A administração Hollande em França
ainda não chegou ao seu destino de popularidade zero mas vai no bom caminho, e
à velocidade de TGV, porque as sondagens mais recentes já ruíram para os 17%.
Em boa verdade, o presidente
Hollande e o seu braço direito Manuel Valls, que parecem apostados em fazer
aplicar a agenda política da fascista Le Pen, se calhar julgando que lhe retiram
o tapete eleitoral, continuam com a popularidade em queda vertiginosa, só
interrompida tragicamente pelos atentados terroristas. Nessas ocasiões, os seus
índices subiram de maneira efémera, com base em declarações de guerra arrogantes
e ocas, que os próprios sabem não resolver o problema – resultado que se torna
também cada vez mais evidente para os cidadãos.
Quando se esfumam os vestígios
de tais declarações que nada resolvem, o que fica é a imagem real da
administração Hollande: tendência para eternizar o estado de excepção policial
através de leis ordinárias e ataques sem dó nem piedade contra o trabalho, os
trabalhadores, os desempregados e as multidões de jovens em busca do primeiro
emprego.
A “reforma laboral” engendrada
por Manuel Valls, e que tem como principal intérprete a ministra do Trabalho,
Myriam El-Khoury, é uma obra-prima de fundamentalismo neoliberal criada pela
administração “socialista” de Hollande. A ministra apresentou-a como um exemplo
de uma coisa a que chamou “democracia social”, afinal uma falsificação da
verdadeira democracia porque tem contra ela o mundo do trabalho e a seu favor
apenas a fina elite do patronato gaulês.
Não é difícil expor, em traços
largos, as linhas básicas da “reforma laboral” de Hollande, tanto mais que foi
copiada da imposta em Espanha pelo neo-franquista Rajoy e, mal viu a luz do dia,
logo conquistou a adesão parlamentar do grupo direitista do ex-presidente
Nicholas Sarkozy. Maior facilidade patronal para despedir; poder discricionário
das empresas em matérias como horários laborais, modificaçõs dos contratos,
eliminação ou redução de direitos sociais em férias, descanso e desemprego;
maior facilidade das empresas para se declarem em dificuldades económicas, como
via para despedimentos colectivos; trabalhadores indefesos perante o jogo das
transferências de empresas; agravamento do flagelo da precariedade laboral e da
exploração do trabalho de formandos e estagiários; redução ao mínimo da
capacidade de intervenção dos sindicatos; sobreposição absoluta dos acordos
individuais ou de empresa sobre a contratação colectiva.
Mais de meio século depois,
este conjunto de medidas nada fica a dever ao receituário aplicado pelos
Chicago Boys no Chile de Pinochet, retomado por Margaret Thatcher, Ronald
Reagan e sucessivos herdeiros, até à mais nova geração de Rajoy, Hollande,
Valls.
A influente associação
patronal Medef saudou o projecto como uma lei “no bom caminho”, torcendo agora
o nariz perante supostas alterações, a que o próprio Valls se opõe a ponto de
ter ameaçado demitir-se.
Acima de tudo, o olhar do
actual governo francês sobre o trabalho, reproduzido no projecto de lei de “reforma
laboral” e qualificado como exemplo de “democracia social” – o que quer que
isso seja – é uma confissão de alinhamento pelas correntes de autoritarismo
político ao serviço dos maiores interesses económicos e financeiros mundiais.
Não é preciso consultar qualquer sondagem, nem ir ao âmago do movimento de
contestação que percorre a França para saber que não foi em leis deste tipo que
a maioria dos franceses votaram. Fica patente, mais uma vez, o que é a
democracia para os principais dirigentes da União Europeia.
Quando há necessidade de adjectivar
um termo que vale por si mesmo, como é “democracia”, existe a intenção de o
distorcer, de o desrespeitar de alguma maneira. Hollande e Valls aplanam o
caminho para o regresso em força de toda a direita francesa, neofascistas
incluídos. É impossível que ignorem que será esse o resultado da sua gestão,
pelo que só nos resta uma conclusão: levaram o papel muito a sério.
Bom dia, José, com saúde.
ResponderEliminarGrato pelo pela ajuda dos seus comentários sobre o que se passa no mundo, que me ajudam a perceber melhor os caminhos mas, também, a questionar o que mais será preciso acontecer para que os povos se ponham a andar.
Antes de me sentar aqui, ouvi, na TELESUR, que não dispenso de todo, um sociólogo francês, jovem, falar de um novo movimento, "Noite em pé", na tradução que faço. Contestam todas as políticas Hollandianas. Pareceu-me que são, ainda, uma amálgama, que se entendi bem, junta jovens de todas as cores e paladares, até da área da Le Pen. E tenho para mim, nesta altura do campeonato, que nós temos ajudado a medrar a confusão, quando continuamos a achar que são de esquerda forças que governam à direita. Ando a pensar que essa fábula do "mal menor", aceitar, por exemplo, votar em gente que enche a boca de esquerda e governa à direita, só tem prejudicado todo o processo e todos os processos. E, quiçá, atrasar os avanços do processo. Porque continuo a pensar que o motor ainda é "a luta de classes", que trás o mundo, para lá das confusões, num polvorinho, falta algo que organize todos estes movimentos que rebentam por todo o lado como os tortulhos desta época, falta a ligação a algo que se tem andado a escapar por entre os dedos.
Faltarão, provavelmente, no tempo da comunicação, meios de contrapeso aos muitos que veiculam aquilo que sabemos como "ideologia dominante" - vejo-o, a si, tão poucas vezes nos meios de referência... por razões óbvias, claro... Sinto-o quando me cruzo com alguém, con net, e pergunto se conhece "Mundo Cão", "O DIÁRIO", "RESISTIR", para só citar alguns.
Bem, que passe o desabafo, do qual me penitencio.
Saudações desde Castelo Branco, aqui paredes meias com Monforte da Beira.
Elísio Carmona