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domingo, 31 de janeiro de 2016

EUROPA PERDE O RASTO DE 10 MIL CRIANÇAS REGISTADAS COMO REFUGIADOS


 
Foto de Darko Vjinoviv (AP)

Dez mil crianças que chegaram à Europas fugidas dos conflitos no Médio Oriente despareceram sem deixar rastos, podendo muitas delas estar a ser exploradas como escravas sexuais e laborais no âmbito de uma sofisticada “rede criminosa pan-europeia”, admite a Europol, agência policial da União Europeia. Os desaparecimentos ocorrem já depois de as crianças serem registadas pelas autoridades dos Estados europeus.
Mais de cinco mil das crianças desparecidas foram registadas em Itália; pelo menos mais mil na Suécia. A Europol começa agora a aperceber-se de gangs para “exploração do fluxo migratório” actuando, designadamente, na Alemanha e na Hungria, conhecimento decorrente da ocorrência frequente de “conflitos cruzados” entre grupos de criminosos que estão particularmente activos na chamada “rota dos Balcãs”. “Há prisões na Hungria e na Alemanha onde a maioria dos detidos são membros de redes de exploração de refugiados”, revela Brian Donald, director da Europol, agência de polícia europeia.
Segundo Donald, cerca de 27 por cento de um milhão de refugiados entrados na Europa durante 2015 são crianças, o que significa 270 mil. “Nem todas viajam sozinhas”, acrescenta, mas o número das que chegam nessa situação e estão dadas como desaparecidas é aproximadamente dez mil, de acordo com “perspectivas conservadoras”. Donald admite que muitas ter-se-ão reunido a membros da família, outras não, mas em todos os casos “não sabemos onde estão, o que fazem ou com quem”.
O jornal britânico The Observer, o único dos chamados “jornais de referência” europeus que dedica especial atenção a esta tragédia humanitária, relata, por exemplo, o caso das mil crianças chegadas em Setembro passado ao porto sueco de Trelleborg. Todas elas desapareceram durante o mês seguinte e um relatório oficial revelado há uma semana reconhece que as autoridades têm “muito pouca informação sobre o que acontece depois de desaparecerem”. No Reino Unido duplicou em 2015 o número de crianças desaparecidas depois de registadas pelos serviços de asilo.
“Estamos perante a forma mais tenebrosa de tráfico de seres humanos e constatamos que, na prática, a resposta comunitária a tal fenómeno está muito longe de corresponder à sua gravidade”, afirma um funcionário da Comissão Europeia em Bruxelas. “Nunca como agora foi tão forte a fiscalização dos cidadãos e a cooperação entre os serviços de informações mas, ao que parece, as prioridades são outras que não a preocupação com as mais vulneráveis das vítimas de conflitos nos quais a União Europeia tem inegáveis responsabilidades”, sublinha a mesma fonte.
Maryian Berket, responsável da Organização para a Cooperação e Segurança na Europa (OSCE), reconhece exactamente isso: “os menores desaparecidos das regiões de conflito são, de longe, a população mais vulnerável”, afirma.
O director da Europol revelou que agência já possui provas de que um dos destinos das crianças desaparecidas depois de registadas é o circuito das redes de exploração sexual de menores. Ainda segundo Brian Donald, os motivos mais fortes para as guerras de gangs exploradores de refugiados são as disputas de menores para a escravatura sexual e laboral.
“Aqueles que estão nas nossas bases de dados como responsáveis por tráfico de seres humanos começam agora a aparecer também como envolvidos em tráfico de refugiados”, admite o director da Europol. Fontes em Bruxelas salientam que a existência prévia dessas informações e a falta de protecção inerente à condição de refugiado em busca de asilo devia ter suscitado a adopção de medidas prévias pelas autoridades. “Era inevitável que as redes de tráfico de seres humanos iriam tirar proveito do maná oferecido pela vaga de refugiados”, afirma um alto quadro do Conselho Europeu. “Como é possível falar-se tanto na defesa do nosso civilizado modo de vida e permitir-se que milhares de crianças que buscam refúgio no espaço da União encontrem trágicos destinos depois de registadas pelas autoridades em países europeus?”, interroga-se.
Brian Donald admite que a estrutura criminosa “sofisticada” tem vindo a desenvolver-se durante os últimos 18 meses, o período em que o fluxo migratório atingiu a maior intensidade, visando precisamente “tirar partido” dessa circunstância.
O chefe da Europol considera agora que é indispensável a “vigilância da comunidade” perante este fenómeno. “Estas crianças estão na comunidade e se são vítimas de abuso são-no dentro da comunidade”, diz. “Elas não se esfumaram no ar e foram levadas para o meio da floresta; estão no interior da comunidade. As populações devem estar alerta para isso”.
 
 

 

 

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

O RUIDOSO SILÊNCIO EUROPEU


Netanyahu com Sheldon Adelson, o proprietário do jornal
 que pede a morte da ministra sueca dos Negócios Estrangeiros
 
Notícias de Israel: o Ministério da Defesa autorizou a construção de mais 153 casas em colonatos situados na Cisjordânia ocupada; e um jornal israelita defende a liquidação da ministra sueca dos Negócios Estrangeiros, Margo Wallstrom, por condenar as execuções extrajudiciais de cidadãos palestinianos.
Quem procurar reacções de dirigentes da União Europeia a estes atentados ao direito internacional – seja de governos, seja das instituições comunitárias – não as encontrará. Bruxelas come e cala perante as constantes exibições de impunidade dos dirigentes israelitas e dos arruaceiros que os servem.
Os novos alojamentos traduzem a ampliação de colonatos já existentes em três regiões da Cisjordânia e, naturalmente, a expansão das zonas assim ocupadas. Os mais poderosos dirigentes mundiais continuam a falar na “solução de dois Estados” para a questão israelo-palestiniana enquanto, paulatinamente, o regime sionista prossegue o processo de anexação dos territórios onde deveria ser fundado um Estado palestiniano soberano e viável. Pelo que, cada vez mais, o “processo de paz” e o seu desfecho de “dois Estados” soa a história da Carochinha, com a diferença que nada tem de inocente. Quem insiste em narrá-la sabe que o faz enganando os ouvintes, porque é impossível não adivinhar o desfecho da mistificação se não forem tomadas medidas sérias para fazer prevalecer o direito internacional.
O facto de ser o Ministério da Defesa israelita a gerir a expansão dos colonatos é o testemunho mais evidente de que não se trata de uma operação comum de urbanização de terrenos loteados em espaço próprio, mas sim de um processo de ocupação realizado com apoio militar. Só não vê quem não quer ver e, a respeito da colonização israelita, os principais dirigentes mundiais são deliberadamente cegos e mudos. Dizem-se tão preocupados com o terrorismo e deixam que actuações como esta decorram sob os seus narizes.
Quanto à condenação à morte da ministra sueca dos Negócios Estrangeiros, vem estampada em letra de forma e em editorial no jornal israelita Makor Rishon (“De fonte segura”). Margo Wallstrom fez declarações condenando as execuções extrajudiciais de presos palestinianos, que, aliás, são do conhecimento da chamada “comunidade internacional” – esse é o crime que serve de base à sentença ditada pelo editorialista. Para este, a chefe da diplomacia sueca é “uma antissemita como foi Folke Bernadotte” e, escreve ele, “estou convencido de que conhecerá o mesmo fim”. O conde Folke Bernadotte, diplomata sueco, foi assassinado em 17 de Setembro de 1948 pelo grupo terrorista sionista Stern quando tentava negociar um cessar-fogo na Palestina entre os exércitos árabes e judaico.
Não creia o leitor que o jornal punitivo é uma qualquer folha de couve impressa e distribuída por lunáticos. Pertence ao grupo do magnata mafioso norte-americano Sheldon Adelson, senhor dos casinos com relações muito próximas do primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu. A senhora Wallstrom tem razões para se precaver e, ao mesmo tempo, fica a perceber que as cedências como as que recentemente fez a Marrocos e ao Ikea, a propósito do Sahara Ocidental, não a tornam mais imune a quem não olha a meios.
Dos Estados Unidos não haveria que esperar qualquer reacção a estes desmandos israelitas, que aliás fazem parte da rede de comportamentos minuciosamente fiada entre Washington e Telavive.
Já das instâncias e dos governos da União Europeu ainda seria possível alimentar a tímida ilusão de uma qualquer chamada de atenção. A notícia sobre novos colonatos, é certo, pode ser considerada um dado corriqueiro do dia-a-dia, tão banal que não merece o esbanjamento sequer do precioso tempo dos doutos telejornalistas; mas, que diabo, há incitamentos que ameaçam a vida de uma ministra de um governo da União. Não seria motivo para alguma solidariedade, pelo menos de outros colegas?
Santa ingenuidade a do escriba!
 

 

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

JUNCKER E O "PRINCÍPIO DO FIM" DA UNIÃO EUROPEIA


 
Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia, que ele próprio considera como sendo “a da última oportunidade”, declara-se alarmado com as “fragilidades” e as “rupturas” de que sofre a União Europeia e admite que a organização “não se encontra em bom estado”, podendo mesmo ter chegado ao “ princípio do fim”.
“Não é preciso ir muito longe para encontrar os responsáveis”, diz Juncker. E acusa “os governos dos Estados membros, que ele vê reféns “do nacionalismo e do populismo” quer “sejam de esquerda ou direita”. Um pequeno parêntesis para lembrar que quando o presidente da Comissão fala de “esquerda”, no linguajar eurocrata isso significa partidos socialistas e sociais-democratas na sua versão da gestão bipolar e monolítica dos assuntos europeus, visivelmente em decadência.
São duras e cruas as palavras de Juncker. Foram proferidas a 15 de Janeiro em Bruxelas, durante um encontro com jornalistas onde deixou desabafos autocríticos como este: “ a minha geração não é uma geração de gigantes””.
O diagnóstico não é novo. Está plasmado e visível na comunicação social, mesmo naquela que se diz “de referência” e para a qual a Europa não se discute, há que fazer o que Bruxelas manda, doa a quem doer, sabendo-se que dói sobretudo às maiorias dos menos favorecidos. O que surpreende, apesar de se conhecer o seu estilo informal quanto baste, é o tom da advertência do presidente da Comissão, que desta feita não poupou os governos e disparou um míssil na batalha institucional entre a Comissão e o Conselho.
Alguns analistas interpretaram as palavras de Juncker como uma manifestação de “pessimismo inteligente”, um método para espicaçar as instituições de maneira a que procurem soluções urgentes para os muitos problemas da União e expondo-lhes, ao mesmo tempo, um cenário de urgência, como quem diz que nada é eterno, nem mesmo a União Europeia. Citou quatro problemas que atingem em cheio os 28 – terrorismo, refugiados, a Ucrânia e a Grécia – não escondendo que deles e outros decorre uma “policrise” perante a qual detectou “tantas fragilidades e rupturas”.
O aviso, apesar de alarmante, teve pouco eco. Talvez por já prever que isso acontecesse, o presidente da Comissão Europeia desabafou que não tem “grandes ilusões” sobre o ano que começou. De facto, as circunstâncias dão-lhe razão, porque nem todos os responsáveis, a começar pelos de maior influência, parecem manifestar inquietação com o “estado da Europa” e resvalam, sem dúvida, para os terrenos movediços do nacionalismo e do populismo, os quais alastram - e parece que sem contenção - nos dois pilares da União, o chamado “eixo europeu” e também designado “a locomotiva da Europa”: França e Alemanha.
Em França, o presidente Hollande não usou uma única vez a palavra “Europa” no seu discurso de ano novo durante, no qual abundaram, ao invés, as inquietações sobre o estado da “pátria francesa”. O terrorismo é o culpado desta omissão, segundo os eurocratas, mas estes não têm ilusões de que no todo da mensagem está implícito – em forma de transigência - o efeito do impacto dos recentes resultados eleitorais conseguidos pelo neofascismo. Tendência que, numa demonstração prática das cedências ao populismo denunciadas por Juncker, o primeiro-ministro Manuel Valls reforçou ao anunciar que o estado de emergência no país será prorrogado até que “seja derrotado o Estado islâmico”, ou seja, por tempo indeterminado. Resumindo: a democracia está suspensa em França”.
Na Alemanha o panorama é diferente, mas as forças neonazis amadurecem a alta velocidade e ameaçam a prazo – que provavelmente não será longo – o status quo da senhora Merkel. O nazismo sempre latente na sociedade alemã encontrou agora nos refugiados o seu novo ovo da serpente e o partido Alternativa para a Alemanha (ADF), que só por meia dúzia de votos não teve acesso ao Parlamento em 2013 – antes da crise actual – prepara-se para entrar em força em três parlamentos regionais já em 13 de Março, instalando os primeiros marcos da alteração do mapa político do país. Analistas alemães advertem que na sombra desta emergência do Adf, anti União e anti refugiados, estão correntes influentes da CDU da chanceler, descontentes com o “centrismo” desta.
No meio destes problemas de fundo, outros do mesmo tipo se manifestam de maneira exuberante na Polónia, país que o diário espanhol El País designa como o “Kackzinskystão, de Jaroslaw Kackzinsky, o homem sombra que conduz e manipula a extrema-direita no poder, exercido em maioria absoluta com 37 por cento dos votos obtidos em abstenção de metade do eleitorado; e na Hungria, onde o regime ultranacionalista de Viktor Orban soma e segue na instauração da ditadura política, sob os olhares indiferentes, ou mesmo cúmplices, de Bruxelas.
Polónia e Hungria onde Bruxelas continua a despejar verbas equivalentes a 4% dos respectivos PIB enquanto regateia à décima o número do défice do projecto de orçamento elaborado pelo governo de Portugal. É assim que funcionam as instituições, alegarão os ortodoxos e fundamentalistas da União Europeia, mas talvez seja mesmo por isso, entre muitas outras incongruências, que a comunidade tenha chegado “ao princípio do fim”, não segundo as palavras de um qualquer infiel da liturgia europeia mas do próprio presidente da Comissão.    
 

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

A VIDA HUMANA É MAU NEGÓCIO


O governo da Suécia decidiu trocar a sua intenção de reconhecer a independência do Sahara Ocidental pela abertura de uma loja do Ikea em Casablanca, que o governo de Marrocos estava a dificultar, mantendo o negócio como refém. Aqui chegámos nesta Europa, que apregoa os “direitos humanos”, o “direito internacional” e a “liberdade política” mas logo deles se esquece quando está em causa um bom negócio, de preferência privado.
Não é novidade em lugar nenhum do mundo, nem mesmo no interior de Marrocos, o sofrimento em que vive a população do Sahara Ocidental, antiga colónia espanhola ocupada ilegalmente pelas tropas da monarquia de Rabat, sem que a ONU consiga fazer valer as decisões descolonizadoras que entretanto tomou.
Nos campos de refugiados em Tindouf, na Argélia, ou nos Territórios Ocupados, a população saharaui está submetida a um pariato e a uma repressão que esvaziam de conteúdo quaisquer direitos humanos, a começar pelo mais elementar, o direito à vida. Tortura, prisões arbitrárias e sem culpa formada, repressão da vida quotidiana que, não raramente, atinge a proporção de massacres são realidades do Sahara Ocidental, de quem se diz que “é a última colónia africana”, embora saibamos que para o dito ter validade haja que meter entre parêntesis as neocolónias, que são muitas através do continente.
Ora houve tempos, por exemplo entre 2012 e 2014, em que destacados partidos e políticos suecos, designadamente o Partido Social Democrata e os Verdes, se declararam inquietos com as atrocidades de que é vítima o povo saharaui, de tal modo que, no Parlamento de Estocolmo, se declararam favoráveis ao reconhecimento da independência do Sahara Ocidental.
Agora que são governo, sociais-democratas e verdes já tinham os instrumentos necessários para passarem da intenção à prática, o que seria um verdadeiro marco no cenário da União Europeia.
Das melhores intenções, porém, estão o mundo, a Europa e o inferno cheios. Eis então que o império comercial Ikea desenvolveu diligências para instalar mais uma das suas megalojas, agora em Casablanca, Marrocos. Tudo parece ter andado bem e depressa e só faltava praticamente cortar a fita; porém, contra todas as aparências, as portas tardavam em abrir. Até que o governo da Suécia, finalmente, pronunciou as palavras mágicas, sinónimos renovados do velho “abre-te Sésamo”: declarou que optou por “focar toda a sua energia” no “processo de mediação” da ONU no Sahara Ocidental, processo esse que “não seria ajudado pelo reconhecimento da independência” do território. Por isso, segundo a ministra dos Negócios Estrangeiros, Margo Wallstrom, “o governo da Suécia decidiu não reconhecer o Sahara Ocidental e prefere seguir as posições dos governos anteriores”.
Também não é segredo em qualquer lugar do mundo, e no interior de Marrocos, que o dito “processo” conduzido pela ONU é uma ficção. Há décadas que as instâncias de poder nas Nações Unidas aceitam e permitem todas as manobras dilatórias de Marrocos impedindo que seja convocado um referendo no qual os cidadãos do Sahara Ocidental decidam o seu destino. Referendo esse cuja realização é sustentada por várias resoluções do Conselho de Segurança, redigidas em letra morta. A ONU está para o Sahara Ocidental como está, na prática, para a Palestina, como esteve para a Líbia, o Iraque, a Síria, o Kosovo, a Bósnia-Herzegovina ou, se recuarmos mais de meio século, como esteve para a Coreia: inútil ou então fazendo pior quando intervém
O “processo” no qual o governo da Suécia promete “focar toda a sua energia” é o status quo que permite a tortura, o assassínio político, o universo concentracionário de campos de refugiados, a negação dos direitos de cidadãos que, segundo a Carta da ONU – mas só a Carta – nasceram “livres e iguais”.
Nos areópagos da diplomacia diz-se que a Suécia “suavizou” a sua posição em relação ao caso do Sahara, e tanto bastou para Marrocos levantar o bloqueio à abertura do Ikea de Casablanca. Em política dir-se-á que o governo sueco manifestou pragmatismo; em linguagem de todos os dias, Estocolmo virou o bico ao prego e sacrificou o direito internacional no altar do híper negócio da venda a retalho.
Amanhã, depois de amanhã, por tempo cada vez mais indeterminado, graças à ONU, o povo saharaui continuará a sofrer o seu martírio. Em compensação, o azul e amarelo do Ikea, tal como na bandeira sueca, brilharão resplandecentes também em Casablanca. Tudo está bem quando acaba bem: respeitou-se a vontade dos mercados – a vida humana é mau negócio.

domingo, 17 de janeiro de 2016

LÍBIA: DEPOIS DO TERROR, O TERROR


 

A NATO “está prestes a intervir na Líbia”, anuncia o secretário-geral da organização, Jens Stoltenberg. Segundo uma resenha obtida de várias fontes, a acção já começou: mil britânicos dos serviços de operações especiais estão no terreno; Londres reforçou com 10 Tornados e seis Typhoon o seu dispositivo aéreo em Chipre; comandos da Navy Seal dos Estados Unidos chegaram também à Líbia. Prevê-se que um total de seis mil marines norte-americanos e tropas de vários países europeus (da União Europeia) participem na operação, que envolve carros de assalto, artilharia pesada, aviação e forças navais. A NATO regressa oficialmente à Líbia, país que deixou em destroços, cinco anos e 120 mil mortos depois.
Há poucos dias, em 8 de Janeiro, o AfriCom, comando das forças norte-americanas em África, expôs o seu “plano quinquenal” de intervenção manifestando-se pronto para “afrontar as ameaças crescentes provenientes do continente africano”. Entre os objectivos está o de “concentrar esforços no Estado falhado da Líbia, contendo a instabilidade no país”.
Descodificando:
A NATO volta a intervir na Líbia, país que desmantelou há cinco anos “para instaurar a democracia”, agora, na verdade, para retomar o controlo dos campos petrolíferos que, um após outro, têm caído nas mãos da organização terrorista Estado Islâmico, ou Isis, ou Daesh, mercenários que no Magrebe, segundo a Interpol, são comandados pelo líbio Abdel Hakim Belhadj. Os extremistas ditos “islâmicos” encaminham-se agora de Syrte em direcção à maior refinaria do Norte de África, a de Marse-el-Brega.
Ao contrário do que aconteceu em 2011, a NATO ocupa-se agora também da guerra terrestre, e não é difícil perceber porquê: em primeiro lugar, os seus aliados de há meia década, os grupos terroristas que convergiram no Estado Islâmico, são agora seus rivais no controlo sobre as riquezas petrolíferas líbias, as maiores reservas de África; em segundo lugar, tratando-se de instalações petrolíferas não há que confiar em absoluto na “cirurgia” dos bombardeamentos aéreos, é preciso dar o corpo ao manifesto recorrendo a rambos de várias especialidades.
Petróleo é sempre petróleo e se em 2011 a NATO e os terroristas tomaram Tripoli graças a operações nas quais foram sacrificadas as vidas de mais de cem mil civis, agora é preciso recuperar as refinarias com os menores danos materiais possíveis, de preferência intactas, isentas de custos de restauração.
Formalmente a operação da NATO vai desenrolar-se sob comando italiano, a potência colonial tradicional da Líbia. Na prática decorrerá sob a cadeia de comando da NATO e controlo norte-americano. A aliança terá à sua disposição todas as bases e estruturas italianas, principalmente as de Vicenza e Nápoles, onde funcionará o centro de operações sob comando de um almirante dos Estados Unidos subordinado ao supremo comando aliado na Europa, também em mãos norte-americanas.
“Chegámos, vimos e ele morreu”, exclamou em risada aberta a cesarina Hillary Clinton, candidata presidencial então em funções de secretária de Estado de Obama, em 2011, depois do assassínio de Muammar Khadaffi. Uns tempos antes, o mesmo Khadaffi, em conversa telefónica com o primeiro-ministro britânico, Tony Blair, agora divulgada, preveniu que “se eu for derrubado será a jihad (“guerra santa”) na Líbia”, ou seja, o terror e o caos. Em 2011 quando os terroristas islâmicos tomaram o poder em Tripoli sob a protecção da NATO, a aliança nomeou comandante militar da capital o atrás citado Abdelhakim Belhadj, actualmente o chefe do Estado Islâmico no Magrebe e que há menos de dois anos foi recebido em Paris no Ministério dirigido por Laurent Fabius. Isto é, a NATO além de prevenida fez com que se cumprisse o vaticínio catastrófico do defunto.
A guerra da NATO regressa oficialmente à Líbia, onde nunca deixou de estar em cinco anos. Bem vistas as coisas, o Estado “falhado” líbio é apenas um pretexto e poderá continuar à espera, pois tem-se mantido assim desde que a Aliança Atlântica meteu as mãos no país. E a democracia já nem faz parte do discurso oficial.
É apenas terror, seja qual for o lado do conflito. É apenas petróleo.
 
 

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

BRUXELAS ENREDA-SE NA TEIA QUE CRIOU



A Comissão Europeia decidiu colocar pela primeira vez em movimento os procedimentos previstos no Tratado de Lisboa contra suspeitas de alegadas violações do Estado de Direito cometidas pelos Estados membros. O alvo escolhido é a Polónia, na sequência de decisões recentes do governo de extrema-direita que atingem a independência da Justiça e da Comunicação Social através de medidas de controlo do Tribunal Constitucional e dos média públicos.
Independentemente das razões para lançamento desde processo que, no limite, poderia conduzir à aplicação de sanções a Varsóvia, existe um contexto intrigante que não escapa aos bastidores de Bruxelas, onde se sabe que as relações entre a Comissão e a Presidência do Conselho, a cargo do polaco Donald Tusk, não são as melhores. Numerosos são os eurocratas para quem a abertura deste procedimento poderá conduzir a uma “argumentação de troca de culpas e acusações” sobre o comportamento padrão da União Europeia em matéria de Estado de Direito e diretos humanos, argumentação essa que acabará por enredar e diluir o processo.
“Dá-se enfase ao facto de esta ser a abertura do primeiro procedimento quando, na verdade, já é tardia e acabará enovelada na burocrática teia de interesses e contradições em que vive a União”, considera um funcionário da Comissão familiarizado com as questões que levaram o comissário Frans Timmermans a lançar o processo. O que o funcionário pretende dizer é que não faltaram à Comissão desde Março de 2014 – altura em que o mecanismo foi regulamentado - muitas razões para abrir processos contra outros Estados Membros relacionados com atitudes susceptíveis de desrespeitar o Estado de Direito. É o caso, por exemplo, da situação de ditadura política vigente na Hungria; das práticas de segregação de minorias linguísticas existentes na Estónia e na Letónia – idênticas à praticada pelo governo fascista da Ucrânia -; de numerosas medidas austeritárias contra populações indefesas aceites por governos às ordens das troikas, e até largamente excedidas, como aconteceu nos casos de Portugal e da Grécia; da discriminação de comunidades étnicas na Croácia; ou ainda da declaração do estado de excepção em França violando direitos elementares dos cidadãos. Sem esquecer o modo autoritário como a Alemanha utiliza as estruturas da União e a moeda única em proveito próprio.
O que se reconhece nas instituições europeias é que antes da Polónia outros governos deveriam ter ser alvo de procedimentos para avaliação de atitudes passíveis de violar o Estado de Direito. Sendo certo também, como lembra o mesmo funcionário, que as instituições europeias têm estado prioritariamente focadas nas “violações do direito dos mercados, assim confundido com o Estado de Direito, pelo que esta medida surge fora do contexto habitual”.
A primeira fase do processo relativo à Polónia, aberta no dia 13, é a de “avaliação e diálogo” entre Bruxelas e Varsóvia sobre as polémicas medidas que governamentalizam o Tribunal Constitucional e a comunicação social na Polónia, o que, neste caso, significa a implantação da censura. Depois seguir-se-á uma fase de “recomendações”, no caso de Bruxelas entender que existe incumprimento. Só depois se avaliará se haverá razões ou não para a aplicação de sanções.
O Partido da Lei e da Justiça, entidade da extrema-direita nacionalista que domina com maioria absoluta o panorama político polaco, reagiu com surpresa e acrimónia à atitude de Bruxelas, por não ser este o tom habitual usado pelas instituições europeias perante abusos de poder em Estados Membros. Segundo o governo de Varsóvia, trata-se apenas de um processo de informação “baseado em especulações surgidas na Europa Ocidental”. Para o ministro da Justiça polaco, Zbigniew Ziobro, governamentalizar o Tribunal Constitucional e os meios de comunicação social é “uma acusação injustificada e uma conclusão injusta”.
A Polónia é a 6ª economia da União Europeia e um pivot do rearmamento da NATO e do apoio à ditadura ucraniana num cenário geral e prioritariamente estratégico de pressão sobre a Rússia. “Este processo contra o governo de Varsóvia é completamente deslocado no tempo e nas realidades”, queixa-se um diplomata da NATO em Bruxelas.
O ambiente de polémica que envolve o procedimento, enquanto outras agressões ao Estado de Direito passam em claro, é o prenúncio de que, mais tarde ou mais cedo, a iniciativa dará em nada. Ao mesmo tempo que envolve a União Europeia na teia de contradições e de agressões a princípios democráticos que tem vindo a tolerar, o seu fracasso deixará campo ainda mais aberto para a anarquia absoluta na Europa em matéria de respeito pelo Estado de Direito. Se o caso polaco for o único sob a alçada de Bruxelas, o mais certo é terminar com vantagem para Varsóvia devido a uma espécie de jurisprudência tácita: por quê a Polónia e não os outros? Assim se criarão as condições para que o Estado de Direito venha a ser espezinhado no que resta da União Europeia porque, como revela o exemplo polaco, o que está a acontecer e estará para vir é ainda bem pior ainda do que o que ficou para trás.
A única atitude corajosa de Bruxelas, reconhecem experientes quadros das instituições europeias, seria abrir processos contra os múltiplos casos de violações do Estado de Direito em vigência na União, e não apenas contra a Polónia de Kaczinsky. Ora isso não passa pela cabeça de Timmermans ou qualquer outro membro da Comissão, a começar por Jean-Claude Juncker, porque até agora o seu forte e o dos seus antecessores tem sido a coragem contra os mais fracos, isto é, contra os povos e não contra os governos. A Polónia será apenas uma frágil excepção que virá confirmar a regra: a manipulação do conceito de Estado de Direito à medida de conveniências, interesse e circunstâncias.  
 
 

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

GRUPOS NAZIS INTEGRADOS NA NATO


 
 

Membro da Guarda Nacional da Ucrânia (foto AP)
Dezembro de 2015. A NATO e o governo instalado em Kiev pelas principais potências da aliança e da União Europeia anunciaram o “roteiro” para a integração da Ucrânia na organização militar comandada operacionalmente pelo Pentágono. O cerco europeu da Rússia pelas forças armadas às ordens dos interesses económicos, financeiros e militares dos Estados Unidos da América aperta-se; e quando se diz cerco está a falar-se de um passo fundamental de uma estratégia de guerra.
A palavra “roteiro” é enganadora, especialmente neste caso. Faria supor que ainda existem algumas etapas e percorrer para que a integração seja plena. Não é isso que acontece: falta apenas anunciar a adesão, na sequência de um “referendo” em relação ao qual as sondagens prevêem desde já um rotundo “sim”. Simples formalidades, portanto.
Antes que isso se concretize, o “roteiro” determina, desde já, a integração das forças armadas e da indústria militar da Ucrânia na estrutura da NATO – o que realmente interessa nestes casos. A partir de agora, afirma a Aliança Atlântica, a Ucrânia passa a ser “um dos mais sólidos parceiros da aliança, firmemente empenhado em realizar a democracia e a legalidade”.
Democracia, legalidade: duas palavras que dizem tudo sobre este acordo, que não passa da institucionalização de mais um protectorado político-militar da NATO e da União Europeia, a exemplo do que sucede no Kosovo, na Bósnia-Herzegovina e vem ocorrendo no Montenegro.
Quanto à democracia ucraniana, são muitos os exemplos de como é plena e vigorosa. O Partido Comunista acaba de ser ilegalizado, os símbolos comunistas proibidos, o acto de cantar a Internacional é punido com cinco a dez anos de prisão, jornalistas são assassinados por esquadrões da morte, foram encerrados dezenas de jornais, milhares de websites. No país onde foram reabilitados os carniceiros que colaboraram nas chacinas cometidas pelas tropas de Hitler, a área de defesa e de segurança é agora dirigida pela componente governamental nazi, escondida nas várias máscaras do Sector de Direita, da União Patriótica e dos grupos de assalto do tipo SA hitleriano, dos quais o mais conhecido é o Batalhão Azov.
O “roteiro” estabelece, portanto, a integração de forças organizadas nazis na estrutura militar da NATO, para defesa da “democracia” e da “legalidade”. No fundo, trata-se da formalização de uma cooperação que existe há muito. Em 2006, por exemplo, grupos de jovens ucranianos que vieram a destacar-se nos dias de terror na Praça Maidan – quando foi declarada a “libertação” do país – foram treinados em práticas terroristas numa base da NATO, na Estónia. Também não é novidade que centenas de instrutores da 173ª divisão aerotransportada da NATO, colocada em Vicenza, Itália, se deslocaram à Ucrânia para treinar os bandos nazis integrados na Guarda Nacional criada pelo novo regime. O assunto nem sequer é tabu para os súbditos da NATO em Kiev. Há menos de um ano, num programa da TV alemã, o embaixador do regime ucraniano em Berlim, Andriy Melnik, explicou que grupos neonazis como o Batalhão Azov, o Batalhão Donbass e o Sector de Direita integram de facto a Guarda Nacional, e com pleno direito, uma vez que sem eles o exército russo tinha chegado muito mais longe.
Teorização que nos leva da democracia para a legalidade subjacente à integração de Kiev na NATO. Sendo a Ucrânia um país em guerra civil, decorrente da limpeza étnica e cultural que o regime tenta efectuar nas regiões de língua russa, supõe-se que a integração da estrutura militar ucraniana na NATO terá como objectivo completar esse trabalho. Ou seja, a NATO achar-se-á dotada da “legalidade” para levar o poder de Kiev a todo o país, procurando dizimar a oposição dos ucranianos que têm o direito democrático de resistir às transformações arbitrárias impostas à sombra do golpe da Praça Maidan, na Primavera de 2014. Uma limpeza étnica que começou, aliás, com o massacre na Casa dos Sindicatos de Odessa, em 2 de Maio de 2014, cometido pelos bandos de assalto nazis – hoje na Guarda Nacional – massacre esse a que as estruturas dominantes no mundo fizeram vistas cegas e orelhas moucas.  
Hordas nazis integradas na estrutura militar da NATO. Aquilo que durante décadas foi secreto, clandestino, conhecido como “Gládio” e outras designações, é hoje assumido à luz do dia, em nome da democracia e da legalidade. E dirigentes da União Europeia curvam-se perante os avanços do fascismo, até em países que sofreram este regime na carne. Matteo Renzi, primeiro ministro de Itália que dizem ser “de esquerda”, saúda o presidente golpista ucraniano, Piotr Poroshenko, pela sua “sábia liderança”. Não há maior facilitadora do triunfo dos porcos que a prosápia amnésica dos irresponsáveis.

domingo, 10 de janeiro de 2016

VIOLÊNCIA DE ANO NOVO: UMA HISTÓRIA ALEMÃ MAL CONTADA


 

Os acontecimentos violentos em território alemão iniciados na noite de Ano Novo, principalmente nas cidades de Colónia e Hamburgo, estão envolvidos em contradições e deficiências de informação, que não parecem acidentais, contribuindo para agravar os sentimentos xenófobos e os comportamentos anti refugiados manobrados por grupos racistas e de extrema-direita.
Até ao momento há cerca 150 queixas formais de mulheres que dizem ser vítimas de agressões sexuais – violações em alguns casos – praticadas junto à estação ferroviária de Colónia, na cidade portuária de Hamburgo e também, de maneira mais isolada, em Bielefeld, Berlim, Estugarda e outras cidades, por indivíduos embriagados, actuando aparentemente em grupo, durante os festejos da passagem de ano. De acordo com as versões conhecidas, os criminosos agiram a coberto da escuridão aproveitando a confusão e o terror provocados através do lançamento de petardos.
Passados dez dias, as autoridades policiais continuam a ser parcas e indefinidas no esclarecimento dos factos. Tanto quanto se sabe, a única versão existente é a de que os agressores foram indivíduos do sexo masculino com “aparência árabe ou norte africana”. O ministro da Justiça, Heiko Maas, fala em “nova forma de criminalidade organizada”, não explicando em que dados assenta tal informação, do mesmo modo que a chanceler, Angela Merkel, garante que “não se trata de casos isolados”. O ministro do Interior, Ralf Jagger, constatou que o “movimento” foi organizado através das redes sociais.
Neste cenário, aproveitado agora através de múltiplas acções de mobilização e “esclarecimento” promovidas pelo partido nazi Alternativa para a Alemanha (AfD) e o movimento islamófobo Pegida, os partidos do governo e o próprio executivo prepararam medidas legislativas para facilitar o processo de expulsão de estrangeiros condenados por actividades criminosas e o cumprimento das penas de prisão dos eventuais condenados em cadeias dos países de origem, proposta esta do vice-chanceler Sigmar Gabriel, chefe do Partido Social Democrata.
Tais declarações e medidas surgem na sequência de factos que não foram esclarecidos e que tiveram como desenvolvimentos, para já, a demissão do chefe da polícia de Colónia.
Alguns jornais sublinham que a descrição de “aparência árabe ou norte africana” para identificar os participantes na “onda de violência” é suficiente para desencadear um clima de perseguição xenófoba aos imigrantes e uma travagem da chamada “política de portas abertas” criada pela Srª Merkel em relação aos refugiados. Ao que se sabe, há mais de um milhão de refugiados pretendendo ser acolhidos na Alemanha numa altura em que, segundo as entidades patronais, as necessidades da economia do país em mão-de-obra não qualificada são bastante inferiores.
Além disso, outros factos suscitam dúvidas na opinião pública. Os acontecimentos ocorreram na noite de 31 de Dezembro e só no dia 4, segunda-feira, a polícia e a comunicação social falaram da “onda de violência na noite de Ano Novo em Colónia e Hamburgo”. Em plena época da “informação em directo”, a sociedade alemã manteve-se no desconhecimento de factos gravíssimos durante todo um fim-de-semana prolongado. A tal ponto que a cadeia de TV ZDF se sentiu na obrigação de pedir desculpas aos espectadores por tal fracasso informativo.
No entanto, os relatórios policiais da noite de Ano Novo não registaram nada de anormal. Uma nota da polícia de Colónia divulgada no dia 1 dá conta de que a passagem de ano decorreu em “ambiente alegre, com celebrações na sua maior parte pacíficas”.
Testemunhas presentes junto à estação de Colónia revelaram à comunicação social que durante os festejos alguns indivíduos se excederam, obrigando a polícia a intervir a e conduzi-los para o interior da estação. Pouco depois os autores de distúrbios estavam de volta aos locais de onde foram retirados.
Logo que as notícias começaram a correr, a partir de dia 4, bandos organizados do AfD e do Pegida iniciaram as acções de rua contra imigrantes e refugiados, fazendo crer que os factos são consequência directa dos estrangeiros em território alemão, agravados pela entrada dos refugiados.
De acordo coma polícia, dos 32 indivíduos investigados por terem alegadas responsabilidades nos acontecimentos, 22 são refugiados – entre eles 9 argelinos e 8 marroquinos. Não há notícias de sírios envolvidos, a não ser a referência de um jornal a um detido que terá gritado, exibindo documentos: “sou sírio, têm de me tratar bem porque estou a convite da Srª Merkel”.
As acções de rua nazis e do Pegida prosseguem quotidianamente, provocando alguns confrontos com manifestantes antifascistas que denunciam o aproveitamento que está a ser feito a propósito de acontecimentos mal esclarecidos.
As autoridades policiais e políticas, porém, continuam reticentes em revelar em pormenor o que se passou na noite de 31 de Dezembro; no entanto, generaliza-se a opinião de que, fruto destes acontecimentos mal explicados, está a esbater-se rapidamente na Alemanha o espírito de boa vontade no acolhimento aos refugiados que se verificou durante o Outono perante a indisfarçada ira das poderosas comunidades racistas e xenófobas germânicas.
 

 

 

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

POLÓNIA INICIA "TERAPIA PELA CENSURA"



O novo governo da Polónia, que a púdica linguagem politicamente correcta dos meios de “referência” qualifica como “ultraconservador”, decidiu abrir o ano “curando o país de algumas doenças” através da instauração da censura oficial nos meios de comunicação públicos. Bruxelas anuncia que vai pensar e debater o assunto para depois, eventualmente, tomar uma decisão, que daqui a não se sabe quanto tempo poderá culminar na suspensão do direito de voto do país – ou seja, tal como na Hungria, a resposta não dará em nada, os intuitos censórios vencerão.
O Partido Direito e Justiça (PIS) que governa a Polónia há algumas semanas, aproveitando o caminho que foi aberto pela cruel política económica da extrema-direita neoliberal, é, em português comum, um partido fascista entre os muitos que vão tomando posições governamentais e próximas disso através de toda a Europa. É um partido semelhante ao Fidesz de Viktor Orban, na Hungria, dito ultranacionalista ou ultraconservador e que, para encurtar definições e traduzir a realidade, é simplesmente fascista. Tal como os seus aliados Jobbik, que praticam o terrorismo através de grupos de assalto organizados à imagem e semelhança das SA de Hitler.
O partido governante da Polónia, é certo, não implanta a censura criando uma equipa de coronéis armados de lápis azuis à maneira do antigamente, por exemplo em Portugal. O método é mais polido, assente em leis aprovadas pelas instituições no poder: transforma os meios de comunicação públicos, que são sociedades de direito comercial controladas pelo Estado, em instituições “culturais” gerida pelo Conselho Nacional dos Media, a criar. “Será o primeiro passo para curar o país de algumas doenças”, adverte Jaroslav Kaczinsky, o chefe do partido.
Uma dessas doenças, explicada pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Witold Waszcykowski, tem como sintoma o facto de a sociedade polaca caminhar no sentido “marxista” de “uma nova mistura de raças, um mundo de ciclistas e vegetarianos que só se interessa por energias renováveis e se opõe a todas as religiões, o que não tem a ver com as raízes polacas tradicionais”.
A União Europeia reage prometendo que a 13 de Janeiro iniciará o debate sobre a aplicação do “mecanismo do Estado Direito” a esta “suposta violação” pela Polónia, mas conhecendo o que se passou perante a implantação dos mecanismos da ditadura húngara, nada irá acontecer.
O Partido Direito e Justiça declara-se “eurocéptico”, mas cumpre papéis estratégicos que se tornaram fundamentais para a União Europeia no formato actual: é um aliado fulcral da política alemã, é um dos gendarmes que assegura a manutenção do regime fascista na Ucrânia, é um ponta de lança insubstituível nas acções de provocação à Rússia, governa uma grande potência determinante na transposição dos centros de decisão da União Europeia para Leste, sustenta as políticas agressivas e de tendência igualmente neofascistas dos países do Báltico e da Eslováquia. É significativo que o actual presidente do Conselho Europeu seja Donald Tusk, ex-primeiro ministro polaco e um dos maiores responsáveis para criação de condições que permitiram a subida dos fascistas ao poder no seu país.
Enquanto muitos políticos europeus debatem hoje a maneira de travar o passo à ascensão fascista de Marine Le Pen em França, o fascismo implanta-se sem restrições no Leste da Europa, a região onde tem raízes mais profundas e que não foram extirpadas durante os 70 anos que já passaram sobre o fim da última grande guerra.
 

sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

O MILAGRE OU A VIDA


 
Todos os anos o ano começa assim, com o dia internacional da paz: muita paz, muito amor, muita esperança, este ano houve até quem desejasse menos terrorismo. Os governantes e até os que os governam fazem discursos bonitos, prometem que agora é que vai ser, mais justiça, mais igualdade, mais trabalho pela paz, enfim uma vida nova e redentora.
Amanhã, como sabemos, tudo está na mesma, provavelmente um pouco pior. As mesmas guerras e mais algumas, a via-sacra dos refugiados a fugir do martírio e a esbarrar nas barreiras e cercas que os esmagam, direitos sociais e humanos dos cidadãos e das famílias em degradação contínua, as esperanças concretizadas representando uma ínfima parcela das malfeitorias cometidas.
O Papa fala, apela, e as suas mensagens entram por um ouvido e saem pelo outro não apenas dos malvados dos senhores da guerra, sabendo nós muito bem que estes não são apenas os bandidos armados que combatem pelas suas quintas, pelas suas regiões, pelo leilão dos bens que a natureza colocou na sua zona de influência, mas são-no também, e com acrescidas responsabilidades, os generais e chefes políticos da NATO e outras natos, que hipocritamente fazem da invocação de defender a arte de matar e a destreza de conquistar.
O ano novo começou igualzinho ao ano velho porque por muito bem-intencionados que todos sejamos, incluindo, nestas horas, todos os senhores da guerra, não é fazendo votos a cada uma de uma dúzia de passas engolidas, mudando de calendário e de agenda que o mundo se despovoa da cáfila de malfeitores que o destroem ora governando-o, ora apropriando-se em privado dos bens que são de todos, ora organizando as pessoas em exércitos e rebanhos ao serviço de interesses que não dizem respeito a cada individualidade que os compõe, ora poluindo-o enquanto asseguram que o irão despoluir com resultados que poderão talvez ser observados a partir de 2050, quem viver verá.
Acreditar que cada novo ano é capaz de trazer a paz é o mesmo que passar a vida inteira à espera de um milagre sabendo que milagres não existem, a não ser os que forem obra de cada um de nós. E se for juntando forças, ideias e convicções, tanto melhor. Isso não acontecerá num dia em que mudar o ano ou num dia internacional de qualquer coisa, mas sim quando finalmente existirem as forças e condições para nos vermos livres dos famosos donos disto tudo. Impossível? Impossíveis são os milagres: isto podemos tentar. É a escolha entre o milagre e a vida, entre a espera inútil e a acção capaz de produzir efeitos, até quando menos se espera.