OS
HERÓIS DA HEROÍNA
As Nações Unidas
revelaram em Dezembro passado que a área de terrenos dedicados à cultura de
ópio para fabrico de heroína no Afeganistão cresceu 60 por cento em apenas três
anos – de 2011 a 2014. Não será abusivo escrever que este enorme upgrade da
qualidade de vida dos traficantes de heroína – que não dos produtores de ópio
como devem supor – se processou nas barbas das tropas da NATO e dos argutos e
impiedosos agentes da DEA (brigadas supostamente anti-narcóticos) e da CIA,
sempre prontos a erradicar qualquer pozinho, ervinha ou miligrama suspeito.
Salvo melhor parecer,
alguma coisa não faz sentido. Ou o relatório das Nações Unidas está errado de
uma ponta à outra, tal como muitos outros documentos da mesma fonte que revelam
um agravamento exponencial da produção de heroína na fronteira entre o
Afeganistão e o Paquistão desde 2001, ano do início da invasão da NATO; ou os
agentes da DEA e da CIA dormiram em serviço, o que é feio.
Na busca de algum
esclarecimento em torno desta aparente anomalia, recuemos umas décadas no
tempo, até 1979. Nesse ano em que a administração Carter agonizava para abrir
as portas à luz libertadora neoliberal da administração Reagan, não entrava nos
Estados Unidos da América um miligrama de heroína produzida na fronteira entre
o Afeganistão e o Paquistão. Em 1984, tal lacuna fora preenchida: 54 por cento
da heroína injectada na sede do império tinha origem na região. E porquê?
Porque a CIA e respectivos partenaires tiveram o cuidado de privilegiar os
serviços de Gulbudin Hekmatiar, senhor da guerra e, à época, o maior traficante
mundial de heroína, quando se tratou de formar os grupos islamitas de “combatentes
da liberdade” para expulsar as tropas soviéticas. Registe-se que se iniciou
assim a sementeira da Al-Qaida.
John Millis, homem que
sabe o que escreve porque durante mais de 30 anos trabalhou para a cooperação clandestina
entre a CIA e os produtores e traficantes de heroína com fins democráticos e
libertadores, pois claro, explica como o negócio era, digamos, global quando
ainda não se falava sequer em globalização. Uma das companhias aéreas fretadas
para o transporte da “mercadoria” do Afeganistão, a Global International
Airways, também actuou no chamado escândalo Irão-Contras. Para os que
desconhecem ou não se recordam, eu resumo. Numa altura, mais uma, em que os
Estados Unidos tinham decretado sanções contra o Irão, que proibiam o
abastecimento de armas a este país, a Administração Reagan fazia contrabando de
material militar para Teerão e o dinheiro – clandestino, portanto – assim obtido
servia para financiar “combatentes da liberdade” na América Central, neste caso
contra a revolução da Nicarágua que acabara de despachar o ditador nazi
Anastacio Somoza, grande amigo de Washington.
Não se diga, porém, que
há má vontade do escriba. Os agentes da DEA e da CIA são capazes de limpar grandes
áreas onde se cultivam as tão valiosas ervas. Fizeram-no, por exemplo, na
Colômbia, recorrendo ao Roundup, esse produto tão milagroso como polémico que
faz a felicidade do gigante da contaminação mundial, a Monsanto, um dos
expoentes do complexo militar industrial que governa o império.
Porque não fazem os
agentes da DEA e da CIA a mesma coisa no Afeganistão? Saibam que é para não
prejudicar os pequenos produtores de ópio. Então porque não se preocuparam com
os pequenos produtores de coca na Colômbia? Talvez seja segredo de Estado, uma
coisa com que é sempre preciso contar nestes tão delicados assuntos.
Seja como for, mais de 90
por cento da heroína que corre mundo é produzida hoje na fronteira entre o
Afeganistão e o Paquistão e os pequenos produtores de ópio afegãos estão no
mesmo estado de pobreza em que sempre estiveram. Além da já conhecida matança
de centenas de milhares de pessoas, para mais alguma coisa serviram pois a
invasão e “reconstrução” do Afeganistão, obra que é o orgulho e cartão-de-visita
da NATO. A produção de ópio foi multiplicada por 33 desde 2001, atinge agora
8250 toneladas ano e proporciona um negócio de 200 mil milhões de dólares
anuais em heroína. Grande performance, reconheçamos, o seu a seu dono.
Simples, a heroína é feita com a mesma matéria-prima com que se faz a morfina, usada em cirurgias e em partes de outros medicamentos, e no fundo, alimenta a indústria quimica em geral, fazendo partes de mais compostos do que a cocaína.
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