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domingo, 7 de fevereiro de 2016

PROSSEGUEM AS PURGAS NO GOVERNO FRANCÊS


 
Manuel Valls e Christiane Taubira

A demissão da ministra da Justiça, Christiane Taubira, e respectiva substituição por Jean-Jacques Urvoas, considerado o ideólogo da lei de espionagem em massa das comunicações entre os cidadãos franceses, é o mais recente acto da purga que tem vindo a ser feita no governo de Manuel Valls, sob a tutela do presidente Hollande.
Taubira era considerada uma espécie rara, o derradeiro vestígio da esquerda e dos defensores das chamadas “causas fracturantes” no governo de François Hollande. Foi desautorizada pelo chefe de Estado e pelo primeiro-ministro através da adopção da lei que retira a dupla nacionalidade aos “terroristas” nascidos em solo francês, que ela prometera não deixar aprovar. Restou-lhe demitir-se, embora corra em Paris a versão de que foi demitida. “Deve haver uma coerência na acção empreendida”, disse o presidente francês a propósito da saída da ministra da Justiça.
A “acção empreendida” é a institucionalização do estado de excepção decretado após os atentados de 13 de Novembro, que tinha inicialmente uma duração prevista de três meses e agora, segundo uma declaração recente do primeiro ministro-ministro Manuel Valls, será prorrogado por tempo indeterminado, “até à derrota do Estado Islâmico”.
A lei que provocou a queda de Christiane Taubira faz parte do arsenal de reivindicações da Frente Nacional, a organização neofascista de Marine Le Pen e que, segundo as sondagens, continua a reunir a maioria das intenções de voto dos franceses. Segundo Taubira, a lei que retira a dupla nacionalidade “não é desejável e a sua eficácia é ridícula”. Jean-Luc Mélenchon, dirigente do Partido da Esquerda, comentou a situação no Twitter: “outra proposta da Frente Nacional e da direita recuperada por Hollande: mandar embora Christiane Taubira”.
As purgas são uma constante da vida do governo de Hollande, cada vez mais entregue a um núcleo duro afecto ao primeiro-ministro Manuel Valls e à sua gestão autoritária, num quadro de excepção em que a democracia foi colocada entre parêntesis.
A participação dos ecologistas já tinha terminado, com a saída do governo dos dois ministros que representavam os Verdes; posteriormente saíram três ministros socialistas, contestando a implantação da política da austeridade e a adopção dos cânones económicos e políticos neoliberais. Foi o caso do próprio ministro da Economia, Arnaud Montebourg, e também de Amélie Filipetti e Benoît Harnon.
Agora chegou a vez de Christiane Taubira, “o resíduo de esquerda remanescente”, como escreve a imprensa francesa.
Tanto ou mais simbólica que a demissão da ministra da Justiça é a designação do seu sucessor. Jean-Jacques Urvoas, um próximo de Manuel Valls, é o autor da chamada “lei celerada”, o conjunto de medidas aprovadas em Maio e que institui um sistema de espionagem interna e externa que permite controlar todo o tipo de comunicações entre os cidadãos, à revelia do aparelho judiciário e sem qualquer controlo democrático. A lei antecipou-se ao estado de excepção e veio tornar-se no instrumento essencial da sua aplicação.
Em França agudizam-se as tensões sociais resultantes, simultaneamente, da degradação das condições de vida provocadas pela crise económica e da repressão imposta aos direitos de manifestação e de greve, a pretexto do “combate ao terrorismo”.
Indiferente a essa ebulição, focado apenas na sua interpretação da questão do terrorismo, o governo decide segundo as sondagens, as quais definem como perfil político ideal o conservador que se aproxima das reivindicações xenófobas da Frente Nacional.
É nessa linha que deve interpretar-se a designação de Jean-Jacques Urvoas, o novo ministro da Justiça para quem o homem que denunciou a espionagem praticada pelos Estados Unidos, Edward Snowden, é “um idiota útil ao serviço de grupos terroristas”.
Ao mesmo tempo, segundo as sondagens, o ministro em alta no governo de Hollande é o do Interior, Bernard Cazeneuve, para quem “a vida privada é outra coisa, não se trata de uma liberdade individual”. De Cazeneuve sabe-se, por exemplo, que mentiu deliberadamente sobre o caso do assassínio de um manifestante pela polícia durante o protesto público contra a construção de uma barragem.
Tal atitude, porém, em nada beliscou a capacidade de manobra. A coberto do estado de excepção, as suas diligências nas semanas mais recentes redundaram num balanço de 3234 registos arbitrários de pessoas sob suspeita de terrorismo e a reclusão domiciliária de 406, sem qualquer intervenção das autoridades judiciárias.
Não admira que, mesmo nos meios socialistas descontentes com a estratégia de Hollande, reine a convicção de que este é o caminho ideal para promover a ascensão dos neofascistas aos instrumentos do poder em Paris.

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