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quinta-feira, 19 de maio de 2016

A SOBERANIA E O PECHISBEQUE


 
Uma curta e prévia declaração: nada me leva a duvidar das melhores intenções do actual governo da Republica Portuguesa na sua saga para atenuar os efeitos nefastos de anteriores governações na vida da maioria dos portugueses. Digamos que é um governo “boa onda”, em linguagem de época, das suas boas intenções não está o inferno cheio, chega até a ser um governo corajoso olhando às tendências actuais no mundo.
Posto isto, vamos ao enorme fosso que está aberto entre a vontade do governo e a realidade que lhe é imposta e ameaça devorá-lo se o caminho continuar a ser o de tentar harmonizar eternamente o que é inconciliável, isto é, proporcionar uma vida mais desanuviada aos portugueses e, ao mesmo tempo, satisfazer a gula, sempre insaciável, dos tubarões internacionais das finanças. Não vale a pena insistir em satisfazer uns e outros, porque se é verdade que uns se contentam relativamente com pouco, tendo em conta as atrocidades de que foram vítimas nos anos mais recentes, aos outros nunca será suficiente o que lhes é concedido, exigirão sempre mais e mais porque o que não toleram é a existência de governos como este.
Há quem diga, socorrendo-se de contas redondas, que as exigências chegadas de Bruxelas e Frankfurt, dia após dia – e assim continuará a ser, tenhamos a certeza – somam até agora 1700 milhões de euros de “correcções” ao orçamento do Estado português. São “ajustamentos”, “temperos” contra previsões optimistas, medidas “preventivas” por desconfiança dos cálculos do défice, carência das benditas “reformas estruturais”, o sempre excessivo peso do Estado, excessivo até que seja completamente privatizado – esse sim o objectivo final da “modernização” do Estado em regime neoliberal.
Não sei se já se deram conta – pelo menos a comunicação social não deu, alguma até pede mais pois chega a estar a favor das sanções contra o país – de que todos os dias, é mesmo todos os dias, há novas exigências orçamentais impostas por Bruxelas ou pelos seus braços tentaculares.
No entanto, é do orçamento do Estado português que se trata. Ou seja, o governo de Portugal e o Parlamento de Portugal não decidem sobre o seu principal instrumento de governação com repercussões na vida dos portugueses. A Comissão Europeia, o Conselho Europeu, o Banco Central Europeu terão sempre a última palavra, isto é, direito de veto. A democracia pode ter determinado a mudança de governo em Portugal, mas a lei continua a ser a austeridade – essa é a política única imposta pelo sistema ditatorial de que se muniram as instituições europeias através de Maastricht, da moeda única, do Tratado de Lisboa, do Tratado Orçamental, do Semestre Europeu e outros quejandos atentados à democracia e à soberania dos povos.
Falar em independência nacional dos Estados membros da União Europeia é absurdo; falar em soberania democrática dos povos é invocar a mais refinada das ficções.
Os portugueses conhecem muito bem os dirigentes e as forças políticas que, entre nós, são cúmplices da hipoteca dos interesses nacionais e dos cidadãos assumida à revelia de qualquer consulta aos eleitores. Os dirigentes actuais do Partido Socialista, que tiveram a coragem de adoptar a existente fórmula de governo, estão infelizmente a percorrer o caminho minado que lhes foi deixado por essa aberração da democracia política que é o Bloco Central, espécie de partido único aliás em extinção pela Europa afora.
Ao caminhar por uma senda sem escapatória, insistindo em contornar cada novo obstáculo que é inventado para o fazer desistir, o actual governo de Portugal acabará por perceber que avança por um beco sem saída.
Oxalá perceba a tempo que o caminho é outro. Exige, é certo, muito mais coragem e a consciência de que a arte de conciliar o interesse dos portugueses com as exigências sucessivas e intermináveis dos agentes do poder financeiro internacional não dura sempre, tem limites. Trata-se de devolver aos portugueses a soberania democrática que lhes foi usurpada, traiçoeiramente em nome da defesa da democracia. Ao contrário do que argumentam os bem-pensantes que se incomodam com qualquer contestação a Bruxelas, não se trata de nacionalismo estreito. Seria, tão só, restauração de um elemento básico de cidadania, entretanto transformado num patético adereço de faz de conta, um pechisbeque.
 

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