Ser ou não
ser europeísta, eis a questão brandida como o mais recente método de apartheid
político, espécie de segregação entre os “bons” que se ajoelham perante
Bruxelas e os “maus” para quem a democracia ainda significa o respeito pelo que
a maioria dos cidadãos decidem. Um apartheid que serve para estabelecer quem
não deve participar em governos dos Estados membros, ainda que faça parte das
preferências dos eleitores, em nome de compromissos internacionais, a maioria
deles assumidos sem qualquer consulta aos cidadãos, outros ainda nem sequer
concluídos, como é a malfeitoria internacional conhecida por TTIP, ou tratado
transatlântico, a mais recente via de submissão da União Europeia aos Estados
Unidos da América.
Europeísmo,
é bom lembrá-lo em primeiro lugar, não funciona como antítese de nacionalismo.
O contrário do europeísmo, tal como o conhecemos e funciona, é o conceito
democrático de soberania, o exercício da vontade dos povos em defesa dos seus
interesses através de consultas nacionais. O europeísmo centralista, como sabemos, não se rege por consultas populares, a não ser para um Parlamento Europeu que age como uma
caricatura de qualquer afirmação plena da soberania, porque os seus poderes são
limitados e altamente filtrados.
As décadas
de vigência de europeísmo são suficientes para demonstrar que este é uma
aberração desde o início, por muito que hoje ainda haja gente, alguma até bem-intencionada,
que mitifique os supostos ideais dos “pais fundadores”.
Ideais que
não foram além da criação de uma entidade económica e política implantada na
guerra-fria para florescimento de impérios económicos e sorvedouros financeiros
seguros pelo aparelho da NATO, entidade essa que, terminada a guerra-fria, se
assumiu como um polo fundamental da mistificação da democracia ao serviço do
autoritarismo neoliberal.
Note-se que
os “pais fundadores” agitavam a mítica construção dos “Estados Unidos da Europa”,
que tem hoje correspondência nas tendências “federalistas”. Nada mais
anacrónico e afectado por interpretações oportunistas da História. Segundo
essas correntes, a Europa milenar e espelhada num mosaico de Estados-nação
profundamente enraizados deveria adoptar um modelo que ainda não tem 250 anos,
montado através de artifícios em que os Estados não correspondem a nações e não
passam de ficções ditadas por conveniências de descentralização administrativa
e interesses de castas económicas com inspiração feudal.
Hoje em dia,
o europeísmo não passa de uma submissão dos governos dos Estados membros a um
edifício de mecanismos que transferem para Bruxelas os instrumentos
fundamentais nos quais assenta a soberania dos povos e que condicionam – ou até
subvertem – as vontades dos cidadãos manifestadas em eleições livres.
O caso mais
flagrante e cada vez mais exposto perante as pessoas, apesar das fintas da
propaganda, de desinformação que o envolve e da ausência de debate com que foi
institucionalizado, é o do Tratado Orçamental – a arma preferida dos
tecnocratas de Bruxelas e respectivos patrões financeiros e económicos.
O Tratado
Orçamental retira aos governos e parlamentos dos Estados membros a capacidade
de decidirem sobre os respectivos orçamentos de Estado, os quais, como se sabe,
definem não apenas os caminhos da prática económica mas também a política
geral, isto é, a vida dos povos.
Poucos
instrumentos deveriam corresponder de maneira intrínseca à soberania popular
como os orçamentos de Estado. Hoje em dia, porém, todos os orçamentos são
fiscalizados em Bruxelas, com direito de veto de indivíduos à moda das troikas
ao serviço dos títeres bancários, dos casinos bolsistas, dos bandos de agiotas
e especuladores. Os governos elaboram as bases dos orçamentos, enviam-nas para
Bruxelas, onde podem ser absolutamente subvertidas de acordo com a ortodoxia
neoliberal, cabendo depois às maiorias parlamentares aprovarem-nos para
envernizar o processo com a capa democrática, em nome dos supostos compromissos
internacionais. Parlamentos que têm de decidir segundo as ordens europeístas,
custe o que custar, sejam quais forem os resultados eleitorais porque, caso
contrário, serão acusados de violar os interesses das Nações, abusivamente
confundidos com os de Bruxelas.
O exemplo
grego ainda está fresco; atente-se no que se passa em Portugal e percebe-se
assim como o apartheid do europeísmo é o mais letal dos mísseis disparados pelo
regime contra os movimentos consequentes anti austeridade. Não pactuar com o
europeísmo não é ser nacionalista: é um acto de luta em defesa da soberania dos
povos e do funcionamento da democracia como expressão legítima das vontades
populares expressas de acordo com as Constituições. A barreira de separação não
passa entre europeístas e não europeístas, mas sim entre as castas instaladas
ao serviço das conveniências antidemocráticas do autoritarismo concentrado em
Bruxelas e os verdadeiros defensores das soberanias nacionais.
Sem comentários:
Enviar um comentário