A notícia passou quase despercebida, mas ainda assim causou
algumas dúvidas e perplexidades: a Arábia Saudita e a Rússia, arqui-inimigos de
longa data, assinaram um acordo de cooperação nuclear para fins pacíficos. Em
termos mais prosaicos: a petromonarquia comprou 16 centrais nucleares a Moscovo
para entrarem em funcionamento dentro de meia dúzia de anos.
Isto é, o maior exportador mundial de petróleo decidiu
poupar nos combustíveis fósseis, aproveita a tecnologia associada para
desenvolver projectos de dessalinização de águas e elegeu como parceira uma
empresa tutelada pelo governo do infiel Vladimir Putin.
É assim, tal e qual. Mas a notícia não passa de um pequeno
abalo, uma simples réplica do enorme e silencioso tsunami que por estes dias
atinge o Médio Oriente.
O epicentro do magno sismo, como já se focou nestas linhas,
é a próxima assinatura de um acordo (que são pelo menos dois) entre outros
arqui-inimigos, os Estados Unidos da América e a República Islâmica do Irão. Para
consumo geral, um dos acordos é o chamado 5+1, que teoricamente acaba de vez
com o mito das nunca existentes ambições iranianas ao nuclear militar; outro é
bilateral e traduz uma espécie de partilha de zonas de influência
norte-americanas e iranianas em amplos espaços do Médio Oriente, com
repercussões colaterais, que podem ou não ser danosas, consoante a perspectiva.
Rezam as fugas de bastidores que os Estados Unidos
reconhecerão tacitamente as zonas de influência do Irão em dois terços do Iraque,
na Síria, em grande parte do Líbano; em contrapartida, Teerão conforma-se em
não “exportar” a revolução islâmica.
Os Estados Unidos e o Irão vêm negociando secretamente este
acordo em paralelo com as conversações internacionais realizadas na Suíça. O
que praticamente não se sabia até aqui é que, também em paralelo, Israel e a
Arábia Saudita já realizaram pelo menos cinco sessões de negociações secretas,
a primeira das quais na Índia. Pode dizer-se até, sempre segundo as fugas de
bastidores, que as negociações já deram frutos, uma vez que pilotos israelitas
comandam bombardeiros sauditas nos massacres cometidos no Iémen, prenúncio de
uma cooperação muito mais profunda em perspectiva entre o Estado
fundamentalista hebraico e o Estado fundamentalista islâmico. Ao que se sabe, o
quartel-general israelita para esta operação foi instalado na Somalilândia, um
Estado fantasma.
Todos estes abalos são frutos do entendimento-base entre os
Estados Unidos e o Irão, a assinar muito em breve. O acordo prevê que a chamada
“força árabe comum”, sob a bandeira da Liga Árabe, tecnicamente encabeçada pela
Arábia Saudita, tenha comando operacional israelita. A cooperação
israelo-saudita não ficará por aqui: os dois países irão explorar em comum o
petróleo do terrível deserto de Rub Al Khali e também as reservas do Ogaden,
estas sob controlo etíope, outro satélite norte-americano. Israel será
responsável por garantir a “estabilidade” no porto sul-iemenita de Aden, um dos
terminais de uma projectada ponte que ligará o Iémen ao Djibuti. Iémen este que
fará parte de uma “federação” formada em torno da Arábia Saudita e que incluirá
provavelmente Omã e os Emirados Árabes Unidos.
A Arábia Saudita dará o seu aval à criação do Estado do
Curdistão sob controlo israelita, tal como vem sendo planeado, sendo que os
patronos da estratégia tentarão estendê-lo do Iraque aos “Curdistões” turco e
iraniano. A ser assim, confirma-se que a Turquia de Erdogan está mesmo a cair
em desgraça, a braços com as teias terroristas, principalmente as que actuam na
Síria, que Riade lhe foi passando aos poucos. Israel aceitará a aplicação dos
acordos de Oslo sobre o estatuto final dos territórios palestinianos, que
ganharão a independência mas perderão o direito ao retorno dos refugiados pelo
qual gerações se sacrificaram.
É assim o tsunami que abala os bastidores diplomáticos do
Médio Oriente, sabendo-se que tsunami algum pode ser planeado, muito menos
desenhando e redesenhando fronteiras. Dois enormes pontos de interrogação
emergem só para se terem em conta situações que não podem apagar-se com uma
borracha ou carregando na tecla “delete”: Netanyahu, o novo profeta do Grande
Israel, é um feroz inimigo destes arranjos tutelados por prestigiados militares
sionistas, pelo que ou se adapta, ou reage, ou se demite levando atrás de si a
irada horda de colonos que já foi capaz de liquidar um primeiro-ministro. E o
Estado Islâmico? Que fazer com o monstro sustentado por Israel, tolerado por
Washington? A Síria, país que teoricamente será um dos beneficiados por este
tsunami, vai tratando do assunto; os padrinhos poderão deixá-lo cair, mas tendo
em conta o histórico de relações entre criadores e criaturas as perspectivas
não são animadoras. A não ser que os sanguinários mercenários se contentem
episodicamente com a Líbia, cujas receitas do tráfico clandestino (mas pouco) de
petróleo não são de deitar fora. Será?
Caro José Goulão,
ResponderEliminarA leitura do seu blog é sempre esclarecedora, tanto das suas opiniões como das suas peças informativas, mas no que toca a esta últimas creio que beneficiariam muito se pudesse nomear algumas das suas fontes.
Abraço