Dizem ilustres politólogos, esses afamados feiticeiros
da modernidade neoliberal, que o senhor primeiro-ministro inglês, o janota
Cameron, ganhou as eleições por causa de uma carta. Uma carta, vejam bem, coisa
mais prosaica nestes tempos em que nem a NSA, tão entretida a chafurdar nos
nossos e-mails, se lembraria de vasculhar porque nas caixas de correio nada mais
se depositam, hoje em dia, que panfletos publicitários e contas para pagar. De
qualquer maneira se os politólogos dizem que é uma carta é porque foi uma
carta, afinal de contas nada nos deve surpreender na Inglaterra tão
tradicionalista e aristocrática.
Uma carta infeliz, como são as cartas com vocação
dramática, e sabemos quão dramáticos são os resultados das eleições, sobretudo
para os eleitores que fazem a cruzinha vincando esperanças para instantes
depois o seu boletim estar a caminho do lixo reciclável.
Uma carta escrita pelo artigo ministro trabalhista das
Finanças, missiva parca em palavras, é certo, valendo porém, cada uma, um gong
de ressonâncias com elevado dramatismo: “não há dinheiro!”. É verdade, não
havia dinheiro no reino de Sua Majestade e todos sabemos que a culpa foi do
malfadado subprime em terras do outro lado do Atlântico, onde os papéis
requintados da mais nobre especulação foram aviltados, logo contaminados, pela
mistura com os imundos pedaços de papel higiénico de uma ralé que não tem onde
cair morta, embora a polícia apure cada vez mais a pontaria para lhe arranjar
lugar.
Pois bem, ou pois mal, o ministro trabalhista das
Finanças confessou que não havia dinheiro, coisa que, ao que parece, deve
esconder-se de todos, principalmente dos adversários políticos. Porque, sabendo
isso, o flamejante Cameron foi-se ao bolso dos contribuintes e como tem moeda
para manobrar e muita família nas Américas, o que lhe permitiu mandar às
urtigas as conspirações de Merkel, BCE & troikas, engendrou umas
estatísticas jeitosinhas para as nobres gentes da City e voltou a ganhar agora
as eleições. Os mesmos de sempre não darão por nada disso, continuarão a
sobreviver com a carga de austeridade que há muitos anos vêm aguentando, mas
como a comunicação, toda ela nas boas mãos da City, garante que as coisas estão
melhores é porque estão melhores e não se fala mais nisso mas sim na linda princesinha
recém-nascida.
Aqui entre nós quero crer que isso da carta não será
bem assim, os ilustres politólogos que me desculpem. Ainda nos lembramos de em
Portugal haver alguém com nome de rei mago, Gaspar, ao que consta, que não era
rei mas era mago sim senhor, multiplicou a miséria com dotes muito mais milagreiros
que os dos pães bíblicos, repetindo muitas vezes: “não há dinheiro!”. Que o
diga o antigo ministro dos pastéis de nata, a quem Gaspar invectivava
perguntando, sarcástico “qual das três palavras ‘não há dinheiro’ o senhor não
percebeu”? Pois bem, Gaspar confessou, repetiu, e como recompensa foi promovido
para o FMI, deixando maga Patalógica a limpar os bolsos e as contas bancárias
dos portugueses até anunciar, qual Cameron, embora menos estilosa, “os cofres
estão cheios!”. E assim ficaram todos felizes: os da City e os especuladores de
muitas pátrias e sem pátria nenhuma que “ajudando Portugal” se ajudaram
sobretudo a si mesmos, porque em sua direcção se esvaziam agora os cofres,
escorrendo o leite e o mel sugados sem dó nem piedade aos portugueses e às portuguesas.
Moral da história. Não castiguem o antigo ministro das
Finanças inglês, esse digno representante dos socialismos neoliberais que tanto
encantam as “Cities” deste mundo. Arranjem-lhe um lugar no FMI, Gaspar chega-se
para o lado, haverá espaço para todos os autores de boas obras. Ele apenas foi
vítima do arreigado tradicionalismo britânico. Se em vez de uma carta dizendo “não
há dinheiro” tivesse soltado um sound bite com o mesmo conteúdo em menos de
nada seria um herói e não o vilão em que o transformaram. O problema não foi a
mensagem nem o mensageiro: foi o meio. Modernize-se, homem, que isso passa!
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