É oficial. Analisados ao mais ínfimo pormenor os dados
das últimas eleições britânicas, por sua vez cruzados com actos eleitorais
anteriores, por sua vez lidos em conjunto com previsões em desenvolvimento
sobre as próximas consultas no espaço europeu, surgiu um axioma, digamos mesmo
um dogma: as sondagens nunca se enganam. São mais ou menos como as estatísticas
do crescimento económico, do desemprego, da confiança dos consumidores, do
clima empresarial, do barómetro das famílias, do número de espirros por pessoa
por minuto, mas ainda mais firmes, mais absolutas. Fixem bem: as sondagens
nunca se enganam.
Quem pode enganar-se são os eleitores, o que é, no fim
das contas, o mais natural. Errar é humano, não é? Já as sondagens, ancoradas
no que há de mais avançado na ciência, na sociologia, na tecnologia, na
politologia, na geopolítica, nos ciclos de humores comportamentais do arco da
governação, não erram. Pura e simplesmente porque não existe hipótese de erro.
Por isso são comentadas, interpretadas, expurgadas, analisadas como se
representassem a vontade dos eleitores, o que, como se percebe, tem um efeito
pedagógico e cívico insubstituível, porque os eleitores ficam a saber não
apenas como se comportam mas como devem comportar-se quando forem chamados às
urnas.
Acresce, para quem não está ao corrente destes
delicados circuitos da moderna democracia, que os ciclos virtuosos formados
pelas entidades sondadoras, as agremiações com vocação governativa e os deuses
manes da comunicação traduzem como nenhuma outra conjugação o sentir, o pulsar
da sociedade, os seus interesses e comportamentos, detectando e eliminando à
nascença a margem de erro induzida pelo factor humano.
Poderá argumentar-se que neste ciclo virtuoso podem
surgir conflitos de interesses, ou até comportamentos pouco recomendáveis, nada
que seja inquietante. Por um lado, porque uma andorinha não faz a Primavera e,
embora não se sabendo se a proposição é extensiva aos abutres – é provável que
seja, por maioria de razão – a estrutura tem em si mesma, como atrás se
explicitou, a capacidade para erradicar o defeito inerente à essência humana.
As sondagens são, portanto, infalíveis. Por isso, no
interior da entidade com inquestionável autoridade que é o arco da governação,
se prevê uma concertação de vontades no sentido de transformar as sondagens no
barómetro único do poder, substituindo as eleições com vantagens para todos. As
sondagens permitem conhecer, sem margem de erro, as tendências da sociedade à
semana, ao dia, quiçá ao minuto, ao instante, garantindo que os governos terão
ao seu dispor, a cada momento, as indicações de como devem agir em proveito de
todos.
Já deduziram, por certo, que se é possível fazer
sondagens ao minuto tal não é exequível com as eleições, processo moroso,
anacrónico, poluente até. Evitando eleições poupa-se o trabalho e a sujidade
suscitados pelos milhões de votos que vão directamente para o lixo, eleição
após eleição – veja-se como tal fenómeno foi exemplar na recente consulta
britânica – porque os eleitores se enganaram não apenas tentando iludir as
sondagens como também ousando desestabilizar o próprio arco da governação.
No entanto, os factos provaram que as sondagens
resistiram ao erro humano, o arco da governação soube aguentar o desafio e
assegurou a estabilidade. Como se não houvesse eleições, apenas sondagens,
assim se demonstrando, para memória futura, a inutilidade das primeiras.
E a vida continua. Austera, é certo, porque assim são
os fados estipulados pelo insigne arco da governação para que um dia – esse dia
virá, não tenham dúvidas – a bonança que agora pertence a uns poucos seja por
todos repartida. Haja fé, as sondagens nunca se enganam.
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