ISLÂNDIA
A notícia foi convenientemente censurada pelos papagaios
e fazedores de opinião, mas nem por isso deixou de ser realidade. A Islândia retirou
o seu pedido de adesão à União Europeia num contexto sem mácula que corresponde
à vontade popular.
Embora parecendo viver numa espécie de exílio lá pelos
extremos norte da Europa, afastada da prodigiosa civilização que os papás e
mamãs da Germânia prodigalizam aos europeus do rebanho de 28, o povo da
Islândia teve ocasião de provar o maná proporcionado pelo casino financeiro.
Provou e não gostou, porque ainda hoje está a pagar por isso, embora segundo os
métodos que determinou, sem aceitar que troikas e correlativos lhe impusessem os
seus diktats. É verdade que negociou com o FMI, mas a utilização do verbo
negociar justifica-se no caso islandês, uma vez que, ao contrário do que
aconteceu em Portugal e na generalidade dos “clientes”, não estiveram os dois
lados a cavaquear amenamente sobre as vias para sugar o povo até ao tutano. Na
Islândia houve negociação, o FMI não conseguiu o que pretendia e – vejam lá
como são as coisas – a Islândia sobreviveu.
E sobrevive de outras maneiras em relação às quais,
sobretudo a propósito da Grécia mas com recados explícitos a Portugal, muitos
profetas da desgraça têm sentenciado dilúvios e outras tragédias sem nome.
A Islândia decidiu retirar o pedido de adesão à União
Europeia porque foi essa a conclusão a que o seu povo chegou depois de ter
passado os últimos anos a recuperar dos efeitos da bolha neoliberal em que os
bancos mergulharam o país depois de, à revelia dos interesses dos clientes, se
terem transformado em grandes apostadores do seu dinheiro na roleta da finança
mundial. Para terem uma ideia do estado a que chegou a Islândia, pequeno país
com menos de 400 mil habitantes – saibam que a sua dívida soberana em 2008
atingiu os mil por cento do PIB, enquanto na Grécia é de 170 e em Portugal já
vai nos 130 por cento. Foi a bancarrota.
Quando o governo de então se preparava para fazer o
mesmo que os outros, por as cangas no povo para garantir as “ajudas” das
troikas e aparentadas, o povo desceu às ruas e disse não, que não queria suportar
o fardo de falcatruas que não cometeu. E continuou nas ruas, num país frio como
poucos, acendendo fogueiras e não deixando que a voz lhe gelasse.
E o povo conseguiu, o que não significa ter encontrado
o paraíso. Os principais culpados foram julgados e condenados, os bancos e o
Estado estão a pagar o que devem – mas em prazos e montantes negociados,
decididos de acordo com os islandeses. E depois da experiência desses anos
difíceis o povo da Islândia tirou as suas conclusões e decidiu que o melhor é
viver com as próprias forças num quadro de interdependência e cooperação com
todas as nações do mundo. Isto quer dizer que o povo da Islândia é dono das
suas riquezas naturais – a energia, as pescas e o turismo, que não hipotecou a
ninguém por mais sonante que seja o nome – e, sobretudo, é dono da sua moeda.
Foi a gestão da moeda nacional que permitiu ao povo da
Islândia trabalhar sobre os mecanismos da dívida e valorizar os seus bens nos
mercados internacionais – não será isto a competitividade de que tantos falam
explicando, quantas vezes, o filme ao contrário? O povo islandês pode parecer
exilado nos extremos norte da Europa mas sabe muito bem o que aconteceria às
suas pescas, à sua energia, ao seu turismo, à sua moeda se a devassa da União
Europeia entrasse por ali adentro.
Pois é, os islandeses decidiram que não querem a União
Europeia e que desejam continuar a usar a sua moeda sua em vez do marco alemão travestido
de euro. E vejam que o céu não lhes caiu em cima da cabeça.
Provavelmente nem será amanhã a véspera desse dia.
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