PRIMÁRIAS
E PARTIDO ÚNICO
Senhoras e senhores vai
começar o grande leilão, o negócio da compra, venda e troca dos votos dos cidadãos
capaz de garantir que o imenso mercado universal continue a engordar, o alibi
quadrienal que encobre os maiores crimes e atrocidades globais em nome daquilo
que o sistema geral de propaganda pretende impor como democracia.
As primárias para as
eleições presidenciais norte-americanas ainda não estão no terreno mas há muito
que se jogam nos bastidores sujos e viciados do sistema de poder dos Estados
Unidos da América. Primárias que servem de inspiração e exemplo para as
tendências da moda da política do pacovismo europeu, sempre pronto e disponível
para aceitar o que os ventos sopram do outro lado do Atlântico como normas –
ordens é o termo mais provável - adequadas à estabilização dos mercados, afinal
o fim supremo da democracia, ao que consta.
Nos Estados Unidos da
América as eleições primárias destinam-se a escolher o agente político que num
dado momento e determinadas circunstâncias melhor serve os interesses do
complexo militar, financeiro e industrial que governa o país. Será também o
candidato a quem esses interesses pagarem mais, o que conseguir a melhor frase
de propaganda, o que distribuir mais chapelinhos e pins, o que acenar com mais
elegância e treinar a voz mais modulada, o que sorrir mais branco no retrato da
família feliz, o que soltar mais balões, o que lançar mais confetti. Presume-se
que os dois sujeitos ou sujeitas que cheguem à final sejam antagonistas quando,
em boa verdade, não passam de dois bicos de um mesmo cacete que é o partido
único.
E na Europa? Na Europa as
primárias correspondem ao significado da própria palavra, se entendida como o
primeiro passo para a subversão do sistema de partidos como base da democracia.
Fazer primárias é como beber do fino, é fazer parte do arco da governação, ou
arco da austeridade, ou arco da exploração mesmo para aqueles que dizem estar
fora dele mas gostam de esbracejar na sua espuma, numa triste e desoladora
babugem, convencendo-se que enganam outros uma vez que deixaram de enganar a si
mesmos.
As primárias são uma finta
soez à democracia, porque é praticada em falta. Onde se diz acrescentar
transparência contaminam-se vontades; onde se promete alargar pluralismo
afunilam-se escolhas; onde se garante esclarecimento cultiva-se propaganda.
Isto são as primárias à europeia, parentes pobres e ambíguos das congéneres americanas,
onde tudo se faz em grande até à burla final, na qual os cidadãos escolhem sem
ter escolha nenhuma. É, no fundo, isto que se pretende com as primárias na
Europa.
Parece exagero? Não se
iludam. Os partidos, por definição, representam partes de uma sociedade com
interesses diferentes, quantas vezes antagónicos. Ora nas primárias os partidos
abrem-se às escolhas dos alegados simpatizantes, conceito suficientemente vago
para nele caberem eleitores de outros partidos ou de partido nenhum numa
mistela entre os cadernos eleitorais nacionais e os do partido. Não é abertura
que se pratica, é contaminação; os partidos perdem identidade, abdicam dela.
Não é por acaso que os partidos praticantes das primárias deixaram de ter personalidade,
fundidos no venenoso caldeirão neoliberal, irmanados no arco da exploração.
Acresce que tais partidos
não se contentam em apagar quaisquer vestígios das suas origens e história em
nome da modernidade supostamente trazida pelas primárias. Querem impô-las como
lei aos outros partidos, os que não se deixam levar pelo discurso mistificador.
Não conseguem, de facto, disfarçar o seu encanto pela política única; não
disfarçam o quanto foram acometidos pela mentalidade de partido único.
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