Depois de
ter afirmado pelo menos 16 vezes que jamais enviaria tropas para o terreno na
Síria, o presidente dos Estados Unidos decidiu remeter um grupo de operações
especiais para o norte deste país. Pouco tempo antes, a mesma ordenança do
complexo militar e industrial transnacional dera outro dito por não dito ao
anunciar que afinal as tropas da NATO vão continuar a ocupar o Afeganistão. A
explicação foi a mesma para ambos os casos, também escutada da mesma boca não
16 mas algumas centenas de vezes: ajudar os “moderados” contra os terroristas.
Especula-se
muito sobre o que estará por detrás destas mentiras da Casa Branca, também apresentadas
como “mudanças de opinião” ou, de acordo com os porta-vozes do presidente,
decisões que em nada violam os compromissos anteriores, uma vez que se trata de
tropas que não irão entrar em combate.
Deixemos as
especulações para os especuladores – e eles não faltam usando mil e uma línguas
– e vamos a alguns factos no terreno, nos ares, ou até no ciberespaço, para
sermos abrangentes.
Os agentes
de “operações especiais” dos Estados Unidos – digamos também da NATO, sem
receio de cometer qualquer imprecisão – irão para o Norte da Síria, prevendo-se
que possam desenvolver acções transfronteiriças no que resta do Iraque, havendo
consultas com o governo de Bagdade sobre essa possibilidade.
No Norte da
Síria, a parceria expansionista formada pelos Estados Unidos e Israel, em
colaboração com o regime fundamentalista turco, está a criar um “Estado Curdo”
em território árabe, a exemplo do que fez através da invenção do “Sudão do Sul”,
com os excelentes resultados humanitários à vista de todos. A amputação do
território sírio pelo norte é um velho objectivo de Israel – por questões “militares
e de segurança”, como sempre – e está em marcha através da colonização curda, a
partir do Iraque e da Turquia, de um território que excede em muito o da
minoria de curdos na Síria. A violência contra os não-curdos já começou, tendo
entre as vítimas os cristãos assírios, mas presume-se que a chegada dos tropas
especiais da NATO não seja para a evitar, mas sim para reforçar a partição da
Síria com carácter de urgência, no âmbito da bem conhecida política de factos
consumados.
No entanto,
recorrendo a um teórico benefício da dúvida, poderá admitir-se que o lançamento
de tropas no terreno tenha como objectivo reforçar o suposto combate norte-americano
contra o terrorismo do Estado Islâmico, ou Daesh, ou ISIS. Será? O que
acrescentará um grupo de operações especiais a um esforço militar tão empenhado
da NATO que em mais de um ano deixou incólume a estrutura terrorista? Sem
tropas no terreno, em pouco mais de um mês e em 1400 saídas, as forças russas
destruíram 1600 alvos dos terroristas islâmicos, entre os quais 249 postos de
comando, 51 campos de treino, 131 depósitos de munições e combustíveis, 768
bases terrestres, além de terem eliminado 28 altos quatros mercenários. A
diferença das eficácias anti terroristas é esmagadora.
Outra pista,
esta de grande impacto na relação mundial de forças, poderá também explicar as
botas norte-americanas no teatro de guerra sírio. Numa operação que deixou o
Pentágono e os gendarmes da NATO estupefactos, a Rússia cegou e ensurdeceu as
comunicações militares norte-americanas e terroristas num raio de 300
quilómetros a partir de um ponto a norte da cidade síria de Latáquia, através
de um sistema de interferências que neutralizou as comunicações entre
satélites, aviões, drones, bases militares – incluindo a de Incirlik, na
Turquia, usada pela NATO – e esquadrões de blindados. Um golpe em cheio no
sistema nervoso operacional atlantista. Dando agora uma expressão muito mais
vasta à neutralização do destroyer USS Donald Cook, então em missão no Mar Negro
no Outono de 2014, as interferências russas nas comunicações militares dos
terroristas e seus patrões da NATO na Síria permitiram a Damasco reconquistar
vilas e aldeias numa área de 300 quilómetros quadrados e protegeram as recentes
incursões de aviões russos na Turquia, onde foram identificar os campos de
treino de grupos terroristas, Estado Islâmico incluído. Percebe-se agora melhor
a irritação de Ancara e Washington com essas operações.
Somado ao
êxito dos disparos de 26 novos mísseis de tipo cruzeiro russos a partir do Mar
Cáspio, com 100% dos alvos atingidos, o dispositivo de interferência nas
comunicações accionado por Moscovo, capaz de paralisar um sofisticado exército desactivando-lhe
o sistema nervoso, coloca novos dados nos mapas das guerras modernas, não
apenas na Síria mas em termos globais. A NATO deixou de ser dona e senhora nos
conflitos convencionais, e não apenas porque os seus tanques se atascam
pateticamente em manobras intimidatórias nas areias das praias do Alentejo.
Posto isto,
as botas americanas no teatro sírio valem o que valem em defesa do terrorismo,
porque não se crê irem servir a legitimidade de Damasco. Daí que, em
simultâneo, os Estados Unidos se vejam obrigados a apoiar a reactivação das
negociações diplomáticas de Viena sobre a Síria, a desenvolver num quadro de
respeito pelas resoluções da ONU sobre o Médio Oriente e não já, como
pretendiam Washington e os aliados da União Europeia, sobre “a partida imediata
de Assad”.
O Médio
Oriente continua em convulsão, mas existem dados novos a induzir que as mudanças
não se processam em sentido único, e a proporcionar oportunidades alargadas às
vias diplomáticas. A relação de forças internacional altera-se.
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