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terça-feira, 5 de maio de 2015


 
ISLÂNDIA

A notícia foi convenientemente censurada pelos papagaios e fazedores de opinião, mas nem por isso deixou de ser realidade. A Islândia retirou o seu pedido de adesão à União Europeia num contexto sem mácula que corresponde à vontade popular.
Embora parecendo viver numa espécie de exílio lá pelos extremos norte da Europa, afastada da prodigiosa civilização que os papás e mamãs da Germânia prodigalizam aos europeus do rebanho de 28, o povo da Islândia teve ocasião de provar o maná proporcionado pelo casino financeiro. Provou e não gostou, porque ainda hoje está a pagar por isso, embora segundo os métodos que determinou, sem aceitar que troikas e correlativos lhe impusessem os seus diktats. É verdade que negociou com o FMI, mas a utilização do verbo negociar justifica-se no caso islandês, uma vez que, ao contrário do que aconteceu em Portugal e na generalidade dos “clientes”, não estiveram os dois lados a cavaquear amenamente sobre as vias para sugar o povo até ao tutano. Na Islândia houve negociação, o FMI não conseguiu o que pretendia e – vejam lá como são as coisas – a Islândia sobreviveu.
E sobrevive de outras maneiras em relação às quais, sobretudo a propósito da Grécia mas com recados explícitos a Portugal, muitos profetas da desgraça têm sentenciado dilúvios e outras tragédias sem nome.
A Islândia decidiu retirar o pedido de adesão à União Europeia porque foi essa a conclusão a que o seu povo chegou depois de ter passado os últimos anos a recuperar dos efeitos da bolha neoliberal em que os bancos mergulharam o país depois de, à revelia dos interesses dos clientes, se terem transformado em grandes apostadores do seu dinheiro na roleta da finança mundial. Para terem uma ideia do estado a que chegou a Islândia, pequeno país com menos de 400 mil habitantes – saibam que a sua dívida soberana em 2008 atingiu os mil por cento do PIB, enquanto na Grécia é de 170 e em Portugal já vai nos 130 por cento. Foi a bancarrota.
Quando o governo de então se preparava para fazer o mesmo que os outros, por as cangas no povo para garantir as “ajudas” das troikas e aparentadas, o povo desceu às ruas e disse não, que não queria suportar o fardo de falcatruas que não cometeu. E continuou nas ruas, num país frio como poucos, acendendo fogueiras e não deixando que a voz lhe gelasse.
E o povo conseguiu, o que não significa ter encontrado o paraíso. Os principais culpados foram julgados e condenados, os bancos e o Estado estão a pagar o que devem – mas em prazos e montantes negociados, decididos de acordo com os islandeses. E depois da experiência desses anos difíceis o povo da Islândia tirou as suas conclusões e decidiu que o melhor é viver com as próprias forças num quadro de interdependência e cooperação com todas as nações do mundo. Isto quer dizer que o povo da Islândia é dono das suas riquezas naturais – a energia, as pescas e o turismo, que não hipotecou a ninguém por mais sonante que seja o nome – e, sobretudo, é dono da sua moeda.
Foi a gestão da moeda nacional que permitiu ao povo da Islândia trabalhar sobre os mecanismos da dívida e valorizar os seus bens nos mercados internacionais – não será isto a competitividade de que tantos falam explicando, quantas vezes, o filme ao contrário? O povo islandês pode parecer exilado nos extremos norte da Europa mas sabe muito bem o que aconteceria às suas pescas, à sua energia, ao seu turismo, à sua moeda se a devassa da União Europeia entrasse por ali adentro.
Pois é, os islandeses decidiram que não querem a União Europeia e que desejam continuar a usar a sua moeda sua em vez do marco alemão travestido de euro. E vejam que o céu não lhes caiu em cima da cabeça.
Provavelmente nem será amanhã a véspera desse dia.
 

 

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