Cada deputado conservador da elegante maioria absoluta
que compõe agora o Parlamento de Sua Majestade custou 34244 votos de suor ao
denodado Cameron, esse produto com a legítima e legitimada chancela da City.
Parece justo, o homem conseguiu tirar da cartola à última hora um milagroso
anúncio de crescimento económico e vai daí os eleitores recompensaram-no,
driblando até as empresas de sondagens, onde, ao que consta, vão rolar cabeças,
já não na Tower, felizmente apenas em sentido figurado.
Cada deputado do sempre aplicado, e agora sacrificado,
trabalhista Ed Miliband custou-lhe um preço mais alto, 40290 votos e, apesar de
ter ampliado a percentagem em 1,5 pontos, acabou por perder 24 deputados. Será porque
os eleitores britânicos preferem os originais às imitações e conservadores
neoliberais por conservadores neoliberais antes os legítimos como Cameron e não
os herdeiros de Blair, o tal que acabou de vez com o trabalhismo nas ilhas e,
em boa verdade, em todo o continente? Só eles saberão responder.
Cada um dos 8 deputados liberais democratas do infeliz
senhor Clegg, agora despromovido de adjunto de Cameron para a vileza do
anonimato, custou-lhe 301986 votos, 10 vezes mais que cada deputado do seu
ex-chefe. É obra. Tanta generosidade para cumprir as ordens da exigente City,
numa coligação de sacrifício e serviço privado, e a paga foi esta.
E que dizer do truculento Neil Farage, o homem que não
tolera que os restos do Império tenham vindo desabar na insigne Metrópole,
manchando e sujando a pura linhagem britânica? Um deputado custou-lhe 3881128
votos, quase quatro milhões de votos, 113 vezes mais que cada deputado do
iluminado Cameron. É bem feito, dirão. Que não trouxesse para a arena política
o culto do racismo, da xenofobia, que ainda assim lhe valeram quatro milhões de
votos, 12,6%.
Infelizmente ele não foi castigado por isso.
Infelizmente continua a ter uma base eleitoral distribuída pelo todo nacional
que o encorajará a envenenar as mentalidades contra a imigração, contra as
outras culturas e costumes. Ele, Neil Farage, como muitos outros (um deputado
verde custou mais de um milhão de votos), foi vítima de um sistema eleitoral
apresentado como o paradigma da pátria da democracia e que não é democrático,
isto é, não respeita a vontade dos eleitores e deita milhões de votos para o
lixo. E cada voto, em democracia, deve contar, deve estar espelhado na
composição final do Parlamento.
Dir-se-á que cada deputado do Partido Nacionalista
Escocês custou apenas 26 mil votos, menos ainda que os de Cameron, o que parece
contrariar a tese de o sistema estar imaginado para dois partidos desde as
origens, quando tudo se resumia a conservadores e liberais, depois substituídos
estes pelos trabalhistas. De facto os nacionalistas escoceses tiraram proveito
da óbvia concentração do esforço nas 59 circunscrições nacionais das 650 do
universo eleitoral britânico, conquistando 95% dos lugares com a vontade
expressa de 50% dos escoceses. Mais uma prova de que o sistema não é
democrático e, a sê-lo, deveria ser dada imediatamente a independência à
Escócia.
Chamam democracia a este sistema designado uninominal
maioritário a uma volta, mas ele nada tem de democrático. O Parlamento não
representa as vontades manifestadas pelo corpo eleitoral, transforma pouco mais
de um terço dos votos (36,9% foi quanto tiveram os conservadores) numa maioria
absoluta. Chama-se a isto “estabilidade”. Aliás, para que conste, ele foi
inventado pelos conservadores britânicos para se garantirem no poder
transformando maiorias simples em maiorias absolutas. Nos tempos que correm,
caso não haja maioria absoluta, como os dois maiores partidos conseguem 87% dos
lugares com 66% dos votos, e lêem ambos pela mesma cartilha económica, teremos
uma espécie de partido único institucionalizado. Mais “estabilidade” não é
possível.
Por isso, através dessa Europa, as castas políticas
dominantes fundidas no neoliberalismo conspiram nos bastidores, como acontece
em Portugal, para transformar o sistema eleitoral britânico, e o seu sucedâneo
norte-americano, em prática única. Faltando ao respeito às vontades
manifestadas por milhões de eleitores em nome da democracia e da “estabilidade”.
Uma fraude.
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