O que está a
acontecer no Brasil é, obviamente, um golpe de Estado. Desta feita os militares
tiveram quem fizesse por eles o trabalho sujo da usurpação dos poderes
executivos e não tardará que fiquem expostas, para quem esteja disposto a
lê-las, as verdadeiras motivações dos golpistas.
É um golpe, porém não é caso isolado nem original. Assistimos a um processo de reviralho na América Latina que tem como objectivo indisfarçado a aniquilação de todas as transformações sociais e estruturais que ameaçaram o sistema de rapina montado pelas oligarquias económicas e financeiras orientadas pela mais poderosa entre elas, o complexo militar e industrial governante dos Estados Unidos da América do Norte - e de boa parte do mundo.
Os governos
de países latino-americanos que de alguma maneira ousaram contestar e transformar,
numa perspectiva soberana, os hábitos políticos submetidos às directivas
chegadas de norte vão caindo como um castelo de cartas. Recordemos o golpe
sangrento e à moda antiga praticado nas Honduras, sob comando clandestino da
senhora Clinton; a inversão da tendência eleitoral na Venezuela longamente
tecida pelos agentes fascistas sob orientação da Secretaria de Estado de
Washington e da CIA; a silenciosa conspiração, costurada através da asfixia
financeira, que recentemente triunfou em eleições na Argentina; e agora o caso
do Brasil, por sinal replicado do que há quatro anos pôs termo, no Paraguai, à
administração democrática do presidente Fernando Lugo. Muitos já não se
recordarão, nestes tempos de memórias curtas e lavagens cerebrais ensaboadas
pelas centrais multinacionais de propaganda, as mesmas que são instrumentos
indispensáveis dos golpes – o caso da Rede Globo no Brasil é paradigmático mas
não o único – de como se deu a “correcção de rumo” no Paraguai. Em Junho de
2012, o Congresso de Assunción, onde residem as principais famílias
oligárquicas e corruptas, herdeiras dos privilégios fundiários e financeiros da
sinistra ditadura de Stroessner, derrubou o presidente Fernando Lugo num
processo de “impeachment,” em nome do combate à corrupção, e serviram-se do
vice-presidente Federico Franco para o substituir.
A semelhança
com o que está a passar-se no Brasil não é simples coincidência, sabendo
qualquer cidadão medianamente informado que, tal como no Congresso de Assunción,
é no Senado de Brasília que assentam os principais beneficiários da enorme
irmandade da corrupção. Se o golpe no Paraguai teve a bênção de Obama, como
veio a provar-se, a semelhança metodológica seguida no Brasil, em que a teia
corrupta se apossa das rédeas do poder em nome do combate à corrupção, é um
caso típico de gato escondido com o rabo de fora. O que é absolutamente
caricato, e exemplar quanto ao cariz estupidificante da mensagem que sustenta o
golpe no Brasil, é a caracterização dos golpistas como justiceiros com as mãos
limpas, supostos anjos de um exército de pureza para liquidar a corrupção no
país, pelos vistos nascida nas gestões de Lula e Dilma. A memória social pode
ter sido encurtada, a brutificação fruto da propaganda ganha terreno, mas há
realidades que estão acima de tudo isso, e a corrupção como fenómeno endémico
no Brasil é uma delas.
Agora há que
aguardar novos episódios desta saga vingativa, tutelada militarmente pela
ressuscitada quarta esquadra norte-americana, a que patrulha a América Latina.
Equador, Bolívia e Uruguai que se cuidem.
Nestes
países, a conspiração golpista está em actividade permanente; ficou conhecida,
por exemplo, a tentativa de secessão na Bolívia montada pelo diplomata
norte-americano autor da estratégia de criação do Kosovo, e depois colocado por
Obama em La Paz, por certo para tirar proveito do seu know-how. O processo não
vingou, mas agora a correlação de forças regional alterou-se radicalmente.
Uma nota
comum a todos estes golpes, para que conste. As manobras políticas,
diplomáticas, e também militares, que têm sido aplicadas na América Latina derrubam
governos democráticos livremente eleitos por sufrágio directo e universal. Tal
como no Chile de Allende, em 1973. É escusado invocar o primado da democracia
como motivação. Com ou sem farda, são golpes de Estado contra a democracia.
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