Uma curta e
prévia declaração: nada me leva a duvidar das melhores intenções do actual
governo da Republica Portuguesa na sua saga para atenuar os efeitos nefastos de
anteriores governações na vida da maioria dos portugueses. Digamos que é um
governo “boa onda”, em linguagem de época, das suas boas intenções não está o
inferno cheio, chega até a ser um governo corajoso olhando às tendências
actuais no mundo.
Posto isto,
vamos ao enorme fosso que está aberto entre a vontade do governo e a realidade
que lhe é imposta e ameaça devorá-lo se o caminho continuar a ser o de tentar
harmonizar eternamente o que é inconciliável, isto é, proporcionar uma vida
mais desanuviada aos portugueses e, ao mesmo tempo, satisfazer a gula, sempre
insaciável, dos tubarões internacionais das finanças. Não vale a pena insistir
em satisfazer uns e outros, porque se é verdade que uns se contentam relativamente
com pouco, tendo em conta as atrocidades de que foram vítimas nos anos mais
recentes, aos outros nunca será suficiente o que lhes é concedido, exigirão
sempre mais e mais porque o que não toleram é a existência de governos como
este.
Há quem
diga, socorrendo-se de contas redondas, que as exigências chegadas de Bruxelas
e Frankfurt, dia após dia – e assim continuará a ser, tenhamos a certeza –
somam até agora 1700 milhões de euros de “correcções” ao orçamento do Estado
português. São “ajustamentos”, “temperos” contra previsões optimistas, medidas “preventivas”
por desconfiança dos cálculos do défice, carência das benditas “reformas
estruturais”, o sempre excessivo peso do Estado, excessivo até que seja
completamente privatizado – esse sim o objectivo final da “modernização” do
Estado em regime neoliberal.
Não sei se
já se deram conta – pelo menos a comunicação social não deu, alguma até pede
mais pois chega a estar a favor das sanções contra o país – de que todos os
dias, é mesmo todos os dias, há novas exigências orçamentais impostas por
Bruxelas ou pelos seus braços tentaculares.
No entanto,
é do orçamento do Estado português que se trata. Ou seja, o governo de Portugal
e o Parlamento de Portugal não decidem sobre o seu principal instrumento de
governação com repercussões na vida dos portugueses. A Comissão Europeia, o
Conselho Europeu, o Banco Central Europeu terão sempre a última palavra, isto
é, direito de veto. A democracia pode ter determinado a mudança de governo em
Portugal, mas a lei continua a ser a austeridade – essa é a política única
imposta pelo sistema ditatorial de que se muniram as instituições europeias
através de Maastricht, da moeda única, do Tratado de Lisboa, do Tratado Orçamental,
do Semestre Europeu e outros quejandos atentados à democracia e à soberania dos
povos.
Falar em
independência nacional dos Estados membros da União Europeia é absurdo; falar
em soberania democrática dos povos é invocar a mais refinada das ficções.
Os
portugueses conhecem muito bem os dirigentes e as forças políticas que, entre
nós, são cúmplices da hipoteca dos interesses nacionais e dos cidadãos assumida
à revelia de qualquer consulta aos eleitores. Os dirigentes actuais do Partido
Socialista, que tiveram a coragem de adoptar a existente fórmula de governo,
estão infelizmente a percorrer o caminho minado que lhes foi deixado por essa
aberração da democracia política que é o Bloco Central, espécie de partido
único aliás em extinção pela Europa afora.
Ao caminhar
por uma senda sem escapatória, insistindo em contornar cada novo obstáculo que
é inventado para o fazer desistir, o actual governo de Portugal acabará por
perceber que avança por um beco sem saída.
Oxalá
perceba a tempo que o caminho é outro. Exige, é certo, muito mais coragem e a
consciência de que a arte de conciliar o interesse dos portugueses com as
exigências sucessivas e intermináveis dos agentes do poder financeiro
internacional não dura sempre, tem limites. Trata-se de devolver aos
portugueses a soberania democrática que lhes foi usurpada, traiçoeiramente em
nome da defesa da democracia. Ao contrário do que argumentam os bem-pensantes
que se incomodam com qualquer contestação a Bruxelas, não se trata de
nacionalismo estreito. Seria, tão só, restauração de um elemento básico de
cidadania, entretanto transformado num patético adereço de faz de conta, um
pechisbeque.
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