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sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

OS PRINCÍPIOS E O PRAGMATISMO EM TSIPRAS


 
Não é novidade para ninguém que o “pragmatismo” é a arma favorita de todos os governantes quando se atolam em medidas contra as maiorias que os escolheram e fazem gato-sapato dos seus programas políticos. “Pragmatismo” é a manta que serve para encobrir a putrefacção de promessas envelhecidas precocemente; também há quem lhe chame “realpolitik”, achando que é mais fino e menos gravoso recuperar linguajar de outrora.
Poderia o primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, usufruir ainda de algum benefício da dúvida quando optou por entrar no comboio da troika, dos resgates e da austeridade light. É duro confrontar Bruxelas, tomar medidas para as quais é preciso ir buscar coragem ao cofre dos princípios e do respeito pela palavra dada; mais fácil é, ao que parece, ver o próprio país esvair-se em greves gerais e castigar quem já está castigado – assim-como-assim, os gregos estão habituados.
Mais inesperada é a fraternidade cada vez mais sólida entre o primeiro-ministro grego e o seu homólogo de Israel, Benjamin Netanyahu. Em três meses apenas Tsipras efectuou duas visitas oficiais a Israel e, na mais recente, levou com ele uma equipa de seis ministros para tratar de negócios com o governo que desrespeita ostensivamente o direito internacional, impede a criação do Estado Palestiniano, mantém as prisões repletas de resistentes contra a ocupação, prossegue a colonização em ritmo intensivo, mantém os habitantes de Gaza sujeitos à fome, num universo concentracionário e alvejado regularmente por actos de guerra que têm vitimado milhares de inocentes. É longo o rol de malfeitorias e violações atrozes dos direitos humanos atribuíveis ao governo de Benjamin Netanyahu.
Ao receber Tsipras com toda a galanteria, Netanyahu falou muito de “terrorismo” e proclamou que “seremos mais fortes se afrontarmos juntos este desafio”. Não especificou a que terrorismo aludia, se ao que ele pratica em Jerusalém, Gaza e na Cisjordânia, se ao apoio que dá aos radicais islâmicos do tipo Estado Islâmico e Al Nusra (Al Qaida) nos Montes Golã ocupados à Síria. Nem isso interessa para o caso, ao que parece.
O que interessa é que Tsipras e Netanyahu estabeleceram negócios que poderão ser frutuosos em matérias como turismo, energia, defesa e segurança.
Nos termos dos acordos já delineados, os governos grego e israelita vão cooperar no domínio da espionagem militar e Tsipras ofereceu os céus helénicos para que a aviação israelita possa ensaiar os seus raids, eventualmente contra Gaza, uma vez que perdeu há uns tempos a concessão para realizar tais manobras em espaço aéreo turco. Em contrapartida, Israel compromete-se a modernizar a aviação militar grega, por certo uma das necessidades mais prementes do povo grego.
Outra das convergências entre Tsipras e Netanyahu vai funcionar no domínio energético, juntando-se a eles os actuais chefes dos regimes nada recomendáveis da Bulgária e da Roménia e ainda o do governo direitista de Chipre. Um gasoduto levará o gás natural israelita até à Grécia, prevendo-se que o acordo deva alargar-se ao petróleo. Por isso é oportuno lembrar, para se avaliar até onde chega o “pragmatismo" de Tsipras, que Israel tenciona explorar o petróleo e o gás natural detectados nas águas territoriais da Faixa de Gaza, que naturalmente não lhe pertencem, o que configura um roubo do povo palestiniano em larga escala; e que Israel é um dos destinos do petróleo contrabandeado pelos mercenários do Estado Islâmico, funcionando então como intermediário do tráfico e também como “lavandaria” da operação.
No deve e haver e nos arranjos estabelecidos para que estes negócios sejam produtivos falta ainda revelar outra importante contrapartida dada por Tsipras a Netanyahu: a Grécia não aplicará a directiva europeia que coloca restrições à entrada no espaço europeu de produtos que tenham origem nos colonatos israelitas, isto é, em áreas cuja existência viola o direito internacional, as convenções de Genebra e que recorrem a mão-de-obra palestiniana escrava depois de terem secado a actividade produtiva em seu redor. A Bulgária, a Roménia e Chipre tomaram a mesma decisão, mas daí não vem surpresa alguma, são países que têm governos inconfundíveis com qualquer conotação de “esquerda”.
Ironia das ironias, Benjamin Netanyahu está por detrás e é um dos grandes beneficiários da estratégia que tem multiplicado guerras no Médio Oriente, originando a vaga de refugiados que atinge a Europa, em especial – com os dramas que se conhecem – a Grécia governada por Alexis Tsipras e pelo Syriza, em aliança com a direita nacionalista.
Nabil Shaat, ministro palestiniano e chefe da delegação palestiniana às negociações de paz – fracassadas por causa de Netanyahu e da sua insistência na colonização – teve um desabafo, em forma de pergunta, a propósito da estratégia do governo de Atenas: “a Grécia atraiçoará a Palestina?”
Fica a interrogação. É um facto que, década após década, a Grécia sempre foi um pilar do apoio aos palestinianos, quer governada à direita ou pelo PASOK. É certo que ainda há pouco o Parlamento de Atenas aprovou o reconhecimento do Estado Palestiniano. A verdade é que, neste caso, uma mão não lava a outra. A bandeira palestiniana também está içada na sede da ONU mas o Estado continua por construir e há cada vez menos terra para a sua viabilidade física. Por causa, sobretudo, da política anexionista dos governos de Netanyahu, grande parceiro de negócios de Alexis Tsipras. Sagacidade estratégica? Chamem-lhe o que quiserem, uma vez que os princípios políticos já lá vão.
 

 

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

O RUIDOSO SILÊNCIO EUROPEU


Netanyahu com Sheldon Adelson, o proprietário do jornal
 que pede a morte da ministra sueca dos Negócios Estrangeiros
 
Notícias de Israel: o Ministério da Defesa autorizou a construção de mais 153 casas em colonatos situados na Cisjordânia ocupada; e um jornal israelita defende a liquidação da ministra sueca dos Negócios Estrangeiros, Margo Wallstrom, por condenar as execuções extrajudiciais de cidadãos palestinianos.
Quem procurar reacções de dirigentes da União Europeia a estes atentados ao direito internacional – seja de governos, seja das instituições comunitárias – não as encontrará. Bruxelas come e cala perante as constantes exibições de impunidade dos dirigentes israelitas e dos arruaceiros que os servem.
Os novos alojamentos traduzem a ampliação de colonatos já existentes em três regiões da Cisjordânia e, naturalmente, a expansão das zonas assim ocupadas. Os mais poderosos dirigentes mundiais continuam a falar na “solução de dois Estados” para a questão israelo-palestiniana enquanto, paulatinamente, o regime sionista prossegue o processo de anexação dos territórios onde deveria ser fundado um Estado palestiniano soberano e viável. Pelo que, cada vez mais, o “processo de paz” e o seu desfecho de “dois Estados” soa a história da Carochinha, com a diferença que nada tem de inocente. Quem insiste em narrá-la sabe que o faz enganando os ouvintes, porque é impossível não adivinhar o desfecho da mistificação se não forem tomadas medidas sérias para fazer prevalecer o direito internacional.
O facto de ser o Ministério da Defesa israelita a gerir a expansão dos colonatos é o testemunho mais evidente de que não se trata de uma operação comum de urbanização de terrenos loteados em espaço próprio, mas sim de um processo de ocupação realizado com apoio militar. Só não vê quem não quer ver e, a respeito da colonização israelita, os principais dirigentes mundiais são deliberadamente cegos e mudos. Dizem-se tão preocupados com o terrorismo e deixam que actuações como esta decorram sob os seus narizes.
Quanto à condenação à morte da ministra sueca dos Negócios Estrangeiros, vem estampada em letra de forma e em editorial no jornal israelita Makor Rishon (“De fonte segura”). Margo Wallstrom fez declarações condenando as execuções extrajudiciais de presos palestinianos, que, aliás, são do conhecimento da chamada “comunidade internacional” – esse é o crime que serve de base à sentença ditada pelo editorialista. Para este, a chefe da diplomacia sueca é “uma antissemita como foi Folke Bernadotte” e, escreve ele, “estou convencido de que conhecerá o mesmo fim”. O conde Folke Bernadotte, diplomata sueco, foi assassinado em 17 de Setembro de 1948 pelo grupo terrorista sionista Stern quando tentava negociar um cessar-fogo na Palestina entre os exércitos árabes e judaico.
Não creia o leitor que o jornal punitivo é uma qualquer folha de couve impressa e distribuída por lunáticos. Pertence ao grupo do magnata mafioso norte-americano Sheldon Adelson, senhor dos casinos com relações muito próximas do primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu. A senhora Wallstrom tem razões para se precaver e, ao mesmo tempo, fica a perceber que as cedências como as que recentemente fez a Marrocos e ao Ikea, a propósito do Sahara Ocidental, não a tornam mais imune a quem não olha a meios.
Dos Estados Unidos não haveria que esperar qualquer reacção a estes desmandos israelitas, que aliás fazem parte da rede de comportamentos minuciosamente fiada entre Washington e Telavive.
Já das instâncias e dos governos da União Europeu ainda seria possível alimentar a tímida ilusão de uma qualquer chamada de atenção. A notícia sobre novos colonatos, é certo, pode ser considerada um dado corriqueiro do dia-a-dia, tão banal que não merece o esbanjamento sequer do precioso tempo dos doutos telejornalistas; mas, que diabo, há incitamentos que ameaçam a vida de uma ministra de um governo da União. Não seria motivo para alguma solidariedade, pelo menos de outros colegas?
Santa ingenuidade a do escriba!
 

 

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

O CASO BÁRBARO DE MOHAMED SULEIMAN




Poucos conhecerão as notícias abjectas sobre Mohamed Suleiman nestas horas em que tanto se fala de terrorismo, barbárie e selvajaria como contraponto à nossa superioridade civilizacional plena de virtudes e bênçãos divinas, provenham elas de entidades supremas ou dos não menos supremos mercados.
Não, Mohamed Suleiman não é nenhum dos bandidos armados que praticaram as chacinas de Paris ou Madrid ou Nova Iorque, ou decapitaram um qualquer “cidadão ocidental”; estes são os verdadeiros terroristas, assim definidos pelos lugares onde actuam e as vítimas que provocam, mas de que ninguém ouviria falar entre nós caso se ficassem pelos massacres simultâneos de centenas de sírios e iraquianos, previamente forçados a cavaram as valas comuns para nelas partirem em busca da eternidade, porque isso era assunto lá entre eles, entre bárbaros, que não encaixa nos padrões exigentes e ilustrados de direitos humanos.
Mohamed Suleiman tem 15 anos, é um adolescente palestiniano de Hares, perto de Nablus, na Cisjordânia, detido numa masmorra israelita desde os 13 anos por “atirar pedras”, pecado gravíssimo porque cometido numa estrada reservada a colonos – a designação verdadeira, ocupantes, é politicamente incorrecta – exemplo das obras públicas israelitas que institucionalizam um civilizado regime de apartheid um quarto de século depois de o apartheid original ter sido extinto.
As autoridades israelitas foram buscar Mohamed Suleiman a casa há dois anos, não havendo qualquer flagrante a invocar, e mantiveram-no na cadeia até completar 15 anos. Torturaram-no, juntamente com mais quatro jovens, até confessarem o crime de “atirar pedras” e agora, que já tem idade para ser “julgado”, um tribunal militar israelita condenou-o a 15 anos de prisão por “25 tentativas de assassínio”, judiciosa versão da acusação original baseada no arremesso de calhaus; mas se a família não conseguir pagar uma multa de sete mil euros até 26 de Janeiro a pena transforma-se automaticamente em prisão perpétua. Como os parentes do garoto não têm esse dinheiro – vivem sob ocupação numa terra submetida à violência sádica e fundamentalista dos colonos, espoliados de todos os meios de sobrevivência pelo Estado de Israel - Mohamed Suleiman corre o sério risco de passar o resto dos seus dias que vão para lá dos 15 anos, idade dos sonhos para os adolescentes livres, numa masmorra às ordens dos civilizados esbirros ocupantes.
Esta é a história de Mohamed Suleiman. Ela não corre nos nossos tão informados telejornais, nos nossos periódicos ditos de referência, nas nossas rádios inundadas de cachas, apesar de tais meios não descansarem um segundo na denúncia do terrorismo, do terrorismo mau, pois claro, mas onde deveria caber, por simples misericórdia, um cantinho para Mohamed Suleiman, ao que parece insuspeito de ser do Estado Islâmico ou da Al-Qaida, cujos mercenários às vezes podem ser terroristas, outras nem tanto, depende.
Tão pouco a ONU, a UNICEF, a omnipresente e justiceira NATO, a democratíssima e vigilante União Europeia, tantos observatórios e organizações não-governamentais parecem conhecer a barbárie terrorista de que é vítima Mohamed Suleiman e os seus companheiros. Já me esquecia das boas razões para tal alheamento: Israel, tal como esse farol da democracia que é a Arábia Saudita e também a fraternal Turquia, agora às portas da União Europeia desde que sirva de tampão à entrada de refugiados na Europa, enquanto nutre bandos terroristas, são exemplos brilhantes de civilização e de respeito pelos direitos humanos. Os amigos e aliados jamais praticam terrorismo, tratam da nossa “segurança”.
O caso de que são vítimas Mohamed Suleiman e os cinco de Hares é um exemplo de terrorismo puro e duro, sem adjectivação porque o terrorismo é um fenómeno único, não existem terroristas bons ou maus, civilizados ou bárbaros. Mas esta é uma tese vinda dos bas-fonds da teoria da conspiração, não conta para a vida nos nossos dias.
Ainda sobram no mundo, porém, algumas organizações solidárias que, enquanto denunciam esta aberração selvática, procuram, para já, ajudar a reunir os sete mil euros necessários para tentar travar, no mínimo, a perpetuidade da prisão do jovem.
Quanto ao resto, a história de Mohamed Suleiman e tantas outras histórias que preenchem o quotidiano trágico de Jerusalém Leste, Cisjordânia e Gaza, as histórias de degredos, demolição de casas, assassínios selectivos, escolas e hospitais arrasados, asfixia económica, privação de água e energia, checkpoints e rusgas arbitrárias, muros e outras formas de segregação física e psicológica, mais não é do que exposição da hipocrisia terrorista pela qual se guia a chamada “comunidade internacional”.
Agora que a bandeira da Palestina, Estado fantasma, ondula junto ao palácio de vidro da ONU as boas consciências dos nossos civilizados e democráticos dirigentes sentem-se apaziguadas. Casos escabrosos de terrorismo como o de Mohamed Suleiman poderia, é certo, mascarar essa “paz” tão laboriosamente aparentada, mas que não haja problema: varre-se para o fundo dos tapetes da diplomacia e do desconhecimento, com a prestimosa colaboração do amestrado aparelho de propaganda.
 

 

sexta-feira, 3 de julho de 2015

DIRIGENTES COM MENTALIDADE DE PIRATAS


O Estado de Israel interrompeu mais uma vez com um assalto pirata a rota de um navio com a bandeira de um país da União Europeia que pretendia levar bens essenciais à população de Gaza que vive cercada, asfixiada, indefesa e sob a mira das sofisticadas armas de guerra do mesmo Estado de Israel. Entre os materiais transportados a bordo do Marianne, um barco registado no porto de Gotemburgo, estavam, por exemplo, painéis solares destinados a tentar suprir as carências em energia provocadas no território pelos constantes assaltos militares israelitas.
Três navios de guerra israelitas interceptaram o barco da solidariedade cerca de 100 milhas náuticas ao largo da costa de Gaza, logo em águas internacionais, onde as quais as embarcações israelitas não têm qualquer jurisdição nem poder. O sequestro que se seguiu à intercepção e a apropriação arbitrária dos bens transportados na embarcação, incluindo os haveres de passageiros e tripulantes, depois detidos numa prisão no território de Israel, são factos que contribuem, sem qualquer dúvida, para que este comportamento das autoridades israelitas seja um acto de pirataria.
Acresce que Israel não tem qualquer autoridade sobre Gaza, parte integrante de um Estado associado das Nações Unidas, um estatuto idêntico ao do Vaticano e que pode, muito em breve, ser ampliado para o de pleno direito.  
Não é necessário puxar pela memória para recordar os episódios ocorridos quando a propaganda internacional insuflou a crise dos chamados “piratas somalis”, que aliás teve a sua origem nos esforços dos pescadores somalis para evitar a rapina das riquezas marinhas do seu país pelas poderosas, bem equipadas, e daninhas frotas internacionais. A NATO mobilizou então numerosos navios dos seus membros para submeter os piratas e assegurar a continuação do desastre humanitário e ambiental. E para que as tentações “piratas” sejam liquidadas à nascença até nasceu no território somali uma coisa à margem da ordem internacional chamada Somalilândia, gerida por quem? Por israelitas ou marionetas de Israel.
Embora o acto de pirataria contra o Marianne – um navio sueco, nunca será demais lembrá-lo – tenha acontecido na manhã de 29 de Junho o que é que aconteceu, ou melhor, o que é que não aconteceu desde então?
O Conselho de Segurança das Nações Unidas não se reuniu de emergência, não emitiu qualquer parecer sobre o assunto, a propaganda internacional não fala de sanções contra os piratas nem de qualquer outro tipo de penalização.
A NATO não convocou navios dos seus Estados membros para irem reprimir o comportamento pirata.
A Comissão Europeia, o Conselho Europeu, o presidente do Parlamento Europeu não tomaram qualquer posição sobre os acontecimentos, apesar de as vítimas serem cidadãos europeus e de o navio alvo do acto de pirataria ostentar a bandeira de um dos 28 Estados da União Europeia.
Apesar de a embarcação se situar muito longe das águas territoriais israelitas quando foi atacada, o Estado de Israel informa o mundo que exigiu três vezes aos tripulantes do Marianne que desviassem a rota de Gaza. Israel, repete-se, não tem qualquer jurisdição sobre Gaza nem poder para dar ordens em águas internacionais. Não eram os responsáveis da embarcação sueca quem navegava em violação do direito marítimo, pelo que não tinham de obedecer a ordens ilegítimas, e muito menos ser penalizados por tal.
O que aconteceu foi um acto de pirataria cometido por Israel, e não foi o primeiro, como o mundo sabe.
Pelo que dos feitos apenas há uma conclusão a retirar: a pirataria tornou-se um comportamento aceite pelo direito internacional, ou, pelo menos, por aqueles que se dizem titulares do poder para o fazer cumprir.

Não é novidade, mas regista-se: o mundo é gerido por gente com mentalidade e interesses de piratas.

segunda-feira, 11 de maio de 2015

UM POUCO DE FUTEBOL


 
 

Falemos um pouco de futebol. Não para desassossegar alguns referentes inquisidores de espíritos prontos a levar aos novos pelourinhos, privados é claro, os leitores de páginas desportivas, onde aliás se aprende, e muito, sobre o mundo cão em que vivemos. Ainda assim, enfrentemos as consequências.
E se vos falo de futebol é para chamar, com todas as letras e sem margem de erro, hipócrita e mentiroso ao senhor Joseph Blatter, presidente talvez vitalício, quem sabe, dessa coisa tão democrática que é a FIFA, a entidade que vê crescer os sete céus dos estádios do mundial do Qatar com base em trabalho escravo e faz que sim com a cabeça.
Não é apenas por isto, o que não seria de somenos, que o senhor Blatter é hipócrita.
O senhor Blatter é hipócrita e mentiroso quando pede à Federação Palestiniana de Futebol que não insista em pedir a suspensão da Federação Israelita de Futebol porque isso, e cito, “é misturar a política com o futebol”.
Tal frase, como certamente sabem até aqueles que não sujam os olhos lendo páginas desportivas, tem servido para dar cobertura a um sem número de atrocidades e arbitrariedades em campos que vão muito para além dos de futebol.
Neste campo a tradição ainda é o que era. Diz o senhor Blatter que a Federação Palestiniana não deve insistir no pedido de suspensão porque a Federação Israelita não pode ser responsabilizada pelos actos do governo de Israel contra os direitos humanos e contra leis desportivas estipuladas, aliás, pela própria FIFA.
Aí é que o senhor Blatter se engana. E como se engana deliberadamente, mente. A Federação Israelita de Futebol tem no seu cardápio de clubes, figurando, por inerência, no supracardápio da FIFA, cinco entidades cujas sedes existem em colonatos israelitas ilegais na Cisjordânia Palestiniana, além disso reservadas apenas a futebolistas judeus. Dois coelhos (salvo seja) de uma só cajadada: a Federação Israelita viola as leis internacionais ao estender a autoridade a estruturas ilegais de ocupação; e pratica segregacionismo étnico/racista. É muito bonita a campanha da FIFA contra o racismo, fica sobretudo bem nos cartazes, desde que daí não saia.
O senhor Blatter sabe igualmente que existem clubes israelitas, como o Beitar de Jerusalém, do qual o adepto mais ilustre é o senhor Benjamin Netanyahu, cujo grito de claques é “morte aos árabes”, claques essas que o vão gritando através da Europa durante as competições onde o Beitar participa, e nas quais não foi nunca penalizado por tais manifestações terroristas. Não pode o clube ser condenado pelos gritos das claques, invocará o hipócrita senhor Blatter. E o que fazer então quando o treinador do citado Beitar assegura que só por cima do seu cadáver – o sentido é figurado, claro – fará alinhar no clube um jogador israelita que tenha origem árabe. Um clube, uma equipa para israelitas puros… O que chamará o senhor Blatter a isto?
Ainda assim, o presidente da FIFA insiste em que futebol e política não deverão misturar-se, enquanto futebolistas palestinianos inscritos na instituição do senhor Blatter jazem nas cadeias israelitas por tempo indeterminado, sem julgamento e culpa formada, onde poderão até ter como carcereiros ilustres atletas das selecções israelitas. Dizem os estatutos da FIFA, que o senhor Blatter conhece muito bem porque os invoca a toda a hora, que as federações nacionais “devem gerir os seus assuntos sem ingerências de terceiros”. Ao que parece, tais estatutos são válidos para todas as federações… Menos uma. Exactamente essa, a Palestiniana, adivinharam. Em Agosto de 2013, numa carta à FIFA, os dirigentes do futebol israelita escreveram, isto é, estipularam, que “a Federação Palestiniana tem a obrigação de funcionar através dos canais oficiais do Estado de Israel”.
Não há margem de erro: o chefe do futebol mundial é hipócrita e mentiroso.