alguém se abaixa mais … o resto todos sabemos. Na Grécia, mesmo que o dito tenha a sua versão, o governo em funções não o pratica. Eis a diferença. Uma diferença que até qualquer iletrado capataz deveria ser capaz de entender.

quinta-feira, 25 de junho de 2015

TSUNAMI SILENCIOSO NO MÉDIO ORIENTE



A notícia passou quase despercebida, mas ainda assim causou algumas dúvidas e perplexidades: a Arábia Saudita e a Rússia, arqui-inimigos de longa data, assinaram um acordo de cooperação nuclear para fins pacíficos. Em termos mais prosaicos: a petromonarquia comprou 16 centrais nucleares a Moscovo para entrarem em funcionamento dentro de meia dúzia de anos.
Isto é, o maior exportador mundial de petróleo decidiu poupar nos combustíveis fósseis, aproveita a tecnologia associada para desenvolver projectos de dessalinização de águas e elegeu como parceira uma empresa tutelada pelo governo do infiel Vladimir Putin.
É assim, tal e qual. Mas a notícia não passa de um pequeno abalo, uma simples réplica do enorme e silencioso tsunami que por estes dias atinge o Médio Oriente.
O epicentro do magno sismo, como já se focou nestas linhas, é a próxima assinatura de um acordo (que são pelo menos dois) entre outros arqui-inimigos, os Estados Unidos da América e a República Islâmica do Irão. Para consumo geral, um dos acordos é o chamado 5+1, que teoricamente acaba de vez com o mito das nunca existentes ambições iranianas ao nuclear militar; outro é bilateral e traduz uma espécie de partilha de zonas de influência norte-americanas e iranianas em amplos espaços do Médio Oriente, com repercussões colaterais, que podem ou não ser danosas, consoante a perspectiva.
Rezam as fugas de bastidores que os Estados Unidos reconhecerão tacitamente as zonas de influência do Irão em dois terços do Iraque, na Síria, em grande parte do Líbano; em contrapartida, Teerão conforma-se em não “exportar” a revolução islâmica.
Os Estados Unidos e o Irão vêm negociando secretamente este acordo em paralelo com as conversações internacionais realizadas na Suíça. O que praticamente não se sabia até aqui é que, também em paralelo, Israel e a Arábia Saudita já realizaram pelo menos cinco sessões de negociações secretas, a primeira das quais na Índia. Pode dizer-se até, sempre segundo as fugas de bastidores, que as negociações já deram frutos, uma vez que pilotos israelitas comandam bombardeiros sauditas nos massacres cometidos no Iémen, prenúncio de uma cooperação muito mais profunda em perspectiva entre o Estado fundamentalista hebraico e o Estado fundamentalista islâmico. Ao que se sabe, o quartel-general israelita para esta operação foi instalado na Somalilândia, um Estado fantasma.
Todos estes abalos são frutos do entendimento-base entre os Estados Unidos e o Irão, a assinar muito em breve. O acordo prevê que a chamada “força árabe comum”, sob a bandeira da Liga Árabe, tecnicamente encabeçada pela Arábia Saudita, tenha comando operacional israelita. A cooperação israelo-saudita não ficará por aqui: os dois países irão explorar em comum o petróleo do terrível deserto de Rub Al Khali e também as reservas do Ogaden, estas sob controlo etíope, outro satélite norte-americano. Israel será responsável por garantir a “estabilidade” no porto sul-iemenita de Aden, um dos terminais de uma projectada ponte que ligará o Iémen ao Djibuti. Iémen este que fará parte de uma “federação” formada em torno da Arábia Saudita e que incluirá provavelmente Omã e os Emirados Árabes Unidos.
A Arábia Saudita dará o seu aval à criação do Estado do Curdistão sob controlo israelita, tal como vem sendo planeado, sendo que os patronos da estratégia tentarão estendê-lo do Iraque aos “Curdistões” turco e iraniano. A ser assim, confirma-se que a Turquia de Erdogan está mesmo a cair em desgraça, a braços com as teias terroristas, principalmente as que actuam na Síria, que Riade lhe foi passando aos poucos. Israel aceitará a aplicação dos acordos de Oslo sobre o estatuto final dos territórios palestinianos, que ganharão a independência mas perderão o direito ao retorno dos refugiados pelo qual gerações se sacrificaram.

É assim o tsunami que abala os bastidores diplomáticos do Médio Oriente, sabendo-se que tsunami algum pode ser planeado, muito menos desenhando e redesenhando fronteiras. Dois enormes pontos de interrogação emergem só para se terem em conta situações que não podem apagar-se com uma borracha ou carregando na tecla “delete”: Netanyahu, o novo profeta do Grande Israel, é um feroz inimigo destes arranjos tutelados por prestigiados militares sionistas, pelo que ou se adapta, ou reage, ou se demite levando atrás de si a irada horda de colonos que já foi capaz de liquidar um primeiro-ministro. E o Estado Islâmico? Que fazer com o monstro sustentado por Israel, tolerado por Washington? A Síria, país que teoricamente será um dos beneficiados por este tsunami, vai tratando do assunto; os padrinhos poderão deixá-lo cair, mas tendo em conta o histórico de relações entre criadores e criaturas as perspectivas não são animadoras. A não ser que os sanguinários mercenários se contentem episodicamente com a Líbia, cujas receitas do tráfico clandestino (mas pouco) de petróleo não são de deitar fora. Será?

terça-feira, 23 de junho de 2015

AGORA ESCOLHA: AUSTERIDADE OU AUSTERIDADE?


A estação de TV gerida por um misto de executivo de Bilderberg e lobby Marinho saudoso de um Brasil governado a partir de Washington começou a apregoar o seu próximo atentado ao direito dos portugueses à informação, recorrendo ao inconfundível paleio de banha de cobra do nacional-bacoquismo lusitano que se acha iluminado.
Podia ser qualquer das outras TV’s existentes no menu disponível, porque não há quem as diferencie em vocação, conteúdos e espírito censório já que devem todas elas obediência ao arco da governação e, como muito bem sabemos, nem a censura escapou à fúria privatizadora dos governos das últimas décadas, mesmo quando exercida por entidades nominalmente públicas.
É verdade que as leis eleitorais estabelecem um tratamento igual para todas as forças políticas que se apresentam a eleições. Porém, como também sabemos, as leis fizeram-se para ser violadas, e quando não existem alçapões para tal inventam-se. O Estado, é certo, deveria travar estas manobras para que, pelo menos, o espírito da lei que rege as escolhas dos cidadãos, a lei eleitoral, prevalecesse perante o desrespeito ostensivo praticado pelos órgãos de propaganda. Mas o Estado, helas!... O Estado são eles mesmos.
Pois a dita estação apregoa importantes e sem dúvida muito esclarecedoras entrevistas a dois cabeças de lista às próximas eleições gerais. Não sabemos ainda quantos se apresentarão às urnas, mas a TV em causa já decidiu: um destes dois vai ganhar, aos portugueses cabe escolher ou um ou outro, o resto é paisagem para fazer de conta que os votos contam para alguma coisa ou, como se diz no jargão futebolístico, joga-se para cumprir o calendário.
Assim sendo, num canto do ringue teremos o campeão em título, um dos caniches favoritos com que a senhora Merkel se passeia nas cimeiras europeias e que se alguma vez consegue arreganhar a taxa é contra o malfadado homólogo grego; no outro canto o candidato ao título, um retrato robot desenhado com inspiração nas caricaturas do senhor Hollande, do senhor Blair e do senhor Soares, de preferência ainda com os contornos que usou para nos encafuar à viva força no monte de trabalhos com que nos debatemos. Existe um pequeno challenger, que em última análise será o emplastro sempre ao lado do vencedor, esse resultante de uma manipulação genética aleatória conseguida metendo numa moulinex os genes de figuras como as senhoras Le Pen e Lagarde e de outros valerosos democratas nacionalistas e/ou neofascistas entre os quais se citam apenas, para não enfastiar, nomes como os de Farage, Viktor Orban e Poroshenko. Este pequeno challanger não será entrevistado, mas conhecendo nós o que a casa gasta, é como se fosse.
Vale este critério por dizer que, para felicidade dos portugueses garantida pela prestimosa estação, não precisam de matar a cabeça a escolher o seu futuro no próximo quinquénio. Podem decidir se querem mais austeridade ou mais austeridade, mais dívida ou mais dívida, mais despedimentos ou mais despedimentos, ainda mais miséria ou ainda mais miséria, mais troika ou mais troika, menos salários ou menos salários, mais impostos ou mais impostos, arco da governação ou arco da governação. Entre Coelho ou Costa, tal como quer a TV de Bilderberg, e as outras quererão também, os portugueses poderão escolher o neoliberalismo à moda de Centeno ou de Loureiro/Cavaco/Nogueira. É assim como escolher entre decapitação ou fuzilamento, forca ou injecção letal.
Pode dize-ser: as televisões apenas se limitam a seguir o que é dado como certo. Tal como o que é dado como certo foi ajudado a fabricar pelas práticas censórias das televisões e afins. No fundo um ciclo tão vicioso como o próprio arco da governação, não funcionassem eles em harmonia perfeita.
Seja como for, mesmo envolvidos por tais manobras – sem contar as que a NATO virá para cá fazer nesses dias - os portugueses terão no segredo do voto uma oportunidade única de, em liberdade e sem medos, pregarem uma enorme partida a esta clique corrupta que nos governa através de todos os mecanismos podres do arco da governação, incluindo os principais meios de comunicação social.

Se cada um pensar pela sua cabeça, se fizer cego e surdo perante a censura e não aceitar a canga que insistem em por-lhe, Portugal ganhará um novo alento. O único voto útil é o que nos pode livrar do arco da governação. E assim poderá chegar, mais uma vez, o dia das surpresas.

domingo, 21 de junho de 2015

EUROPA À DERIVA


Ao contrário das aleivosias debitadas pelos escribas de serviço aquém e além-fronteiras, o que se passa com a Grécia não é uma “tragédia grega”, é um processo de deriva da União Europeia que envolve todo o continente, porque um abalo como este não reconhece fronteiras.
E por muito que se busquem bodes expiatórios, habilidade que serve recorrentemente para fugir à essência dos problemas, a culpa não é inteirinha do senhor Schauble, ou da senhora Merkel, ou da senhora Lagarde, ou do senhor Juncker, de todos juntos ou das supostas intransigências dos senhores Tsipras ou Varoufakis.
O que se passa com a Grécia é o fracasso rotundo do chamado “projecto europeu”, da moeda única, da estafada lenga-lenga do espaço comunitário “democrático e solidário”. Não se venha igualmente com o argumento de que estes políticos não prestam, bons sim eram os “pais fundadores”, todos eles homens de Estado cheios de boas e nobres intenções, muito amigos dos pobres e desvalidos. Tretas.
A União Europeia, se é ou foi um “projecto”, nasceu inquinado, proclamou como objectivos mirabolantes aquilo que nunca passou de propaganda, enquanto a realidade era outra. A Comunidade Económica Europeia - e os seus sucessivos arranjos - nasceu e desenvolveu-se como uma forma de reorganização do capitalismo e da exploração do trabalho na Europa, como instrumento da guerra fria, a par da NATO. E foi em paralelo com este braço armado que enveredou pela lógica sociopata do neoliberalismo quando teve condições para isso, a seguir ao descalabro soviético. Ao ritmo frenético, eufórico, sem freios imposto pela anarquia própria do casino financeiro, a Comunidade foi queimando etapas, cresceu como um monstro sem consolidar esses supostos avanços, convenceu-se da impunidade absoluta e chegou aonde não contava chegar, fiada na eficácia do rolo compressor: ao momento em que o rei vai nu. Se ele tem a cara de Scheuble, ou Merkel, ou Lagarde são pormenores. Não são seres isolados, como Hitler não era um lunático sozinho. Por detrás deles espreitam os de sempre, neste momento muito, mas mesmo muito mais fortes que há sete décadas, assentes em suportes tecnológicos de capacidades incalculáveis, na concentração monopolista e monstruosa de marcas e empresas, na universalização ditatorial do mercado, na dimensão global do casino financeiro, que especula ao segundo com muito mais riqueza virtual do que a real, a que resulta de actividades produtivas.
A Grécia é o grãozinho na engrenagem que chegou contra a corrente e se transformou num enorme pedregulho. Afogada por uma crise que se arrasta, a União Europeia vê-se perante um inesperado frente-a-frente, um risco que julgava ter banido durante a triunfal cavalgada: o ajuste de contas entre a democracia e a gula sem limites do império económico-financeiro, representada pela tropa de choque dos seus agiotas.
Tratados como escravos, verbos de encher, peões descartáveis da estratégia da especulação que tem na União Europeia germanizada o seu braço político operacional no continente, os gregos mostraram, quando não se esperava e para surpresa dos carrascos financeiros, que o que ainda resta da democracia pode servir para furar o cerco do arco da governação.
Este frente-a-frente, uma espécie de duelo de David contra Golias, pode ter até o resultado que ficou inscrito na lenda. Basta que a Grécia não ceda e poderá chegar o dia das surpresas. Sair do euro não é, para os gregos – e assim seja igualmente para o seu governo –, uma mera questão de dignidade. Apesar das dúvidas que existem quanto às consequências, será um mal menor em que terão de contar – isso diz-nos respeito a todos – com a solidariedade activa dos povos do mundo e dos governos não sintonizados com o poder imperial. A cedência, pelo contrário, seria um revés para a resistência democrática que sobra, o triunfo exemplar à escala europeia da ditadura do arco da governação e dos agiotas que a teleguiam.
A saída da Grécia do euro será como tirar uma pedra da base de um castelo que parece imponente, assustador, soberbo, inexpugnável e que a partir daí se desmoronará sem apelo, apurando-se que fora construído sem alicerces nem argamassa. Não bastará dizer que a União Europeia nunca mais será a mesma. O mais certo é, mais-dia-menos-dia, é a União Europeia deixar de o ser. O que para os povos, verdade seja dita, não será nenhuma tragédia.



sábado, 20 de junho de 2015

KOSOVO, ESPELHO DA “NOVA ORDEM”


A chamada independência do Kosovo, isto é, a transformação de parte do território histórico da Sérvia num protectorado da NATO com múltiplas utilidades, é um exemplo da “nova ordem” instaurada no mundo, guerra após guerra, no pós-guerra fria e na sequência da tão festejada queda do muro de Berlim.
Do Kosovo actual fala-se pouco, e com muito cuidado, porque situações como a existente neste território impõem uma censura cuidadosa, sistemática, metódica para que o mundo não se aperceba dos objectivos e dos resultados já apurados em consequência de tão vergonhosa operação, a propósito da qual não basta recordar os criminosos bombardeamentos da NATO sobre Belgrado em 1999. Crimes contra a humanidade que a lei to mais forte manterá impunes, pelo menos por enquanto.
Através de canais que conseguem ir sobrevivendo à sanha censória é possível ter conhecimento dos êxitos somados pelo governo do Kosovo, “provisório” desde 2008 e sob protecção da NATO – escrever tutela era pouco – em domínios como o tráfico de estupefacientes, o contrabando de órgãos humanos arrancados a prisioneiros sérvios (relatado num relatório do Conselho da Europa e que o Conselho da Europa continua a enjeitar), a transformação do território numa imensa base militar ao serviço das agressões internacionais da NATO.
Para todos os efeitos, de acordo com a prodigiosa comunicação social global que mistura a informação com a ficção de modo a que os cidadãos de todo o mundo ignorem a realidade que os cerca, o Kosovo está agora na sua fase de “desenvolvimento” que se segue à guerra.
Desse “desenvolvimento” são testemunhas, entre milhares de outros, os cidadãos de Hade, uma aldeia a uma dúzia de quilómetros da estátua de Bill Clinton, o “libertador”, erguida na capital do protectorado, Pristina.
Os habitantes de Hade acabaram há pouco de reconstruir a sua aldeia a duras penas, depois do exílio a que foram sujeitos durante a guerra que fez deles refugiados e arrasou os seus lares, os seus bens. Agora que voltaram a dedicar-se a apascentar as suas vacas, a cuidar das suas hortas, o governo do Kosovo “livre”, de mãos dadas com o Banco Mundial, está a expulsá-los para onde calha porque exactamente ali em Hade, com repercussões em aldeias vizinhas, se constrói uma central eléctrica que usa os recursos de carvão da região, cuja exploração já está em curso. Por causa das minas e da central eléctrica cerca de mil aldeões de Hade já foram expulsos das suas renovadas habitações. Outros milhares, da mesma aldeia e outras vizinhas, aguardam sorte idêntica. O Banco Mundial, cujos estatutos escritos em letra morta exigem que cuide das populações afectadas pelos projectos que “apoia”, diz que os seus investimentos ainda estão em curso, que não tem nada com o assunto e que até já pediu ao governo de Pristina a adopção de “boas práticas”. O governo da NATO que chefia o Kosovo assegura que os cidadãos expulsos das suas casas “foram compensados de maneira muito favorável”.
“Isto é pior que a guerra”, lamenta um habitante de Hade citado numa reportagem publicada pelo jornal norte-americano Huffington Post. “Na guerra”, acrescenta, “sabíamos de que lado estávamos; agora, onde quer que nos dirijamos ninguém quer saber de nós”.


Chegou a hora de os habitantes do Kosovo, sérvios ou albaneses, começarem a conhecer o conteúdo dos “direitos humanos” que lhes prometeram aquando da libertadora cruzada atlantista. 

quinta-feira, 18 de junho de 2015

AS ESCOLHAS FASCISTAS DE FRANÇOIS HOLLANDE


 
Falemos de François Hollande, o presidente da República Francesa eleito depois de escolhido pelo Partido Socialista através desse suprassumo da modernidade democrática chamado “eleições primárias”, o qual, da primeira à última análise, serve para baralhar processos e distorcer escolhas.
Bastaria o percurso realizado até agora por Hollande no Eliseu para torcer o nariz às supostas virtudes das “primárias” porque, sem correr o risco de exagerar, o chefe de Estado francês nada tem de socialista e quanto a ser ou não um democrata, a ver vamos.
Seguidor rastejante de Angela Merkel e Barack Obama, a pontos de tentar superá-los nos dislates para revelar o quanto lhes é fiel; adulador do primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, logo cúmplice das suas malfeitorias e violações de direitos humanos; ambíguo (o adjectivo é suave) em tudo quanto diz respeito ao terrorismo, François Hollande é um desastre internacional. Somem-se a sua vocação para servir o grande patronato francês, para legislar contra os trabalhadores, para semear a austeridade e teremos um exemplo perfeito do que não deve ser um chefe de Estado num regime presidencialista, e logo de uma grande potência como a França.
Para conhecer melhor Hollande é importante identificar os seus principais mentores na tarefa, isto é, conhecer quem um presidente socialista escolheu como principais conselheiros.
O chefe da sua Casa Militar, o homem que superintende sobre as decisões de Hollande relacionadas com a guerra e a paz, alianças e inimigos, é o general Benoît Puga. Pois o general Puga é um militar colonialista e fascista, membro da seita fundamentalista católica criada por monsenhor Lefèvre e que passou pelas chefias dos departamentos de operações especiais e de espionagem militar. O general Puga entrou em funções no Eliseu pela mão do presidente Sarkozy e depois o socialista Hollande adoptou-o como um dos seus. Não pode dizer-se, portanto, que François Hollande se tenha enganado na escolha: ao reconduzir quem reconduziu sabia perfeitamente que iria trabalhar com um militar saudoso das guerras coloniais e um neocolonialista que, além disso, se revê nas práticas israelitas.
O chefe da Casa Diplomática do presidente socialista é Jacques Audibert, que além de se identificar igualmente com a extrema-direita é conhecido por ser “um americano com passaporte francês”. Ficaria quase tudo dito, embora haja mais no currículo: Audibert é um agente do governo israelita no Eliseu, unha e carne com o ministro dos Negócios Estrangeiros, Laurent Fabius, que foi aliás quem negociou o apoio financeiro à campanha de Hollande – ilegal à luz das leis francesas – pelo Qatar e a família Rockfeller através da Exxon-Mobil. Audibert reúne na sua figura o culto pela extrema-direita e os interesses dos lobbies israelitas.
Antes de chegar ao Eliseu pela mão de Hollande, Jacques Audibert tinha, aliás, passado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, onde saneou todos os diplomatas de reconhecida competência nas relações com os países árabes, remetendo-os de preferência para a América Latina, e abrindo as portas aos que dançam a música tocada por Netanyahu e companhia.
Talvez por tudo isto uma das primeiras atitudes de Hollande, depois de eleito, tenha sido a de declarar a França, no seu todo, como responsável pelas atrocidades contra os judeus cometidas pelo regime de Vichy, sob a tutela de Pétain. Isto é, Hollande confundiu uma situação de excepção no Estado francês, a vigência de um regime ilegítimo, não assente em eleições e subordinado à Alemanha Nazi, com o Estado de direito de uma França democrática e republicana. Uma atitude grave, abusiva, um insulto à Resistência e aos democratas franceses cometida pelo socialista Hollande e que não é certamente uma gaffe, é uma escolha.
Quando chegou ao Eliseu, Hollande já deixara há muito o socialismo numa qualquer gaveta perdida na sua meninice, se a teve; pelo caminho deixou também algures a democracia, substituída por uma “lepenização” que representa uma enorme burla contra os milhões de cidadão que, saturados de Sarkozy, nele um dia confiaram.

terça-feira, 16 de junho de 2015

ILARIA ALPI E A SUÁSTICA NO RELVADO


Passam 21 anos e alguns meses entre o assassínio da jornalista italiana Ilaria Alpi e do seu câmera Milan Hrovatin na Somália e o aparecimento de uma cruz suástica desenhada no relvado de um estádio croata para um jogo à porta fechada, punição devida à singela explicação de que “os adeptos croatas entoam cânticos racistas”.
O que tem uma coisa a ver com a outra? Nada, pensarão os consumidores militantes de telejornais; que ideia absurda, exclamarão alguns grandes editores, que provavelmente não sabem quem foi a sua corajosa colega Ilaria Alpi.
Ora uma coisa tem a ver com a outra, e muito, porque faz parte da ordem natural das coisas no mundo que nos governa.
O nazismo na sua versão croata, agora o “neo-ustachismo”, está vivo e recomenda-se. É a ideologia do “pai fundador” da “Croácia moderna” - garboso membro União Europeia, pois claro - Franjo Tudjman, que tem na actual presidenta, Kalinda Grabar Kitarovic, uma digna sucessora. Outrora com a Alemanha de Hitler, hoje com a Alemanha de Merkel, a Croácia, ora uma província económica alemã, sofre de uma vocação supremacista dentro dos Balcãs. Os neo-ustachis estão para a Croácia como os banderistas para a Ucrânia, são os herdeiros dos colaboradores de Hitler chegados ao poder. A senhora Kalinda Grabar Kitarovic saltou para a presidência croata a partir do cargo de secretária geral adjunta da NATO e pode dizer-se que é unha e carne com a senhora Victoria Nuland, a subsecretária de Estado norte-americana que foi a operacional golpista na Ucrânia. Por isso, quando a presidente croata, numa indignação ridícula, diz que manda investigar o aparecimento de uma suástica num relvado croata para um jogo com a Itália a notícia seria para rir se tal desplante não tivesse a gravidade que tem.
Nada é mais simbólico que a exibição do nazismo croata num jogo logo com a Itália.
Ilaria Alpi, jornalista italiana, foi assassinada na Somália com o seu câmera Milan Hrovatin (por sinal de origem croata) em 20 de Março de 1994. Um corajoso documentário de Luigi Grimaldi visível na Rai 3, demonstra que os jornalistas foram assassinados pela CIA, em colaboração com a Gladio, seita terrorista nazi dentro da NATO, e com os serviços secretos italianos, por terem descoberto que a Somália era um entreposto de passagem de armas norte-americanas para a Croácia, então sustentada pela NATO na guerra para destruir a Jugoslávia. Uma guerra da qual o neo-ustachi Franjo Tudjman emergiu para a presidência do novo país. Segundo Ilaria Alpi, a CIA usava barcos da empresa Schifco, que a Itália oferecera oficialmente para desenvolvimento da pesca na Somália. Esta frota, segundo as investigações de Ilaria Alpi, era também usada para despejar resíduos tóxicos radioactivos nas águas somalis. Na altura, recorda-se, estava em curso a primeira “guerra humanitária” promovida pela NATO e os Estados Unidos, a que se seguiram Afeganistão, Iraque, Líbia, Síria… Sempre em nome dos direitos humanos e da missão de salvar vidas. A justiça e os parlamentares italianos descobriram um único culpado pela morte de Ilaria Alpi, um cidadão somali que os pais da jornalista asseguram estar inocente.
Por falar em Síria, a Croácia é agora um dos países que, além de fornecer armas aos nazis ucranianos, contribui para abastecer os mercenários do tipo Al Qaida e Estado Islâmico que alimentam a guerra civil síria a soldo da NATO, Estados Unidos e amigos, pois quem havia de ser? A Croácia presidida por uma neo-ustachi devolve hoje, através da Turquia, os favores que há 20 anos lhe foram prestados, como demonstrou a jornalista Ilaria Alpi, sendo por isso silenciada.
Porque em silêncio e para silenciar quem descobre incomodidades deste tipo existe o Team 6, um super secreto sistema norte-americano de comandos denunciado pelo New York Times que pratica pelo mundo fora, onde quer que o poder global o exija, a chamada “queima de arquivo” através de assassínios selectivos.
A relação entre uma suástica num relvado croata e o assassínio de Ilaria Alpi faz todo o sentido. São sinais do mundo que temos.

sábado, 13 de junho de 2015

O ESTADO É ELE


Manuel Valls, primeiro-ministro francês, talvez motivado, quiçá, pelas suas raízes catalãs, decidiu levar a família assistir à final da Liga dos Campeões de futebol, em Berlim.
Berlim é mesmo ali ao lado, muitas décadas antes já Hitler sabia disso em relação a Paris, mas Manuel Valls é homem de muitas ocupações, servir o patronato francês, olhar pela estabilidade do mercado, fiscalizar as boas práticas da austeridade, verificar se a devassa da vida das famílias, dos cidadãos e das empresas é feita com a intensidade devida, enxotar comunidades ciganas a golpes de bastão policial, enfim, coisas próprias de um primeiro-ministro moderno, socialista ou de qualquer outro arquinho do grande arco da governação.
Por isso o primeiro dos ministros ao serviço do presidente Hollande mandou vir o avião do governo, que é propriedade dos contribuintes, não de um qualquer Barraqueiro, nele se instalou com os filhos, e toca para Berlim. Ir e vir, com festa pelo meio, foi uma pressa, tanta foi a pressa que Manuel Valls se esqueceu de pagar – digamos que isto já é uma força de expressão.
Acontece que a oposição, um inconveniente que o primeiro-ministro francês, proclamando-se um valoroso republicano, ainda não conseguiu eliminar, embora vontade não lhe falte, levantou a questão: será que o primeiro de todos os ministros pode assim encomendar o avião do governo para ir dar um passeio com a família e nada acontece?
A interrogação foi mais um rastilho dos muitos que alimentam os escândalos já suscitados pelos comportamentos de Manuel Valls. As oposições querem, pois, que o homem de confiança de Hollande preste contas, não apenas as decorrentes de ter usado e abusado de facilidades que pertencem ao cargo e não à sua pessoa mas também as contas políticas, as que são devidas a um homem em funções públicas.
Manuel Valls acha que não. Que não tem que prestar contas. Mais do que isso, não entende o porquê de tamanho alarido com uma simples viagem de avião que, ida-e-volta, não terá chegado aos 1500 quilómetros em meia dúzia de horas ao todo. Que mal é que tem uma pessoa ter uns momentos de lazer assistindo ao vivo e a cores a um bom espectáculo de futebol nas comodidades de um avião que está mesmo ali à distância de um simples estalar de dedos?
Este é o verdadeiro Manuel Valls. O que já não sabe nem quer distinguir entre o pessoal e o público no exercício dos cargos políticos para os quais é eleito e que ocupa com mandatos dos cidadãos. Como ele há muitos outros; ele não é mais do que um caso típico de uma casta política que, aos níveis europeu e mundial, se aboletou com a democracia, servindo-se dela enquanto serve os interesses financeiros e os pessoais, contra os dos cidadãos. O problema grave não é apenas ter usado o avião do governo para ir com a família à bola. É não perceber, é não admitir a gravidade de tal gesto. O problema é, em suma, o abuso do poder que lhe foi outorgado em nome da comunidade.
E chegados a este ponto a situação remete-nos para outros tempos no mesmo país, quando se estava ainda relativamente longe de ser um orgulho proclamar-se republicano, como faz Manuel Valls contra todas as evidências.
Ele não o diz, mas comporta-se como tal: o Estado é ele. Tal como para estas cliques que nos governam aqui, ali, do lado de cá e de lá do Atlântico: elas são o Estado.



quinta-feira, 11 de junho de 2015

DEMOCRACIA E DIKTAT


O G7, que já foi G8 e volta a ser G7 quando isso é da conveniência de quem o inventou, é um encontro das “grandes democracias” para fazerem o balanço de como se comportam todos os outros, democracias ou não, que recebem elogios, raros e sempre verbais, e sobretudo reprimendas, severas, contundentes, dolorosas. O G7 é, por assim dizer, um tribunal da democracia, que aplica leis que não são válidas para os seus membros porque, ungidos pela própria essência da democracia, estão acima de qualquer suspeita e controlo.
Desta feita as vítimas escolhidas para se sentarem no banco dos réus foram a Rússia – despromovida do favor que em tempos lhe facultaram de haver G8 em vez de G7 – a Grécia e a Síria. Previsível, como tudo o que é controlado pelos donos absolutos da democracia. Dantes havia também o Irão, mas isso agora é outra história, ou pelo menos assim se pensa, como se verá a partir do fim deste mês. Houve ainda uns segundos, suficientes creio, para que ficasse registada em acta a preocupação destes sete magníficos com o estado miserável em que se encontra o ambiente do planeta terra. Podemos ficar descansados: o tempo utilizado foi pouco mas aproveitado até ao milésimo de segundo: o G7 prometeu fazer tudo o que estiver ao seu alcance para aliviar o mundo dos efeitos do excesso de carbono na atmosfera através de acções que serão evidentes já amanhã, isto é, em 2050.
Mais urgente, muito mais urgente, como se compreende, é por o dedo no nariz da Rússia, aplicando-lhe novas sanções pelo que se passa na Ucrânia, onde o excelentíssimo tribunal dos sete ordenou que democracia e fascismo são uma e a mesma coisa e ai de quem desobedece. Novas sanções a Moscovo e “aprofundar” o desenvolvimento da Ucrânia, isto é, estabilizar a acção da junta nazi são, no entender dos sete, as soluções que tudo irão resolver. Até a senhora Merkel, de um país onde a economia sofre assinaláveis convulsões devido à ressaca das sanções a Moscovo, acha que sim, esse é o caminho e afinal as escudas que os espiões da NSA fazem aos seus telefonemas são lógicas porque os Estados Unidos e a Alemanha são “amigos inseparáveis” e os amigos nada têm a esconder.
Também a Grécia vai ter de entrar nos eixos, ameaça o G7. Já chega de o governo Tsipras andar a tentar fintar a troika, os mercados financeiros, todos aqueles que engordam com os sacrifícios de morte impostos aos gregos. A dívida é para pagar, a austeridade é para levar até às últimas consequências, os donos da democracia estão a perder a paciência com estas rebeldias anacrónicas de querer que os povos não sejam aquilo que estão condenados a ser: paus mandados do mercado e do seu tribunal da democracia, o G7.
A cimeira do G7 revelou também a impaciência dos seus membros por chegarem a mais uma reunião e, apesar de todas as suas ordens, o impertinente Bachar Assad continuar a ser presidente da Síria, com a agravante de ter sido reeleito pelos seus concidadãos. Por isso os sete decidiram reforçar a ajuda aos terroristas “moderados”, que por sua vez canalizarão esses apoios para quem de direito, o Estado Islâmico e a Al Qaida, inimigos públicos, amigos privados. Ou seja, o G7 insiste na receita de sempre, a que desfez em cacos o Médio Oriente, para que os cacos se desfaçam em caquinhos e então os senhores da região, democracias autênticas e puras como são as de Israel e Arábia Saudita, em concerto com o regenerado Irão e os Estados Unidos, possam impor a ordem, uma nova ordem.
E pronto, o G7 fez o que tinha a fazer, chegou a hora do retrato de família, provavelmente animado pelo presidente da Comissão Europeia, que leva muito a sério o seu papel de clown político e cerimonialista. O tribunal das democracias reuniu-se, o diktat ficou escrito, que o cumpra quem tem de cumprir, porque as sanções e as guerras são o caminho certo e certeiro para a paz. Assim vai o mundo.


segunda-feira, 8 de junho de 2015

MENTES DOENTES


O presidente de turno nos Estados Unidos da América pretende instalar mísseis de médio alcance com capacidade nuclear no Reino Unido e, ao mesmo tempo que combina com Angela Merkel a imposição de novas sanções à Rússia, pede ao primeiro-ministro britânico que não permita a saída do seu país da União Europeia.
O imperador falou e deu ordens aos súbditos, que continuam a sê-lo mesmo que, aqui e ali, pretendam disfarçá-lo. O caso da chanceler alemã é flagrante: depois de fingir que tem política própria em relação a Moscovo acaba de explicar que a sua posição sobre o assunto é a norte-americana e fica tudo dito. Mesmo que tenha sido enxovalhada por simples funcionários de Washington a propósito da Ucrânia, mas isso já lá vai, desculpas aceites, tudo se esquece.
Moscovo informa que acompanha “de muito perto” estas movimentações. É natural, todas elas se dirigem, em primeira e última análise, contra a Rússia. Até porque as mentiras em tempos usadas por Washington, segundo as quais a instalação de equipamentos militares “defensivos” na Europa de Leste pretendiam ameaçar o Irão, tornaram-se inúteis. Os Estados Unidos e o regime de Teerão vão assinar um acordo dentro de dias cujo principal objectivo estratégico para o Pentágono é o de ficar com as mãos mais livres no Médio Oriente para poder reforçar o nível das ameaças contra a China e contra a Rússia. É o que está a acontecer sob os nossos olhos.
A instalação de mísseis nucleares de médio alcance no Reino Unido, virados contra a Rússia, fará com que Moscovo responda da mesma maneira, com armas viradas “para cá”. É um regresso ao passado nos episódios de corrida aos armamentos, o retorno a uma guerra fria que, nunca deixando verdadeiramente de existir, se reactiva em cima de um mundo repleto de guerras quentes.
Durante os primeiros anos deste século, Washington ainda deu a sensação de que o terrorismo internacional passaria a fazer as vezes da extinta União Soviética como argumento imperial para cometer ingerências onde lhe interessa, alimentar guerras para escoar stocks de armamentos ultrapassados, para por e tirar governos a seu belo prazer. Esse tempo já lá vai, até porque qualquer cidadão medianamente informado e que pretenda olhar o mundo com olhos de ver conhece as cumplicidades entre os Estados Unidos e o terrorismo internacional.
Tal como a União Soviética de antanho, a Rússia é o inimigo principal do império – em boa verdade a Rússia e os seus potenciais aliados militares, China e Índia. Foi sobre isto que incidiram os recentes encontros do senhor Obama, que passa mais tempo no espaço da União Europeia do que no seu país. E quando ele chega aos países da União Europeia não é para pedir, é para exigir a rogo de quem o fez presidente e como tal o sustenta, o complexo militar, industrial e tecnológico que governa os Estados Unidos e pretende governar o mundo, em “democracia”, claro está.
Por isso Obama veio dizer ao seu confrade Cameron, eleito de fresquinho, que prepare as bases para que nelas sejam instalados os mísseis nucleares norte-americanos e que se deixe de alimentar as dúvidas sobre se o Reino Unido deve ou não continuar na União Europeia. É do interesse dos Estados Unidos que a União Europeia continue inteira, estável e dócil, por isso que se deixe Cameron de falar em referendos sobre a saída ou não, que ainda podem dar mau resultado mesmo que o sistema eleitoral funcione de modo a evitar incómodos, mas nunca se sabe.
Dir-se-á: Cameron foi reeleito agora, porém o mesmo não poderá acontecer com Obama. Pois não – e o que interessa isso? A seguir virá um outro, com um dos dois rótulos regimentais, para fazer a mesma coisa, quem sabe se logo à partida agraciado com um Nobel para que tudo o que ele decida em prol da guerra seja apresentado como denodados esforços pela paz. Estando todos nós reféns destas mentes doentes.



domingo, 7 de junho de 2015

LINHA DE MONTAGEM TERRORISTA


Oficiais e armas norte-americanas chegaram à base militar da NATO de Incirlik, na Turquia, e a uma pequena base na Jordânia durante o mês de Maio para que se iniciem a selecção e o treino da “nova geração” de mercenários do Exército Sírio da Liberdade, a entidade que os Estados Unidos e aliados inventaram para derrubar o presidente sírio, Bachar Assad, e que tem servido como uma das pontes para alimentar a Al Qaida e o Estado Islâmico.
O argumento invocado pelos autores desta estratégia, segundo a qual a operação se destina a combater em simultâneo o exército regular sírio e o Estado Islâmico, tem provocado sorrisos e dichotes no Quartel-General da NATO em Bruxelas. Como pode um grupo inventado do nada, e cuja ligação à Síria não passou originalmente de alguns dissidentes comprados por meia dúzia de patacos entre membros do exército sírio, pode ambicionar uma guerra em duas frentes e contra adversários tão poderosos como as tropas de Damasco e o Estado Islâmico (EI)?
A verdade é outra. A CIA e afins continuam apegadas à estratégia de criar e alimentar redes terroristas cuja utilização vai variando conforme os objectivos em determinado momento e circunstâncias. Nas vésperas da assinatura de um acordo entre os Estados Unidos e o Irão tornou-se claro que o Estado Islâmico, organização cujo comportamento é de pura selvajaria e de cruel banditismo, integra o processo acordado entre Washington e Teerão, com o envolvimento de sectores israelitas, de partilha do Médio Oriente em esferas de influência. O “califado” islâmico proclamado pelo Estado Islâmico em partes contíguas dos territórios da Síria e do Iraque, juntamente com a possível criação de um Estado curdo no Curdistão Iraquiano, fazem parte desta operação de partilha, pelo que o argumento norte-americano de que a “nova geração” dos “moderados” sírios irá combater o EI é pura ficção, uma deliberada mentira.
Círculos de espionagem afectos às estruturas da NATO asseguram que os Estados Unidos estão a preparar um “rigoroso processo de selecção” dos mercenários de “nova geração” de modo a que não sigam as pisadas dos anteriores, isto é, irem engrossar os bandos da Al Qaida e do EI. Para isso prevê-se que os candidatos sejam filtrados através de informações existentes na miríade de bases de dados da espionagem norte-americana criadas pelas acções da NSA através de todo o mundo, tal como foram denunciadas por Edward Snowden. A Turquia e a Arábia Saudita, por sua vez, pretendem ter voz activa nessa selecção, o que deitaria imediatamente por terra, se elas existissem, as intenções da CIA de não recrutar gente muito chegada às teses do radicalismo islâmico.
Na prática, o que está a acontecer – como sempre – a coberto das operações de treino de “combatentes da liberdade” nas bases da NATO na Turquia e em instalações do mesmo tipo na Jordânia, é a criação de bandos terroristas que irão engrossar os já existentes e que alimentam cada vez mais situações de conflito em zonas críticas do globo. Criar grupos terroristas é, no fundo, a essência da chamada guerra contra o terrorismo.
As aberrações são de tal ordem que, no meio delas, se perdeu nos escombros do tão esquartejado direito internacional este princípio básico e ostensivamente caído em desuso: com que legitimidade alguns países se arrogam o direito de fundar grupos armados com o objectivo declarado de ir derrubar um governo de um Estado soberano? Para que conste, as eleições que sufragaram o chefe de Estado da Síria foram bastante mais livres e democráticas que as organizadas pelos Estados Unidos e aliados em países como a Ucrânia, o Iraque e o Afeganistão.
Arrasar o direito internacional invocando o direito internacional é, ao fim e ao cabo, mais um elemento da estratégia dominante de alimentar o terrorismo a coberto de combater o terrorismo, de violar os direitos humanos em nome do respeito pelos direitos humanos.


sábado, 6 de junho de 2015

O DIA DOS PEQUENOS CONSUMIDORES


O dia da criança já lá vai, mais um na rotina dos anos em que multiplicam votos e desejos, se apregoam iniciativas, se prometem mudanças de que nada sobra cumpridas as 24 horas regimentais. O dia depois é pelo menos igual ao dia antes, provavelmente pior tendo em consideração as cavalgadas das guerras, as procissões trágicas de refugiados, as angústias crescentes da fome, a multiplicação dos bombardeamentos cegos, com ou sem pilotos ou artilheiros.
Este ano houve pelo menos uma novidade, no mínimo abusiva e temperada com veneno de propaganda que foi a colagem do dia do leite ao dia da criança, autorizada por quem de direito onde o direito também é bastas vezes uma questão de propaganda. “Dia da criança é também o dia do leite”, mas do leite de uma determinada marca que assim se enfunou com penas de pavão beneficiando da benevolência cúmplice perante os atentados quotidianos aos dias da decência, que deviam ser todos os dias.
E por falar em marcas, tropecei por acaso num espaço dedicado pela estação do retirante de Bilderberg ao dia da criança, não podia deixar de ser, fica sempre bem. E também ao dia da criança e das marcas, fica melhor ainda.
Um alegre espaço inspirado talvez no velho rifão “de pequenino se torce o pepino” transposto para a era do marketing, das marcas, do mercado, agora sim, estamos no que mais interessa, os pequenos seres transformados em fontes de grandes lucros.
Um mercado de 700 milhões de crianças, ouvia-se em voz off, “os pequenos consumidores” de hoje, os grandes consumidores de amanhã, daí que as marcas pretendam desde já criar com eles “uma relação duradoura” que os acompanhará por certo através da vida, podendo até garantir-lhes a escolha do caixão quando chegar a hora, porque marca que é marca e que se preza trata dos dias de hoje com os olhos sempre postos no amanhã, mesmo no mais distante.
Setecentos milhões de pequenos consumidores é obra. Com toda a franqueza não consegui perceber se a cifra engloba os que fogem das guerras afogando-se no Mediterrâneo, os que nascem com fome e irão morrer com fome, os que estão vocacionados a não ir além das primeiras lições, soterrados nos escombros de uma escola bombardeada, os que são fuzilados sumariamente, com o resto da família, por um drone enviado por sua excelência o presidente Obama, na verdade um patriarca de todas as marcas. Ou se essa cifra mágica e prometedora dos 700 milhões de pequenos consumidores já integra os descontos óbvios e elimina das estatísticas aqueles que nascem condenados a não consumir coisa nenhuma, nem o leite ao menos no dia do leite e da criança, nem a chucha aerodinâmica de última geração.
É verdade, as marcas preocupam-se com as crianças, pensam até muito nelas, nas maneiras de as ajudar, de as educar, assim se ouvia no programa. Deseja-se, por isso, que esses recém-nascidos membros da planetária família do mercado ganhem muito cedo os hábitos de consumo para que estes fiquem enraizados de maneira duradoura, porque criança que se preze deve saber decidir desde o berço, de preferência muito antes de conseguir articular palavras, desde que escolha produtos de marca, quanto mais recomendada melhor - e nisso não haverá aliado mais saudável dos pais e dos próprios que a honestíssima publicidade.
Pequenos consumidores activos, mercado satisfeito. Uma aliança para a vida porque, como se percebe pela sociedade em que vivemos, nada há que o mercado mais aprecie que as crianças como prometedoras, prolongadas e inesgotáveis fontes de lucro. As que, por razões colaterais, não atingirem esse estádio de contribuintes líquidas do mercado desde as mais tenras idades podem então servir de carne para canhão, com isso se aliviando o planeta de uma ganga indesejável, imprestável para o consumo. O mercado trata disso. 


terça-feira, 2 de junho de 2015

NEONAZISMO À BEIRA DO NOBEL DA PAZ


 
Depois de Barack Obama, chega a vez de o regime neonazi vigente na Ucrânia poder vir a ser agraciado com o Prémio Nobel da Paz através da figura do seu presidente, o oligarca Piotr Poroshenko, entronizado através de eleições parciais e manipuladas.
Uma carta enviada pelo presidente do Parlamento de Kiev, Vladimir Groysman, à encarregada de negócios da Embaixada dos Estados Unidos em Oslo, Julie Furuta-Toy, agradece as pressões já realizadas sobre o Comité Nobel a favor do chefe da junta ucraniana mas adverte que a acção tem de continuar uma vez que, até agora, apenas dois dos cinco membros acataram as instruções norte-americanas para a escolha de Poroshenko. De acordo com a mesma carta, “aguardamos mais esforços no sentido de alterar as posições de Beirit Reiss-Anderssen, Inger-Marie Ytterhorn e especialmente do presidente do Comité Nobel, Kaci Kullmann Five”.
Nos termos da carta, que cita o envolvimento pessoal da subsecretária de Estado Victoria Nuland na operação, a atribuição do Nobel da Paz a Poroshenko será muito importante para garantir a “integridade da Ucrânia”, incluindo a reintegração da Crimeia, e também para a “democracia e a liberdade de expressão em todo o mundo”.
É verdade que o Nobel da Paz anda pelas ruas da amargura, de tal modo que o Parlamento Norueguês se viu forçado a destituir o anterior presidente do Comité, o ex-primeiro ministro Thorbjørn Jagland, por comprovada corrupção. Jagland, presidente do Conselho da Europa e um dos notáveis trabalhistas (sociais-democratas) noruegueses, foi relegado para a posição de membro do Comité e nessa qualidade – mostrando uma notável coerência e uma desafiadora contumácia – é agora um dos dois elementos que já se manifestaram pela atribuição do prémio a Poroshenko. O outro nessa situação é o conservador Kenrik Syse, do mesmo partido que Kulmann Five, o actual presidente do Comité, pelo que a formação da necessária maioria não é assim tão imprevisível.
É importante salientar que a intensificação das pressões no sentido de o Nobel ser atribuído a Poroshenko está associada a jogos internos de poder nos Estados Unidos da América desencadeados depois de o secretário de Estado, John Kerry, se ter encontrado em 11 de Maio com o presidente russo pedindo-lhe o envolvimento numa solução negociada da questão ucraniana.
Esta iniciativa de Kerry e Obama causou a ira dos neoconservadores, dos quais Victoria Nuland é a ponta de lança na Ucrânia, empenhados não apenas na sabotagem dos acordos de Minsk como no reforço das operações militares contra as populações do Leste e Sudeste do país. A carta contem uma sibilina insinuação segundo a qual a entrega do Nobel a Poroshenko poderá criar condições susceptíveis de evitar as manifestações de força que o regime de Kiev está pronto a desencadear contra as regiões de maioria russófona.
Poroshenko encabeça um regime instaurado por golpe de Estado, institucionalizado através de eleições fraudulentas e parciais, chefiado por uma junta de poder no qual os aparelhos militar e de segurança foram entregues a grupos nazis que se declaram herdeiros das correntes fascistas que colaboraram com as tropas de Hitler nas chacinas praticadas durante a ocupação alemã. O silêncio em torno dos resultados dos prometidos inquéritos reforça as suspeitas de envolvimento da junta de Kiev no derrube do avião malaio que fazia o voo MH17 com 300 pessoas a bordo, em 17 de Julho do ano passado. As operações repressivas realizadas pelas tropas ao serviço da junta no Leste e Sudeste da Ucrânia têm sido denunciadas como limpezas étnicas, em consonância, aliás, com os ideólogos nazis no poder que reclamam uma purificação da população do país. Além disso, a junta e o parlamento têm vindo a decretar a ilegalização de forças políticas da oposição, começando pelos comunistas, e a forçar o encerramento de numerosos meios de comunicação social. O presidente ucraniano assinou recentemente um decreto segundo o qual as organizações que colaboraram com Hitler são reconhecidas como “combatentes da liberdade”.
De descrédito em descrédito, o Nobel da Paz baterá, sem dúvida, no fundo se as pressões em curso sobre o Comité de Oslo resultarem e Piotr Poroshenko, um senhor da guerra, for o escolhido de 2015.
 

segunda-feira, 1 de junho de 2015

JUNHO ANUNCIA-SE SANGRENTO


 
O mês de Junho anuncia-se sangrento na arena internacional. É um mês decisivo para os senhores da guerra de vários matizes, que tentarão ganhar e definir posições ainda antes da assinatura do acordo dito de prevenção nuclear a assinar no dia 30 entre os Estados Unidos da América e a República Islâmica do Irão sob a batuta do presidente Hassan Rohani.
O acordo, em si mesmo, fecha uma história batoteira que serviu para alimentar sanções e outras medidas de isolamento do Irão, sobretudo para conter a sua influência regional até que o regime de Teerão se “moderou”. Qualquer dirigente norte-americano, mesmo os que não o admitem, sabe que o Irão não tinha qualquer projecto nuclear militar na manga, o seu objectivo estratégico através da energia atómica é meramente civil. O regime iraniano pretende gerir as suas riquezas petrolíferas da maneira que melhor entende, de forma a não depender energeticamente apenas delas. É importante recordar, a propósito da enorme mentira mundial que foi a possível “bomba atómica” do Irão, o decreto religioso emitido em 1988 pelo líder histórico da revolução, o ayatollah Khomeiny, proclamando a renúncia da República Islâmica à utilização da energia atómica com fins militares.
O que significa então o acordo a assinar em 30 de Junho, negociado em segredo nos últimos dois anos entre Washington e Teerão, em paralelo e muitas vezes à revelia das chamadas conversações 5+1 na Suíça? Significa que Estados Unidos e Israel, por um lado, e o Irão, pelo outro, vão partilhar esferas de influência no Médio Oriente estabelecendo, de certa maneira, um novo mapa da região. Escreveu-se Israel, mas sabe-se que o primeiro-ministro Netanyahu está contra este arranjo, uma vez que ele traduz, se funcionar, uma possível rejeição norte-americana do projecto de Grande Israel. Este ponto levanta uma série de interrogações sobre o futuro do governo de Netanyahu recém-constituído, ao qual a administração norte-americana não parece agora disposta a facilitar a vida.
O acordo entre Washington e Teerão formaliza a rejeição, pelo Irão, do uso da energia atómica para fins militares, a renúncia à “exportação da revolução islâmica” e, em contrapartida, determina o levantamento das sanções internacionais contra a República Islâmica. O Irão conservará as suas esferas de influência na Síria, no Líbano, no Iraque e a questão palestiniana deverá regressar aos objectivos de Oslo; os Estados Unidos e Israel reinarão sobre uma grande aliança no Golfo acrescida do Egipto, que assentará num eixo militar entre Israel e a Arábia Saudita, cuja existência é cada vez mais nítida. A administração Obama não se compromete, porém, a garantir preto no branco a sobrevivência das actuais monarquias corruptas, o que se percebeu através do meio fracasso da recente cimeira das ditaduras realizada em Washington.
Os Estados Unidos pretendem, através dos arranjos com o Irão, estabilizar a situação no Médio Oriente de maneira a transferirem para a Ásia grande parte dos efectivos afectados actualmente à região. A estratégica asiática, de maneira a fazer frente à China e à Rússia, é agora o principal objectivo imperial e por isso está a nascer no sultanato do Brunei a maior base militar norte-americana e mundial.
Na perspectiva do acordo a assinar no dia 30 desenvolvem-se agora intensas operações militares buscando a conquista de posições que, muito hipoteticamente, ficariam congeladas nesse dia. Daí o recrudescimento da ofensiva israelita-americana-europeia em território sírio, de que é exemplo a conquista em dois dias, pelos terroristas do Estado Islâmico, de duas das principais cidades da Síria e do Iraque, Palmyra e Ramadi. Salta aos olhos que o Estado Islâmico faz parte da estratégia norte-americana e israelita para a fase que se segue à assinatura do acordo. Alguém acredita que um grupo terrorista alegadamente sujeito, há vários meses, a uma campanha de bombardeamentos aéreos norte-americanos mantenha vitalidade para lançar uma bem sucedida ofensiva, e logo em duas frentes? A guerra ocidental contra o Estado Islâmico é falsa porque este grupo, sustentado logisticamente também por Israel, faz parte dos arranjos territoriais em curso.
A guerra pela conquista de posições antes de dia 30 vai marcar todo o mês de Junho. Daí falar-se também, cada vez mais insistentemente, na possível criação de um Estado Curdo no Curdistão iraquiano patrocinado pelos Estados Unidos, Israel, e tolerado pelo Irão.
Os arranjos existem no papel, o que não quer dizer que funcionem. O mais provável é que não funcionem, como demonstra toda a história do Médio Oriente desde os acordos entre o Reino Unido e a França (Sykes-Picot) a seguir à Primeira Guerra Mundial. As variáveis são mais que muitas, a começar pelo facto de a administração Obama estar em fim de carreira e em Israel existir, embora mais frágil que anteriormente, um governo que fará tudo para minar o entendimento entre Washington e Terrão. Acresce que a proliferação de grupos terroristas islâmicos e o estado de degradação a que chegaram as situações na Síria, no Iraque, no Iémen e a questão palestiniana não se compadecem com geometrias diplomáticas, mesmo que parecessem realistas e aplicáveis – o que nem sequer é o caso. Não é certo, sequer, que depois de assinado o acordo a propaganda global silencie as mentiras sobre a opção nuclear militar iraniana.