A revista
norte-americana “Time”, ponta de lança da comunicação social ao serviço do
regime económico, militar e político global, escolheu a Srª Merkel como a “Personalidade
do Ano”.
Nada de
novo, nada a estranhar, a figura certa para a decisão certa, tanto mais que, de
acordo com a definição da revista, o critério da escolha assenta na influência
exercida sobre os acontecimentos do ano, que tanto pode ser “boa” como “má” e
vice-versa. Por isso, o principal rival da chanceler alemã no concurso foi o
sanguinário chefe terrorista Al-Baghadi, líder do Estado Islâmico; e um dos
seus antecessores, homólogo e compatriota contemplado com o galardão foi o
próprio Adolf Hitler. Tudo nos conformes.
Creio não
haver dúvidas quanto ao teor da influência da Srª Merkel que lhe terá valido
tão subida honra no país onde os serviços secretos se têm dedicado a
devassar-lhe a vida e os telefonemas. Talvez a “Time” tenha tido, por isso, um
insólito rebate de consciência numa instituição onde a consciência não pode nem
deve beliscar objectividades, arroubo esse susceptível de ter decidido o sprint
final de tão cerrada corrida em desfavor do terrorista mais famoso da era pós Bin-Laden.
A Srª Merkel
venceu e devem os súbditos europeus orgulhar-se com a decisão, vinda ela de
onde vem. A Srªa Merkel, a mais fundamentalista entre os fundamentalistas do
défice, a prodigiosa madrinha do Tratado Orçamental e outras medidas da União Europeia
para meter na ordem os madraços que desafiam a prodigiosa ordem neoliberal, a
chanceler que sem fazer a guerra pela via militar conseguiu vergar toda a
Europa ao poder teutónico, coisa que nem Hitler alcançara com a sua máquina
infernal de morte, enfim a chanceler que conseguiu agregar 27 Estados federados
à Europa depois da compra da RDA por tuta e meia, sem que a União Europeia se
assuma como federação, merece, sem dúvida, a honrosa capa da “Time” que também
já pertenceu a Bin-Laden e Obama. Por “boa” ou “má” influência? Os mercados, os
banqueiros e outros magnatas, os generais da NATO, os dignitários fascistas
ucranianos e de outros tugúrios europeus, os trauliteiros e mentirosos que
depois de arrasarem o Afeganistão, o Iraque e a Líbia insistem em fazê-lo na
Síria, destacadas figuras pacifistas e humanitárias como o Sr. Netanyahu de
Israel não têm quaisquer dúvidas sobre a bondade e a clarividência da senhora.
Que importam as vagas de refugiados provocadas por guerras que ela contribui
para sustentar, mesmo violando a Constituição do seu país? Que mal tem a
expansão da pobreza, da miséria e da humilhação na Europa atrelada à
austeridade que ela cultiva com o amor de quem extermina as ervas daninhas no seu
bem-aventurado jardim? A “Time” nada tem a ver com isso, o seu jornalismo zela
apenas pela ordem estabelecida – onde o terrorismo, até o intelectual, cabe a
preceito – no fundo a tecnocracia da influência nada tem a ver com o “bem” ou o
“mal”. Não sabemos nós, por experiência própria, que o “mal” pode servir de “bem”
e vice-versa, tudo dependendo das circunstâncias e dos interesses, digamos,
mais influentes?
A “Time”
limita-se a escolher a “Personalidade” e não tem a ver com o desprezo dessa “Personalidade”
em relação às pessoas. Isso não conta para nada, tal como a opinião dos
leitores da própria “Time”, que assim aprendem a comer e calar como
democraticamente deve ser.
Para que
conste: no processo que culmina com a capa expondo a “Personalidade do Ano”,
que anteriormente se chamava o “Homem do Ano – há que acompanhar os
aggiornamenti ditados por essas coisas modernas de género – os leitores da “Time”
são chamados a escolher os seus ou as suas favoritas. Neste ano, por exemplo,
nenhum dos nomes mais votados pelos leitores foi incluído pelos serviços de
selecção da “Time” na ilustre “short list” final que conduziu à coroação da Srª
Merkel.
O mais
votado dos leitores foi Bernie Sanders, um dos candidatos democráticos à
Presidência, Senador pelo Estado de Vermont. Bernie Sanders que defende um
serviço de saúde universal e gratuito nos Estados Unidos - achando muito curta
a reforma de Obama; que foi contra as guerras desde o Vietname ao Iraque, que
denuncia as cumplicidades do poder norte-americano com os grupos terroristas,
que defende uma reforma da comunicação social de modo a que deixe de ser um
mero poder dos grandes grupos económicos, que apoia a energia limpa e se bate
contra o aquecimento global, que alerta contra os perigos dos transgénicos, que
contesta a política de golpes e de “quintal das traseiras” na América Latina,
que tem o atrevimento de sugerir uma auditoria ao Banco Central (Reserva
Federal, FED).
Mas em que
mundo julgam estar os leitores da “Time” que sugeriram maioritariamente este
Bernie Sanders? Um mundo para as pessoas ou o mundo de “Personalidades” como a
Srª Merkel ou o Sr. Al-Baghdadi?
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