In Resistir.info
O
LOBO A GUARDAR A CAPOEIRA
No meio das entrevistas
de rua realizadas durante a manifestação do 25 de Abril em Lisboa, e nas quais
o auricular da jornalista a incitava a concentrar as perguntas na assinatura de
uma coligação contra o 25 de Abril há muito anunciada, surgiu um cavalheiro
cuja imagem não me é muito familiar, por culpa minha, confesso. Convidado, como
todos os outros, a comentar a tão excitante coligação, decidida a renascer dos
escombros para servir os restos do país ao insaciável mercado, o cavalheiro
escusou-se polidamente: aos partidos o que é dos partidos, aos sindicatos o que
é dos sindicatos, sábia e prudente opinião dentro do consagrado estilo a minha
política é o trabalho e não tenho nada a ver com o resto, não me comprometam.
Ainda assim, e porque
alguma coisa me escapara antes, deduzi que o cavalheiro era sindicalista. Pelo
andar da conversa não tardei a perceber que era mais do que isso, muito mais,
aliás, porque é o chefe de uma central sindical conhecida por UGT.
Como estávamos no 25 de
Abril, dia propenso a memórias e evocações, revi em flashes curtos um pouco da
história dessa entidade, desde os tempos da “Carta Aberta” pela “liberdade
sindical”, ainda na pré-história deste grupo cujo nascimento teve o glorioso
patrocínio do senhor embaixador Carlucci e da central sindical norte-americana,
a AFL-CIO, que em boa verdade deveria escrever-se AFL-CIA-Mafia, mas isso são
contos que não vêm ao caso. Lembro-me também de fotografias publicadas nesses
tempos testemunhando o nascimento da criatura, selado depois de negociações
segredadas nos Passos Perdidos, em plena Assembleia da República, entre
destacados dirigentes do PS e do PSD. Enfim, outros tempos, velharias da
História que as sensibilidades do 25 de Abril trazem à superfície; mas os
tempos são outros, os da modernidade, há que nos adaptarmos à realidade. Tanto
mais que o cavalheiro entrevistado, e logo em plena manifestação do 25 de
Abril, sentenciara aos partidos o que é dos partidos, aos sindicatos o que é
dos sindicatos.
Como o auricular da
jornalista pé de microfone insistisse na previsão do futuro dos trabalhadores à
luz da assinatura da nefanda coligação, o cavalheiro acabou por avançar um
pouco sobre o tema. Repetiu várias vezes a palavra da moda, “compromisso”, e
nesse contexto manifestou a esperança no que de bom pode trazer aos
trabalhadores um compromisso – e juro que a expressão foi esta – “dentro do
arco da governabilidade”.
Como sabem, a expressão “arco
da governabilidade”, por sinal usada de preferência pelo dr. Portas, é um sinónimo
de arco da governação, arco da austeridade, arco da exploração, arco censório,
da trapaça, centrão… Enfim designações que definem a democracia tal como hoje
se pratica, o um-dó-li-tá entre PS, PSD e CDS, quando não todos juntos e ao molho,
seja o que Deus quiser…
Pois bem, o cavalheiro,
aquele chefe de uma central sindical aposta todas as suas esperanças, e as dos trabalhadores,
pois é a isso que se dedica, no compromisso dentro do tal arco, no que em nada
difere da arqueológica figura que ainda se arrasta dentro do palácio de Belém.
Ora sabendo nós o que significa a coligação de trastes agora renovada e, por
outro lado – neste caso o lado é o mesmo – o conteúdo do programa eleitoral produzido
para o PS por encartados tecnocratas neoliberais, prometendo mais “flexibilização
do mercado de trabalho”, alguma coisa que nos diz que, apesar de vivermos em
modernidade, a tal UGT continua com os tiques de nascença, resultantes de um lamentável
exercício de manipulação genética suprimindo o alelo associado aos
trabalhadores.
Ao-fim-e-ao-cabo o que o
ilustre cavalheiro nos revelou no invernoso 25 de Abril que tivemos foi um sintoma
da prolongada agonia dessa criatura contra natura, cujo comportamento é tão
aberrante como deixar um lobo a guardar a capoeira.
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