A imprensa
da Alemanha dá conta de que os serviços de espionagem do país (BND) devassam
entidades governamentais e não-governamentais de países “amigos e aliados” e de
organizações internacionais, designadamente o Comité Internacional da Cruz Vermelha.
Entre os espiados estão ministérios dos Estados Unidos da América, Polónia,
Áustria, Dinamarca e Croácia – alguns dos quais não passam de protectorados
económicos germânicos – e serviços de representações diplomáticas da União
Europeia, Nações Unidas, França, Reino Unido, Suécia, Grécia, Espanha,
Itália, Áustria, Suíça, Portugal e do próprio Vaticano.
Correspondendo a sigla BND à prestimosa designação de Serviço de Defesa
da Constituição, ficamos a saber que os espiões de Berlim estendem o zelo
profissional e coscuvilheiro ao respeito pelas Constituições dos outros e à
fiscalização abusiva de entidades que tutelam tratados de âmbito continental e
mundial, aliás um velho vício germânico com as dramáticas consequências
sobejamente conhecidas.
Até aqui dizia-se que as actividades “internacionais” do BND se
realizavam a mando da central mundial de espionagem, a norte-americana NSA
(Agência Nacional de Segurança), tão bem retratada pelo conhecedor Edward
Snowden. Agora sabe-se que a espionagem berlinense também age por conta
própria, o que nada tem de surpreendente num mundo onde as grandes potências espreitam
à socapa os negócios de umas e outras, e de todos, procurando as vantagens
económicas e as recompensas financeiras que ditam o resto onde se inclui a vida
de cada um de nós, pobres mortais.
Sabíamos até que a dita NSA, além de mandar o BND espiar por sua conta
também escuta os telefonemas pessoais da chanceler Merkel, prática a que esta
respondeu com uma reprimenda diplomática tão enérgica que cabe na frase “espionagem
entre amigos não é coisa que se faça”. Pois é, e quando isso acontece paga-se na
mesma moeda, ao que parece, embora aqui se aplique a velha história do ovo e da
galinha: quem e quando terá começado? Não custa admitir que o remoto pontapé de
saída tenha sido dado pelo intervencionismo norte-americano há longas décadas
instalado no coração europeu, mas serve a situação ora conhecida para
demonstrar que os alunos europeus aprendem depressa e se equivalem aos mestres,
pelo menos no que diz respeito ao proteccionismo alemão sobre os seus “amigos”
continentais, quiçá mais súbditos que “amigos”.
Diz-nos o convívio com a comunicação social mundial que estes episódios
de espionite são recorrentes, denunciados tanto por meios ditos de “referência”
como pelos mais truculentos megafones sensacionalistas. E, contudo, la nave va, a devassa continua em todos
os sentidos e direcções porque nada acontece a não ser a existência, aqui e
ali, de exercícios de contorcionismo para a legitimação da espionagem sem
qualquer controlo. Lembremos o caso do governo de Manuel Valls em França ao
teorizar sobre o facto de “o direito à privacidade não ser um direito humano”.
Além disso, não estamos a ver o primeiro-ministro polaco, a senhora
presidente da Croácia, o patronal Rajoy, o patético Ban Ki-moon ou primeiro-ministro
português de saída a protestarem contra a espionagem de tais serviços, nem ao
menos zangando-se como fez a senhora Merkel alegando que “espionagem entre
amigos não é coisa que se faça”. Faz sim senhor, e para bem de todas estas
amizades e confrarias, de que as vítimas são sempre as mesmas. Dignidade para
quê? Seja tudo em nome da democracia e da segurança.
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