SÃO
AS PESSOAS, ESTÚPIDOS!
“É a economia,
estúpido!”, garantiram um dia a Bill Clinton como recomendação infalível para
se tornar um perfeito chefe do império, qual ovo de Colombo empinado com
maestria sobre a secretária da sala oval. Ele tirou-se dos seus pecadilhos
democráticos e percebeu a recomendação, pouco depois estava a bombardear
escolas no Afeganistão, laboratórios de produtos farmacêuticos no Sudão e a
verdade é que, com ele, o neoliberalismo campeão ganhou novo alento universal,
quase fazendo esquecer as sagas pioneiras de Reagan, Thatcher e do patriarca da
família Bush.
“É a economia,
estúpidos!”, cacarejam ainda hoje as aves de arribação afinadas pelos maestros
do arco da governação, vulgo arco da exploração, largando os seus ovos de
Colombo saltitando de poleiro em poleiro, de coluna impressa para microfone de
rádio, daí para uma televisão, e outra, e outra, numa vertigem maluca. Graças a
elas hoje sabemos quanto a economia vai crescer enquanto se apaga, se o mercado
está ou não suficientemente flexibilizado, se o emprego desceu zero vírgula
qualquer coisa por cento ao contrário do que diz a malandragem da oposição ao
assegurar que continua a crescer, que a nossa dívida vai baixar porque tudo o
que sobe descerá um dia, não se sabe é quando. Graças a elas discute-se em
economês nos cafés nos intervalos dos gozos e arrelias da bola, arenga-se em
economês nos jantares de família, no meio dos lamentos sobre os achaques, as
peripécias da novela e as indiscrições sobre os próximos divórcios,
sentencia-se em economês nos supermercados, nos transportes públicos, os taxistas
metem conversa com os passageiros no seu mais vernáculo economês. Em suma,
abreviando, aprendemos economês, deixámos de ser estúpidos, graças a Deus…
Graças a Deus não, graças ao omnipresente arco da governação, vulgo arco da
austeridade, e suas aves de arribação poedeiras.
Foi nisto que se
transformou o 25 de Abril, nascido há 41 anos para cuidar das pessoas depois de
quase cinco décadas em que o país tratou de meia dúzia de famílias. Hoje o país
trata da economia, as pessoas podem continuar a esperar. Os senadores do arco
da governação, vulgo arco da trapaça, e respectivos herdeiros começaram por
engavetar o socialismo, depois engavetaram o espírito de Abril, a seguir, de
passinho insidioso em passinho insidioso, foram engavetando a democracia reduzindo-a
a um reles cavaco, a um coelho tinhoso; e não tarda, se os ventos da Ucrânia e
vizinhanças continuarem a soprar como sopram, estarão a engavetar pessoas por
atacado. Não ouvimos nós uma senhora eurodeputada tão da esquerda que só visto,
que até sabia dos aviões da CIA e coisas assim, dizer que esteve em Kiev nestes
dias negros para a Europa e garantir que aquilo na Praça Maidan é democrático a
valer? Não foi o seu novo chefe quem entregou a algumas eminências domésticas
do ultraliberalismo, Centenos & companhia, a produção do programa eleitoral
do seu partido, provavelmente porque os militantes e quadros ainda não falam o
economês com a necessária fluência?
A verdade é que o arco da
governação, vulgo arco da censura, não encontrou melhor maneira de celebrar o
aniversário do 25 de Abril do que apresentar um projecto de “regulamentação
prévia” da próxima campanha eleitoral que tresanda a lei da rolha, pelos vistos
achando que a censura em curso, praticada em economês, ainda não é suficiente.
O 25 de Abril está assim,
41 anos depois. Mas por ter havido 25 de Abril aprendemos que uma coisa, mesmo
parecendo invencível, felizmente é derrotável.
Um bom princípio será
demonstrar que o tal ovo de Colombo apresentado a Clinton ainda na pré-história
da ditadura do mercado, e tão do agrado das domésticas aves de arribação
poedeiras, era podre de nascença.
É altura de restaurar o
que o 25 de Abril prometeu ao país: “são as pessoas, estúpidos!”
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