pub

quinta-feira, 26 de maio de 2016

LILIANA AYALDE E AS COINCIDÊNCIAS NO QUINTAL DE OBAMA


 
O nome de Liliana Ayalde pouco dirá à maioria das pessoas que me lêem, o que afinal é a coisa mais natural deste mundo.

 
Mas se vos disser que a senhora Liliana Ayalde é a embaixadora dos Estados Unidos da América no Brasil desde 2013, alguns começarão a suspeitar da existência de relações de causa e efeito entre essa enviada da diplomacia de Obama e os sucessos em curso nos corredores obscuros da política em Brasília. Tal suspeição virá da tradição histórica, pois sabe-se que não existe embaixador dos Estados Unidos sem missão específica em países da América Latina (e outras regiões, por certo) onde se tenha instalado, por vontade democrática do seu povo, um governo que não acene como os burros às ordens chegadas do Norte.

A senhora Liliana Ayalde foi expedida pelo secretário John Kerry para Brasília pouco depois de ter sido denunciado ao mundo que o governo dos Estados Unidos interceptava as comunicações oficiais e pessoais da presidenta Dilma Roussef, circunstância que ensombrou um pouco mais as relações entre os dois países. Coisas graves terão revelado essas escutas…

Até este momento da história, porém, as ilacções são apenas fundamentadas na tradição. Digamos que, para boas almas sempre incrédulas perante as evidências, nos mantemos ainda nas áreas da teoria da conspiração.

Mas se vos disser que o anterior posto diplomático da senhora Ayalde foi a de embaixadora em Assunción, no Paraguai, talvez a luz comece a tornar-se mais intensa nos vossos espíritos. Porque em 2012, no Paraguai, o Congresso destituiu o presidente eleito Fernando Lugo, que pusera fim a 61 anos de ditadura, primeiro fascista, depois “democratizada” mas sempre fidelíssima a Washington, do Partido Colorado.

Lugo fora eleito em 2008 e logo em Dezembro de 2009 começaram a correr rumores de impeachment do presidente. Nessa altura, segundo mensagens divulgadas pelo site WikiLeaks, a embaixadora Ayalde escrevia assim nas suas mensagens pelos canais internos: “exprimimos cuidadosamente o nosso apoio público às instituições democráticas do Paraguai – não à pessoa de Lugo – para estarmos certos de que Lugo compreenderia os benefícios de uma relação próxima com os Estados Unidos”.

Recentemente, a propósito do Brasil, a porta-voz do Departamento de Estado em Washington, Elizabeth Trudeau, usou mais ou menos a mesma cassette, manifestando o desejo de que “as instituições democráticas brasileiras” solucionem as vicissitudes políticas.

Chegamos pois à constatação de uma perfeita coincidência: dois golpes de Estado parlamentares em dois países vizinhos no quintal das traseiras dos Estados Unidos, por sinal presididos por eleitos olhados com desconfiança por Washington, tendo em posto a mesma embaixadora norte-americana, a senhora Liliana Ayalde. Uma diplomata que o analista argentino Atila Boron considera especialista em “golpes soft”. Países diferentes, dois golpes idênticos em menos de um quinquénio, a mesma embaixadora dos Estados Unidos. O acaso tem destas coisas.

No Paraguai, passado o susto representado pelo ex-bispo católico Fernando Lugo, associado à Teologia da Libertação, os Estados Unidos reveem-se agora em Horácio Cartes, um magnata do tabaco, rancheiro e banqueiro que tem às costas acusações (por certo improcedentes) de lavagem de dinheiro dos cartéis da droga no seu banco Anambay, evasão fiscal e outros crimes, excelentemente relacionado com as agências de espionagem norte-americanas. Reina a tranquilidade em Washington, pois está o homem certo no lugar certo

No Brasil ignoramos o que se segue, mas a embaixadora Liliana Ayalde, para já, parece ter cumprido a missão. Obama ainda tem tempo para despachá-la para outro país da região. Equador? Bolívia? Uruguai?

quinta-feira, 19 de maio de 2016

A SOBERANIA E O PECHISBEQUE


 
Uma curta e prévia declaração: nada me leva a duvidar das melhores intenções do actual governo da Republica Portuguesa na sua saga para atenuar os efeitos nefastos de anteriores governações na vida da maioria dos portugueses. Digamos que é um governo “boa onda”, em linguagem de época, das suas boas intenções não está o inferno cheio, chega até a ser um governo corajoso olhando às tendências actuais no mundo.
Posto isto, vamos ao enorme fosso que está aberto entre a vontade do governo e a realidade que lhe é imposta e ameaça devorá-lo se o caminho continuar a ser o de tentar harmonizar eternamente o que é inconciliável, isto é, proporcionar uma vida mais desanuviada aos portugueses e, ao mesmo tempo, satisfazer a gula, sempre insaciável, dos tubarões internacionais das finanças. Não vale a pena insistir em satisfazer uns e outros, porque se é verdade que uns se contentam relativamente com pouco, tendo em conta as atrocidades de que foram vítimas nos anos mais recentes, aos outros nunca será suficiente o que lhes é concedido, exigirão sempre mais e mais porque o que não toleram é a existência de governos como este.
Há quem diga, socorrendo-se de contas redondas, que as exigências chegadas de Bruxelas e Frankfurt, dia após dia – e assim continuará a ser, tenhamos a certeza – somam até agora 1700 milhões de euros de “correcções” ao orçamento do Estado português. São “ajustamentos”, “temperos” contra previsões optimistas, medidas “preventivas” por desconfiança dos cálculos do défice, carência das benditas “reformas estruturais”, o sempre excessivo peso do Estado, excessivo até que seja completamente privatizado – esse sim o objectivo final da “modernização” do Estado em regime neoliberal.
Não sei se já se deram conta – pelo menos a comunicação social não deu, alguma até pede mais pois chega a estar a favor das sanções contra o país – de que todos os dias, é mesmo todos os dias, há novas exigências orçamentais impostas por Bruxelas ou pelos seus braços tentaculares.
No entanto, é do orçamento do Estado português que se trata. Ou seja, o governo de Portugal e o Parlamento de Portugal não decidem sobre o seu principal instrumento de governação com repercussões na vida dos portugueses. A Comissão Europeia, o Conselho Europeu, o Banco Central Europeu terão sempre a última palavra, isto é, direito de veto. A democracia pode ter determinado a mudança de governo em Portugal, mas a lei continua a ser a austeridade – essa é a política única imposta pelo sistema ditatorial de que se muniram as instituições europeias através de Maastricht, da moeda única, do Tratado de Lisboa, do Tratado Orçamental, do Semestre Europeu e outros quejandos atentados à democracia e à soberania dos povos.
Falar em independência nacional dos Estados membros da União Europeia é absurdo; falar em soberania democrática dos povos é invocar a mais refinada das ficções.
Os portugueses conhecem muito bem os dirigentes e as forças políticas que, entre nós, são cúmplices da hipoteca dos interesses nacionais e dos cidadãos assumida à revelia de qualquer consulta aos eleitores. Os dirigentes actuais do Partido Socialista, que tiveram a coragem de adoptar a existente fórmula de governo, estão infelizmente a percorrer o caminho minado que lhes foi deixado por essa aberração da democracia política que é o Bloco Central, espécie de partido único aliás em extinção pela Europa afora.
Ao caminhar por uma senda sem escapatória, insistindo em contornar cada novo obstáculo que é inventado para o fazer desistir, o actual governo de Portugal acabará por perceber que avança por um beco sem saída.
Oxalá perceba a tempo que o caminho é outro. Exige, é certo, muito mais coragem e a consciência de que a arte de conciliar o interesse dos portugueses com as exigências sucessivas e intermináveis dos agentes do poder financeiro internacional não dura sempre, tem limites. Trata-se de devolver aos portugueses a soberania democrática que lhes foi usurpada, traiçoeiramente em nome da defesa da democracia. Ao contrário do que argumentam os bem-pensantes que se incomodam com qualquer contestação a Bruxelas, não se trata de nacionalismo estreito. Seria, tão só, restauração de um elemento básico de cidadania, entretanto transformado num patético adereço de faz de conta, um pechisbeque.
 

segunda-feira, 16 de maio de 2016

OBVIAMENTE É UM GOLPE


 
O que está a acontecer no Brasil é, obviamente, um golpe de Estado. Desta feita os militares tiveram quem fizesse por eles o trabalho sujo da usurpação dos poderes executivos e não tardará que fiquem expostas, para quem esteja disposto a lê-las, as verdadeiras motivações dos golpistas.

É um golpe, porém não é caso isolado nem original. Assistimos a um processo de reviralho na América Latina que tem como objectivo indisfarçado a aniquilação de todas as transformações sociais e estruturais que ameaçaram o sistema de rapina montado pelas oligarquias económicas e financeiras orientadas pela mais poderosa entre elas, o complexo militar e industrial governante dos Estados Unidos da América do Norte - e de boa parte do mundo.
Os governos de países latino-americanos que de alguma maneira ousaram contestar e transformar, numa perspectiva soberana, os hábitos políticos submetidos às directivas chegadas de norte vão caindo como um castelo de cartas. Recordemos o golpe sangrento e à moda antiga praticado nas Honduras, sob comando clandestino da senhora Clinton; a inversão da tendência eleitoral na Venezuela longamente tecida pelos agentes fascistas sob orientação da Secretaria de Estado de Washington e da CIA; a silenciosa conspiração, costurada através da asfixia financeira, que recentemente triunfou em eleições na Argentina; e agora o caso do Brasil, por sinal replicado do que há quatro anos pôs termo, no Paraguai, à administração democrática do presidente Fernando Lugo. Muitos já não se recordarão, nestes tempos de memórias curtas e lavagens cerebrais ensaboadas pelas centrais multinacionais de propaganda, as mesmas que são instrumentos indispensáveis dos golpes – o caso da Rede Globo no Brasil é paradigmático mas não o único – de como se deu a “correcção de rumo” no Paraguai. Em Junho de 2012, o Congresso de Assunción, onde residem as principais famílias oligárquicas e corruptas, herdeiras dos privilégios fundiários e financeiros da sinistra ditadura de Stroessner, derrubou o presidente Fernando Lugo num processo de “impeachment,” em nome do combate à corrupção, e serviram-se do vice-presidente Federico Franco para o substituir.
A semelhança com o que está a passar-se no Brasil não é simples coincidência, sabendo qualquer cidadão medianamente informado que, tal como no Congresso de Assunción, é no Senado de Brasília que assentam os principais beneficiários da enorme irmandade da corrupção. Se o golpe no Paraguai teve a bênção de Obama, como veio a provar-se, a semelhança metodológica seguida no Brasil, em que a teia corrupta se apossa das rédeas do poder em nome do combate à corrupção, é um caso típico de gato escondido com o rabo de fora. O que é absolutamente caricato, e exemplar quanto ao cariz estupidificante da mensagem que sustenta o golpe no Brasil, é a caracterização dos golpistas como justiceiros com as mãos limpas, supostos anjos de um exército de pureza para liquidar a corrupção no país, pelos vistos nascida nas gestões de Lula e Dilma. A memória social pode ter sido encurtada, a brutificação fruto da propaganda ganha terreno, mas há realidades que estão acima de tudo isso, e a corrupção como fenómeno endémico no Brasil é uma delas.
Agora há que aguardar novos episódios desta saga vingativa, tutelada militarmente pela ressuscitada quarta esquadra norte-americana, a que patrulha a América Latina. Equador, Bolívia e Uruguai que se cuidem.
Nestes países, a conspiração golpista está em actividade permanente; ficou conhecida, por exemplo, a tentativa de secessão na Bolívia montada pelo diplomata norte-americano autor da estratégia de criação do Kosovo, e depois colocado por Obama em La Paz, por certo para tirar proveito do seu know-how. O processo não vingou, mas agora a correlação de forças regional alterou-se radicalmente.
Uma nota comum a todos estes golpes, para que conste. As manobras políticas, diplomáticas, e também militares, que têm sido aplicadas na América Latina derrubam governos democráticos livremente eleitos por sufrágio directo e universal. Tal como no Chile de Allende, em 1973. É escusado invocar o primado da democracia como motivação. Com ou sem farda, são golpes de Estado contra a democracia.

quarta-feira, 11 de maio de 2016

ÁUSTRIA OUTRA VEZ


 
Dizem que a História não se repete; ou que se repete como farsa. Porém, ninguém pode garantir, apesar de asserções tão veementes, que ela não se repita como tragédia. Pode acontecer, parece mesmo que já está a acontecer sob os circunspectos narizes das eminências da União Europeia, porém tão ocupadas a estrangular a Grécia, a decifrar os oráculos de arbitrariedade do BCE e do Eurogrupo, a subverter as vontades legítimas dos portugueses, a devolver refugiados aos campos da morte, a minar o voto referendário dos britânicos, a bajular o sultão turco, a pretender caçar terroristas que não precisam de extraordinários talentos para estarem sempre dois passos à frente da parafernália de espionagem virada contra a privacidade do cidadão comum.

Adolf Hitler era austríaco, recorda-se. Isso não quer dizer que a Áustria seja um berço de führers nazis; mas também não se pode garantir que a semente geradora de um se tenha tornado improdutiva. Porque quando se lêem resultados eleitorais onde um herdeiro político do criminoso que desencadeou a Segunda Guerra Mundial atinge os 35 por cento à primeira – mais uns pozinhos do que os nazis alemães obtiveram no sufrágio que lhes ofereceu o governo em 1933 – deduz-se que o caso é de monta, deveria ser levado a sério.
Sobretudo porque não é um caso isolado na Europa, embora tenha a enorme carga, e não apenas simbólica, de ter emergido na Áustria. Há os bandos da senhora Le Pen em França; o governo e os seus grupos de assalto fascistas na Ucrânia, entronizado um pela santíssima aliança entre a União Europeia e os Estados Unidos, treinados outros por militares norte-americanos, na reserva ao que dizem; há também as maquinações governamentais fascistas nos países nórdicos e bálticos; os garrotes do nacionalismo aristocrático ultramontano com que os governos polaco e húngaro asfixiam metodicamente os seus povos; há ainda o imperador pan-turco Erdogan, o garante de que as guerras no Médio Oriente estão para durar enquanto brinca com as vidas de milhões de fugitivos, abrindo-lhes ou fechando-lhes as portas da sobrevivência com as mãos untadas pelo dinheiro surripiado aos contribuintes europeus.
Para lá do Atlântico, Trump reina como um vingativo salvador de desvalidos e descontentes sobre o pântano republicano e a criminosa mentira democrática; nas Filipinas triunfa eleitoralmente El Castigador, o nacionalismo terrorista que comanda hordas de esquadrões da morte invocando a injustiça social, assustadora, que as “elites políticas” – assim lhes chama – têm aprofundado usando o Estado como se fosse coisa sua.
Na Venezuela, na Argentina, no Brasil, amanhã na Bolívia, quiçá no Uruguai, os fascistas outrora com fardas de generais e carrancas de carrascos, hoje de polo de marca, ou de fato e gravata e sorriso de gel, estão a dar largas ao ódio de vingança há muito acumulado contra as transformações democráticas e populares, comandados, como sempre, pela batuta de Washington.
Tudo isto acontece, aqui e lá, sobre os escombros dos sistemas tradicionais de poder, entre eles o tão famoso “bloco central” em que a sanguessuga neoliberal assentou o seu regime, usando a democracia para subverter a democracia. A realidade não é assim tão simplista, tem variantes, mas o que conta são os resultados: alargamento do fosso das desigualdades, mais milhões empurrados para junto dos milhões de deserdados, a fome e as epidemias alastrando, centenas de milhões de seres humanos à deriva pelo planeta, e o mundo nas mãos de meia dúzia de eleitos que ninguém elegeu e que usam a Terra como o seu quintal, manejando os cordelinhos das marionetas políticas – parece ter chegado o momento em que só as genuinamente fascistas lhes servem.
Enquanto isto acontece, a comunicação social dominante oferece-nos uma realidade paralela embalada no basbaquismo das maravilhas tecnológicas, e assim transforma a ficção em vida para consumo, na mais conseguida e universal das lavagens aos cérebros.