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segunda-feira, 25 de abril de 2016

SACO AZUL


 
Segundo o Expresso, o Ministério Público tem em seu poder uma lista de nomes de pessoas a quem o Grupo Espírito Santo untou as mãos com avenças clandestinas pelo menos durante os últimos vinte anos. De acordo com a mesma fonte, as autoridades encontraram ainda uma fortuna de dois milhões de euros em notas armazenadas numa dependência usada pelo mesmo grupo.

Da lista dos beneficiários desse prestimoso saco azul fazem parte, ainda e sempre nos termos da notícia do semanário, políticos, autarcas, funcionários públicos, gestores, empresários e jornalistas, que dispõem de contas offshore onde amealham as retribuições subterrâneas e isentas de impostos, algumas delas bastante generosas, em troca dos favores prestados ao grupo especializado em actividades de latrocínio fino, polido e abençoado. E que nós, os contribuintes, continuamos a financiar sob a mirada severa e titular dos autocratas do Banco Central Europeu, que se recusam a prestar contas aos Parlamentos eleitos.

O Expresso revela que o conteúdo da lista é “explosivo”, adjectivação que não se presume exagerada. O rol não será mais que uma faceta do terrorismo de gravata e luva branca que há muito mina as nossas vidas, fazendo do 25 de Abril aquilo em que nunca deveria ter-se transformado.

Políticos, autarcas, funcionários públicos, gestores, empresários, jornalistas: as categorias onde se move a fina flor de quem gere efectivamente o país naquilo que ainda sobra do espaço de decisão absoluta sequestrado pela União Europeia. Quarenta e dois anos depois do primeiro dia da Liberdade, há neste recanto europeu um povo que tem de liberdade o pouco que escapa ao sistema de poder discricionário montado por tecnocratas não-eleitos e manipulado por polvos de corrupção onde vale de tudo um pouco: de políticos avençados por banqueiros ladrões à fuga organizada aos impostos; de propagandistas pagos para mentir a gestores peritos em falcatruas; de funcionários que minam o Estado por ordem da venalidade privada a empresários bem-sucedidos sobretudo na economia clandestina, a autarcas que vendem os votos dos cidadãos por maços de notas armazenadas sub-repticiamente.

É fundamental que os portugueses conheçam o conteúdo da lista. Não direi que será chegado o dia das surpresas, porque em matéria de poder abutre e cleptocrata já poucas coisas poderão suscitar espantação. Desse conhecimento, no entanto, poderão os cidadãos extrair pelo menos duas conclusões: quanto vale realmente o seu voto depositado nas urnas; e que essa lista será apenas uma entre outras num infecto pântano de podridão, sem contar as que funcionam sem terem versão escrita. Os beneficiários podem ter as contas no Panamá ou mesmo em offshores de boa cepa e mais à mão, talvez no Luxemburgo, quiçá na Holanda, provavelmente na Suíça, ou mesmo no Liechtenstein.

Porém, saber só por saber não obsta a que tudo continue na mesma, neste país que dizem de brandos costumes. É preciso agir, com as armas democráticas que ainda temos na mão. Foi também para isso que se fez o 25 de Abril.

Ou não?

quarta-feira, 20 de abril de 2016

O SEGREDO É A ALMA DA TRAPAÇA


 

Revela a comunicação social que o Banco Central Europeu proíbe o Ministério português das Finanças de fornecer à Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o BANIF as mensagens relacionadas com os escândalos deste banco.

Lendo as coisas como elas devem ser lidas, verifica-se que os deputados eleitos pelos portugueses, e que tentam fazer alguma luz sobre uma monumental burla que vai custar muito pão para a boca a esses mesmos portugueses, estão impedidos de proceder à investigação plena por ordem de um sujeito não eleito emitindo arbitrariedades do seu cadeirão de Frankfurt. Diz o senhor Draghi, aliás solenemente convidado pelo chefe de Estado português para baptizar o Conselho de Estado, que os deputados não podem conhecer o conteúdo das “trocas de ideias” realizadas sobre o assunto. Por que não podem, e não se fala mais nisso.

Lei da rolha, documentos rasurados do Banco de Portugal, manutenção a toda a força de Carlos Costa, o desqualificado e manobrista governador desta instituição, são apenas alguns dos comportamentos golpistas que estão à vista de todos mas impedem que venha a saber-se tudo sobre os assaltos aos nossos bolsos cometidos pela banca.

Draghi, figura grada da linhagem corrupta da Goldman Sachs, a mesma que faz o papel de Deus na Terra, e que operou como maestro da quadrilha de luxo que viciou as contas públicas gregas na antecâmara do flagelo a que os foram condenados os gregos, não hesitará em fazer o mesmo aos portugueses, se isso for útil aos vampiros da finança internacional.

Draghi é a prova provada de que o segredo é a alma da trapaça. E o BCE que ele dirige – instrumento do império pan-europeu alemão solidificado através da moeda única – é o exemplo descarado de que as semelhanças entre o regime em que vivemos às ordens de Bruxelas (e Frankfurt) e a democracia já nem sequer chegam a ser coincidências. Vivemos sob a ditadura do euro através da qual – é um simples exemplo – os deputados eleitos democraticamente só podem conhecer o que o ditador de turno, neste caso Mário Draghi, permite que saibam sobre o latrocínio instalado na banca.

Por muito que me apeteça saudar os esforços do governo português em funções e da Assembleia da República para porem um pouco de transparência na burla institucional que nos leva o que temos e, sobretudo, o que não temos, as suas boas intenções não passam de fisgadas contra uma parede de betão.

Não foi para isto que se fez o 25 de Abril. Lembram-se dele?

quinta-feira, 14 de abril de 2016

O MANOBRISMO É VÍCIO INCURÁVEL


 

O presidente do Banco Central Europeu participou na primeira reunião do novo Conselho de Estado da República Portuguesa.
Tal aberração pareceu normal à comunicação social oficial, que há muito perdeu as referências da soberania e cujo sentido crítico está limitado a qualquer beliscadura que seja dada na União Europeia e correlativos. Foi possível, até, detectar uma pontinha de orgulho por alguém tão revelante como o senhor Draghi ter descido do seu pedestal para aceitar dirigir-se a Belém.
O que aconteceu, porém, foi um gravíssimo acto de humilhação dos portugueses sob os próprios narizes, uma ingerência grosseira nos órgãos de soberania da República franqueada pelo “mais alto magistrado da nação” – não era assim que se dizia nos tempos da “democracia orgânica” dos padrinhos do actual chefe de Estado?
Zé Mário Branco, na sua “chulinha” desencantada, aquela em que “o mês de Novembro de vingou”, diria a propósito de mais este triste episódio, que “houve aqui alguém que se enganou”. Mas não: o equívoco é aparente e nada tem de inocente. O fabricante de factos políticos na TV catapultado para presidente da República continua a sua saga de manobrismo que lhe corre nas veias, e daqui em diante será sempre a refinar.
Mario Draghi, um tecnocrata ao serviço do regime de austeridade, veio a Lisboa com a missão de ilibar o governo anterior de todas as malfeitorias que fez aos portugueses, excedendo até Bruxelas nos atentados sociais cometidos; e dizer ao actual governo, aproveitando a porta aberta pelo presidente da República, “estou de olho em vós”, isto é, não caiam na tentação de emendar o caminho que vem de trás.
Foi esta a baixa manobra política organizada pelo presidente da República, em condições de absoluto desrespeito pela soberania de Portugal.
Mario Draghi é um dirigente não-eleito de uma instituição europeia que gere a moeda única dentro dos cânones não-democráticos e ao serviço de uma só potência da União, e que vêm da sua génese. Ninguém perguntou aos portugueses, por exemplo, se queriam a moeda única, se aceitavam os critérios de convergência e demais ingerências que não passam de instrumentos da austeridade.
Acresce que o não-eleito Draghi pertence à dinastia do terrorismo financeiro praticado pelo Goldman Sachs, a tal instituição que provocou a última crise e cujo presidente diz fazer “o papel de Deus na Terra” – pelos vistos a institucionalização da austeridade como regime político.
Draghi não foi um grumete do Goldan Sachs: desempenhou funções de vice-presidente e de director executivo, por sinal numa época em que a empresa martelava as contas públicas na Grécia que estão na origem do terrorismo social que continua a ser imposto ao povo grego, em parte por acção do Banco Central Europeu, presidido agora pelo mesmo Draghi.
Pelas mãos do chefe de Estado, foi este dirigente do submundo opaco das manobras da grande finança internacional que veio dar mais do que simples palpites na reunião inaugural do novo Conselho de Estado da República Portuguesa.
O carácter aberrante do acontecimento passou praticamente em claro aos portugueses, ao que parece entorpecidos de embevecimento com a actividade frenética do afamado politólogo-futurólogo transferido de Queluz para Belém.
O próprio governo, que em dois tempos levou uma rasteira sem bola, parece que nada sentiu.
Mas quem quiser perceber que perceba: o presidente da República Portuguesa tem agenda própria, orientada pela hora de Bruxelas, susceptível de funcionar como manobra capciosa para extravasar os seus poderes constitucionais – e não em benefício dos portugueses. O manobrismo político é um vício incurável.
 

terça-feira, 12 de abril de 2016

“DEMOCRACIA SOCIAL” À MODA DE HOLLANDE


 


A administração Hollande em França ainda não chegou ao seu destino de popularidade zero mas vai no bom caminho, e à velocidade de TGV, porque as sondagens mais recentes já ruíram para os 17%.
Em boa verdade, o presidente Hollande e o seu braço direito Manuel Valls, que parecem apostados em fazer aplicar a agenda política da fascista Le Pen, se calhar julgando que lhe retiram o tapete eleitoral, continuam com a popularidade em queda vertiginosa, só interrompida tragicamente pelos atentados terroristas. Nessas ocasiões, os seus índices subiram de maneira efémera, com base em declarações de guerra arrogantes e ocas, que os próprios sabem não resolver o problema – resultado que se torna também cada vez mais evidente para os cidadãos.
Quando se esfumam os vestígios de tais declarações que nada resolvem, o que fica é a imagem real da administração Hollande: tendência para eternizar o estado de excepção policial através de leis ordinárias e ataques sem dó nem piedade contra o trabalho, os trabalhadores, os desempregados e as multidões de jovens em busca do primeiro emprego.
A “reforma laboral” engendrada por Manuel Valls, e que tem como principal intérprete a ministra do Trabalho, Myriam El-Khoury, é uma obra-prima de fundamentalismo neoliberal criada pela administração “socialista” de Hollande. A ministra apresentou-a como um exemplo de uma coisa a que chamou “democracia social”, afinal uma falsificação da verdadeira democracia porque tem contra ela o mundo do trabalho e a seu favor apenas a fina elite do patronato gaulês.
Não é difícil expor, em traços largos, as linhas básicas da “reforma laboral” de Hollande, tanto mais que foi copiada da imposta em Espanha pelo neo-franquista Rajoy e, mal viu a luz do dia, logo conquistou a adesão parlamentar do grupo direitista do ex-presidente Nicholas Sarkozy. Maior facilidade patronal para despedir; poder discricionário das empresas em matérias como horários laborais, modificaçõs dos contratos, eliminação ou redução de direitos sociais em férias, descanso e desemprego; maior facilidade das empresas para se declarem em dificuldades económicas, como via para despedimentos colectivos; trabalhadores indefesos perante o jogo das transferências de empresas; agravamento do flagelo da precariedade laboral e da exploração do trabalho de formandos e estagiários; redução ao mínimo da capacidade de intervenção dos sindicatos; sobreposição absoluta dos acordos individuais ou de empresa sobre a contratação colectiva.
Mais de meio século depois, este conjunto de medidas nada fica a dever ao receituário aplicado pelos Chicago Boys no Chile de Pinochet, retomado por Margaret Thatcher, Ronald Reagan e sucessivos herdeiros, até à mais nova geração de Rajoy, Hollande, Valls.
A influente associação patronal Medef saudou o projecto como uma lei “no bom caminho”, torcendo agora o nariz perante supostas alterações, a que o próprio Valls se opõe a ponto de ter ameaçado demitir-se.
Acima de tudo, o olhar do actual governo francês sobre o trabalho, reproduzido no projecto de lei de “reforma laboral” e qualificado como exemplo de “democracia social” – o que quer que isso seja – é uma confissão de alinhamento pelas correntes de autoritarismo político ao serviço dos maiores interesses económicos e financeiros mundiais. Não é preciso consultar qualquer sondagem, nem ir ao âmago do movimento de contestação que percorre a França para saber que não foi em leis deste tipo que a maioria dos franceses votaram. Fica patente, mais uma vez, o que é a democracia para os principais dirigentes da União Europeia.
Quando há necessidade de adjectivar um termo que vale por si mesmo, como é “democracia”, existe a intenção de o distorcer, de o desrespeitar de alguma maneira. Hollande e Valls aplanam o caminho para o regresso em força de toda a direita francesa, neofascistas incluídos. É impossível que ignorem que será esse o resultado da sua gestão, pelo que só nos resta uma conclusão: levaram o papel muito a sério.
 
 
 
 

quinta-feira, 7 de abril de 2016

OPERAÇÃO “MADEIRA DE SICÓMORO”


 

O sicómoro é uma figueira-brava abundante desde sempre no Médio Oriente, de tal modo que tem ressonâncias bíblicas. Isso terá inspirado os assessores do presidente Barack Obama quando se tratou de baptizar a operação secreta através da qual a Casa Branca e o Pentágono, recorrendo ao poço sem fundo de petrodólares da Arábia Saudita e ao prestimoso aparelho de guerra da NATO, decidiram desestabilizar a Síria até ao estado em que se encontra.
Corria o ano de 2012. Depois de montado o mito de que existia um início de “primavera árabe” na Síria, começou a canalização em massa de bandos de terroristas e toneladas de armas e munições para o interior do país, através das fronteiras da Jordânia e da Turquia. Ao mesmo tempo, aviões de carga das ditaduras do Golfo despejavam armas para os mercenários já no terreno; e os comboios humanitários da ONU foram transformados em autêntico cash and carry de material de guerra para os infiltrados, por inspiração do secretário-geral adjunto da ONU, Jeffrey Feltman. Para os que nunca dele ouviram falar, é o comissário político norte-americano na organização, ex-alto funcionário do Departamento de Estado, encarregado da estrutura operacional do golpe de Estado fascizante na Ucrânia, quando já em funções nas Nações Unidas.
Estava no terreno a operação “Madeira de Sicómoro”. Saibam os que reagem a este tipo de informações sobre operações secretas acusando liminarmente os mensageiros de serem agentes das teorias da conspiração que, neste caso, também os repórteres do New York Times o são. Foram eles que descreveram em pormenor a trama clandestina, ainda não há dois meses.
Em traços largos, a operação decidida por Barack Obama, numa primeira fase dedicada à desestabilização política e, a partir de 2013, à “assistência letal” aos terroristas sem excepção, foi passada à prática pela CIA e financiada, “em vários milhares de milhões de dólares”, pela ditadura whaabita da Arábia Saudita, a doutrina fundamentalista islâmica que inspira os mais sanguinários grupos terroristas, entre eles a al-Qaida e o Estado Islâmico e os seus heterónimos regionais. Também o Qatar, os Emirados Árabes Unidos e a inevitável Turquia do fascista Erdogan se juntaram à operação.
Houve uma altura, ao que consta, que a Casa Branca pareceu recuar, pretendendo abrir excepções no auxílio à al-Qaida e ao Estado Islâmico. Contra isso se levantaram países árabes europeus na conferência dos “Amigos da Síria” realizada em 12 de Dezembro de 2012, em Marraquexe, Marrocos. O porta-voz dessa frutífera indignação contra o rebate de Washington foi o ministro francês dos Negócios Estrangeiros, Laurent Fabius, que só há pouco, e por doença, abandonou o cargo. Foram dele estas palavras históricas e lapidares: os membros da al-Nusra (heterónimo da al-Qaida na Síria) “estão a fazer um bom trabalho no terreno”.
Para pôr em Marcha a operação “Madeira de Sicómoro”, Barack Obama limitou-se a retomar uma velha prática de Washington ao recorrer à Arábia Saudita para financiar guerras e golpes de Estado. “Eles sabem o que obtêm de nós e nós sabemos o que obtemos deles”, é a versão da prosaica sentença “uma mão lava a outra” recitada ao New York Times por Mike Rodgers, um antigo representante republicano do Michigan. Se catarmos um pouco na História iremos encontrar esta simbiose entre Washington e Riade, entre os maiores pregadores da democracia e os seus mais descarados inimigos, por exemplo no apoio aos bandos armados na guerra civil angolana; na conspiração dos “contras” na Nicarágua; na institucionalização do banditismo no Afeganistão através dos “mujahidines” e da fundação da al-Qaida por Bin Laden; no esmagamento em sangue da “primavera árabe” no Bahrein; na destruição da Líbia, entregue operacionalmente à NATO.
É certo que a intervenção russa, fazendo em poucos meses os estragos nas hostes terroristas que a aviação norte-americana prometeu durante dois anos e nunca cumpriu, alterou as relações de forças na Síria. Moscovo e Washington definiram um cessar-fogo e Jeffrey Feltman foi afastado do dossier sírio. Consta que os comboios humanitários da ONU já não transportam armas para os terroristas. A paz, contudo, é uma miragem num país que em 2011 quase não tinha dívida externa e que agora chora 250 mil mortos, onde um em cada três sobreviventes é refugiado interno ou externo. Pelo que, também por isso, Barack Obama e os dirigentes da União Europeia e da NATO que o acolitam têm as mãos sujas, muito sujas mesmo, do sangue de seres humanos inocentes.
 
 

domingo, 3 de abril de 2016

A EUROPA À MERCÊ DE UM PADRINHO DO TERRORISMO



É provável que ao estabelecerem o recente e vergonhoso acordo com o regime turco sobre os refugiados os dirigentes europeus não se tenham apercebido do longo e trágico alcance da sua medida oportunista. Ao colocarem-se ao dispor do poder de chantagem de Recep Tayyp Erdogan, o presidente da Turquia, deixaram não apenas a União Europeia, mas todo o continente, à mercê de um dos principais patronos do terrorismo islâmico, um ditador que vem seguindo metodicamente uma via de poder absoluto e cujas ondas de choque não serão contidas no interior das fronteiras do seu país.

Erdogan não é um político, é um homem que crê ter uma missão superior. “A democracia é um eléctrico que apanhamos para nos levar até onde queremos, e depois descemos”, disse há 20 anos este homem que chefia um regime de índole totalitária, em relação ao qual a NATO não manifesta qualquer reserva, antes pelo contrário. Agora que chegou à presidência turca, em eleições adulteradas e nas quais dispôs do incentivo de dois milhões de euros doados pela ditadura da Arábia Saudita, Erdogan já suprimiu da comunicação social as vozes incómodas e, do palácio branco das mil e uma noites que fez erguer, prepara-se para consolidar a ditadura islâmica interna e institucionalizar, sem quaisquer limites, a marginalização da minoria curda.

De Erdogan sabemos, por exemplo, que tem um convívio habitual e familiar com Yassin al-Qadi, o príncipe saudita conhecido, pela própria ONU, como o “banqueiro da al-Qaida”, ligação que chegou a ser denunciada pela justiça e a polícia turcas, o que custou o saneamento imediato de todos os envolvidos; sabemos que tem dado guarida à logística do terrorismo no Médio Oriente, “moderado” ou “radical”, assegurando condições para o treino, armamento e infiltração na Síria, ou o transbordo aéreo para outros países, da Líbia ao Iémen, de milhares de mercenários islamitas que tanto podem servir o “Exército Livre da Síria”, como a Al-Nusra, heterónimo da al-Qaida, como o Estado Islâmico e os seus heterónimos, conforme calha ou lhe convém; e também sabemos que a Turquia é o entreposto privilegiado, com envolvimento de navios fretados por Bilal, filho de Erdogan, do petróleo roubado pelo Estado Islâmico, sobretudo no Curdistão iraquiano, e de cujo contrabando tira proveito para financiar os seus massacres.

O que talvez muitos desconheçam sobre Erdogan é de onde vem o seu espírito de missão. Ele é oriundo da milícia Milli Gorus, a organização dos “lobos cinzentos” fascistas a que pertencia, por exemplo, Ali Agca, que tentou assassinar o Papa João Paulo II em 1981. Os supremacistas formados nessa milícia pan-turca consideram-se herdeiros dos hunos de Átila e do espírito duro e insensível do lobo das estepes da Ásia Central, características de uma raça pura e superior que adoptou os Islamismo como instrumento de expansão e afirmação. Entre esta maneira de pensar e o arianismo de Hitler descubra as diferenças.

O espírito pan-turco tem-se manifestado regularmente na História do país pelos massacres de não-turcos, como os cometidos pelo sultão Abdulhamid II, no final do século XIX, e pelos “jovens turcos” – apesar do seu carácter secular – contra os arménios e outras comunidades de cristãos, entre 1915 e 1923. Erdogan crê chegado o seu momento, e o alvo preferencial são agora os curdos.

Foi a este homem, aliás com as costas sempre bem protegidas pela NATO, que os dirigentes da União Europeia entregaram a Europa em troca da contenção dos refugiados e do seu repatriamento à força, violando essas coisas anacrónicas como são o direito internacional e os direitos humanos. Erdogan exigiu a Bruxelas três mil milhões de euros por ano para conter os refugiados da guerra da Síria, mantendo o poder discricionário de lhes abrir ou fechar as fronteiras europeias quando lhe interessa, e a verba foi garantida. Os chefes europeus asseguraram-lhe ainda que vão acelerar a integração turca na União e suprimiram os vistos de circulação com a Turquia. Os operacionais da al-Qaida ou do Estado Islâmico passam, deste modo, a mover-se muito mais facilmente, por exemplo, entre o Oriente e Bruxelas, ou Paris, ou qualquer recanto europeu.

Aliás nota-se que o regime turco dispõe já de um agudo poder premonitório sobre acontecimentos trágicos na Europa. O diário Star, órgão oficial do erdoganismo, encheu a capa com a manchete “A Bélgica Estado terrorista” na manhã de 22 de Março, isto é, em simultâneo com os atentados de Bruxelas. A acusação do jornal baseia-se no facto de a Bélgica acolher comunidades curdas e autorizar as suas manifestações contra a opressão turca.

Enquanto impõe a austeridade feroz contra os povos europeus, a União Europeia passa a entregar três mil milhões de euros por ano ao fascista Erdogan, a fundo perdido e sem garantias. Juncker, Donald Tusk e os chefes dos governos da União não podem garantir-nos, a partir de agora, que esses três mil milhões não sirvam para financiar atentados cometidos pelos protegidos de Erdogan, chamem-se Estado Islâmico, al-Qaida ou “moderados”, algures, a qualquer momento, em qualquer lugar da Europa.

Pelo que somos forçados a concluir que a famosa “guerra contra o terrorismo” nos principais Estados europeus serve, em primeiro lugar, para impor, paulatinamente, uma sociedade policial.