Falemos um pouco de futebol. Não para desassossegar
alguns referentes inquisidores de espíritos prontos a levar aos novos
pelourinhos, privados é claro, os leitores de páginas desportivas, onde aliás
se aprende, e muito, sobre o mundo cão em que vivemos. Ainda assim, enfrentemos
as consequências.
E se vos falo de futebol é para chamar, com todas as
letras e sem margem de erro, hipócrita e mentiroso ao senhor Joseph Blatter,
presidente talvez vitalício, quem sabe, dessa coisa tão democrática que é a
FIFA, a entidade que vê crescer os sete céus dos estádios do mundial do Qatar
com base em trabalho escravo e faz que sim com a cabeça.
Não é apenas por isto, o que não seria de somenos, que
o senhor Blatter é hipócrita.
O senhor Blatter é hipócrita e mentiroso quando pede à
Federação Palestiniana de Futebol que não insista em pedir a suspensão da
Federação Israelita de Futebol porque isso, e cito, “é misturar a política com
o futebol”.
Tal frase, como certamente sabem até aqueles que não
sujam os olhos lendo páginas desportivas, tem servido para dar cobertura a um
sem número de atrocidades e arbitrariedades em campos que vão muito para além
dos de futebol.
Neste campo a tradição ainda é o que era. Diz o senhor
Blatter que a Federação Palestiniana não deve insistir no pedido de suspensão
porque a Federação Israelita não pode ser responsabilizada pelos actos do
governo de Israel contra os direitos humanos e contra leis desportivas
estipuladas, aliás, pela própria FIFA.
Aí é que o senhor Blatter se engana. E como se engana
deliberadamente, mente. A Federação Israelita de Futebol tem no seu cardápio de
clubes, figurando, por inerência, no supracardápio da FIFA, cinco entidades
cujas sedes existem em colonatos israelitas ilegais na Cisjordânia Palestiniana,
além disso reservadas apenas a futebolistas judeus. Dois coelhos (salvo seja)
de uma só cajadada: a Federação Israelita viola as leis internacionais ao estender
a autoridade a estruturas ilegais de ocupação; e pratica segregacionismo
étnico/racista. É muito bonita a campanha da FIFA contra o racismo, fica
sobretudo bem nos cartazes, desde que daí não saia.
O senhor Blatter sabe igualmente que existem clubes
israelitas, como o Beitar de Jerusalém, do qual o adepto mais ilustre é o
senhor Benjamin Netanyahu, cujo grito de claques é “morte aos árabes”, claques
essas que o vão gritando através da Europa durante as competições onde o Beitar
participa, e nas quais não foi nunca penalizado por tais manifestações
terroristas. Não pode o clube ser condenado pelos gritos das claques, invocará
o hipócrita senhor Blatter. E o que fazer então quando o treinador do citado
Beitar assegura que só por cima do seu cadáver – o sentido é figurado, claro –
fará alinhar no clube um jogador israelita que tenha origem árabe. Um clube,
uma equipa para israelitas puros… O que chamará o senhor Blatter a isto?
Ainda assim, o presidente da FIFA insiste em que
futebol e política não deverão misturar-se, enquanto futebolistas palestinianos
inscritos na instituição do senhor Blatter jazem nas cadeias israelitas por
tempo indeterminado, sem julgamento e culpa formada, onde poderão até ter como
carcereiros ilustres atletas das selecções israelitas. Dizem os estatutos da
FIFA, que o senhor Blatter conhece muito bem porque os invoca a toda a hora,
que as federações nacionais “devem gerir os seus assuntos sem ingerências de
terceiros”. Ao que parece, tais estatutos são válidos para todas as federações…
Menos uma. Exactamente essa, a Palestiniana, adivinharam. Em Agosto de 2013,
numa carta à FIFA, os dirigentes do futebol israelita escreveram, isto é,
estipularam, que “a Federação Palestiniana tem a obrigação de funcionar através
dos canais oficiais do Estado de Israel”.
Não há margem de erro: o chefe do futebol mundial é
hipócrita e mentiroso.
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