As eleições autonómicas e autárquicas em Espanha,
apesar de serem consultas com características próprias e muito associadas a
situações, conjunturais ou não, de índoles local e regional, traduziram uma
realidade que salta aos olhos: grandes massas de cidadãos declararam-se
saturados com a política bipartidária amarrada a uma estratégia única do capitalismo
neoliberal.
Esta é a realidade envolvente, traduzida directamente
no facto de o Partido Popular, a face governamental nos últimos anos, ter sido
castigado, e a face “alternante”, o PSOE (socialistas), não ter recolhido a
fatia mais grossa do chamado “desgaste do poder”.
Em regra, porém, as massas descontentes, não
procuraram as forças políticas tradicionais do exterior do “arco da governação”,
pelo contrário, castigaram-nas igualmente, ainda que em menor escala, e optaram
por movimentos novos nascidos da mobilização aparentemente espontânea dos
cidadãos. Movimentos que têm a sua génese no descontentamento com a política em
geral, englobando nesta responsabilização todas as organizações que, governando
ou na oposição, têm figurado nas sucessivas listas de escolha apresentadas aos
eleitores.
Os “cidadãos”, conceito que por esta via adquiriu uma
conotação basista, próxima da democracia pura e directa, surgiram assim como um
prometedor horizonte a todos os que se declaram “fartos da política”, “cansados
dos partidos”.
Uma fadiga que tem a sua razão de ser nas
consequências das práticas governativas e que acaba por atingir os que têm as
mãos limpas, procuram seriamente outros caminhos não testados e, sobretudo, têm
propostas e uma consistência política que não estão ao alcance do voluntarismo
inconsequente que espreita por detrás dos “cidadãos”.
No caso espanhol é natural o enorme cansaço dos
eleitores perante as manigâncias constantes, independentes ou em conjugação,
dos neofranquistas do PP e dos socialistas, desde a corrupção por atacado, à
mentira como meio de fazer política, à subserviência perante os desmandos da
casta monárquica, à obediência aos agentes internos e externos da especulação
financeira.
O facto de a procura de alternativa ter favorecido agora
os “cidadãos”, em detrimento de organizações do exterior do arco da governação
é compreensível à luz do tal “cansaço” com os partidos, mas traz perigos ainda
mal medidos. Em Espanha há “cidadãos” e cidadãos”. Há os “Ciudadanos”,
entalados entre os neofranquistas e os socialistas que mais não são do que a
versão populista da mistura destes dois, mais um segmento do arco da governação
aliás namorado em permanência pelos socialistas.
E há o Podemos, que mal contados os votos estava a lançar
pontes para os socialistas contra os neofranquistas – nada de estranho afinal,
como muito bem sabemos eles andam aí, pululando como papoilas saltitantes, em
busca das suas cadeirinhas governamentais.
O Podemos é ainda uma massa informe, que vai largando
aos poucos o lastro que lhe vem agarrado das manifestações de massas contra a
austeridade, contra as ingerências externas, ancoradas num descontentamento
compreensível contra a prática política mas, repete-se, metendo no mesmo saco
do repúdio quem deve e não deve lá estar.
Sobre os perigos que o Podemos e afins podem conter em
si próprios não tarda que o tempo se pronuncie. Mas existe ainda tempo antes do
tempo: aquele que está a ser aproveitado já pelo arco da governação para, num
pretenso e democrático desejo de fazer a vontade aos “cidadãos”, alterar as
leis eleitorais para, no fundo, perpetuar o poder do arco da governação
polvilhado aqui e ali com cidadãos que lhe reforcem a legitimidade dita “democrática”.
Dentro de si, o Podemos mistura descontentamentos e, quiçá,
oportunismos. A política é muito mais do que isso. É consistência para
desmontar e desmascarar os que a desvirtuam e criar alternativas que funcionem.
De Espanha chegaram sinais: creio que é necessário lê-los com objectividade e,
sobretudo, sem ilusões e libertos das dicas envenenadas semeadas através da
propaganda social.
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