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quarta-feira, 11 de maio de 2016

ÁUSTRIA OUTRA VEZ


 
Dizem que a História não se repete; ou que se repete como farsa. Porém, ninguém pode garantir, apesar de asserções tão veementes, que ela não se repita como tragédia. Pode acontecer, parece mesmo que já está a acontecer sob os circunspectos narizes das eminências da União Europeia, porém tão ocupadas a estrangular a Grécia, a decifrar os oráculos de arbitrariedade do BCE e do Eurogrupo, a subverter as vontades legítimas dos portugueses, a devolver refugiados aos campos da morte, a minar o voto referendário dos britânicos, a bajular o sultão turco, a pretender caçar terroristas que não precisam de extraordinários talentos para estarem sempre dois passos à frente da parafernália de espionagem virada contra a privacidade do cidadão comum.

Adolf Hitler era austríaco, recorda-se. Isso não quer dizer que a Áustria seja um berço de führers nazis; mas também não se pode garantir que a semente geradora de um se tenha tornado improdutiva. Porque quando se lêem resultados eleitorais onde um herdeiro político do criminoso que desencadeou a Segunda Guerra Mundial atinge os 35 por cento à primeira – mais uns pozinhos do que os nazis alemães obtiveram no sufrágio que lhes ofereceu o governo em 1933 – deduz-se que o caso é de monta, deveria ser levado a sério.
Sobretudo porque não é um caso isolado na Europa, embora tenha a enorme carga, e não apenas simbólica, de ter emergido na Áustria. Há os bandos da senhora Le Pen em França; o governo e os seus grupos de assalto fascistas na Ucrânia, entronizado um pela santíssima aliança entre a União Europeia e os Estados Unidos, treinados outros por militares norte-americanos, na reserva ao que dizem; há também as maquinações governamentais fascistas nos países nórdicos e bálticos; os garrotes do nacionalismo aristocrático ultramontano com que os governos polaco e húngaro asfixiam metodicamente os seus povos; há ainda o imperador pan-turco Erdogan, o garante de que as guerras no Médio Oriente estão para durar enquanto brinca com as vidas de milhões de fugitivos, abrindo-lhes ou fechando-lhes as portas da sobrevivência com as mãos untadas pelo dinheiro surripiado aos contribuintes europeus.
Para lá do Atlântico, Trump reina como um vingativo salvador de desvalidos e descontentes sobre o pântano republicano e a criminosa mentira democrática; nas Filipinas triunfa eleitoralmente El Castigador, o nacionalismo terrorista que comanda hordas de esquadrões da morte invocando a injustiça social, assustadora, que as “elites políticas” – assim lhes chama – têm aprofundado usando o Estado como se fosse coisa sua.
Na Venezuela, na Argentina, no Brasil, amanhã na Bolívia, quiçá no Uruguai, os fascistas outrora com fardas de generais e carrancas de carrascos, hoje de polo de marca, ou de fato e gravata e sorriso de gel, estão a dar largas ao ódio de vingança há muito acumulado contra as transformações democráticas e populares, comandados, como sempre, pela batuta de Washington.
Tudo isto acontece, aqui e lá, sobre os escombros dos sistemas tradicionais de poder, entre eles o tão famoso “bloco central” em que a sanguessuga neoliberal assentou o seu regime, usando a democracia para subverter a democracia. A realidade não é assim tão simplista, tem variantes, mas o que conta são os resultados: alargamento do fosso das desigualdades, mais milhões empurrados para junto dos milhões de deserdados, a fome e as epidemias alastrando, centenas de milhões de seres humanos à deriva pelo planeta, e o mundo nas mãos de meia dúzia de eleitos que ninguém elegeu e que usam a Terra como o seu quintal, manejando os cordelinhos das marionetas políticas – parece ter chegado o momento em que só as genuinamente fascistas lhes servem.
Enquanto isto acontece, a comunicação social dominante oferece-nos uma realidade paralela embalada no basbaquismo das maravilhas tecnológicas, e assim transforma a ficção em vida para consumo, na mais conseguida e universal das lavagens aos cérebros.

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