LÁGRIMAS
DE GENTE E DE CROCODILO
Mais uma catástrofe humanitária nas águas do
Mediterrâneo, uma das mais graves entre as mais graves. E logo nestes dias em
que a propaganda ao serviço do regime político da União Europeia acordou para o
problema, arregimentando profissionais da comunicação social para tentar
convencer a opinião pública de que não tem nada a ver com o drama, pelo
contrário, faz os possíveis e impossíveis para salvar náufragos.
Passemos por cima de histórias mal conhecidas e logo
abafadas de navios europeus fazendo de conta que não vêm refugiados à deriva
nas águas, de perseguições movidas por barcos de guardas costeiras a bateiras
de refugiados até que naufraguem, como aconteceu na Grécia, de decisões à
revelia dos acordos internacionais expulsando imigrantes para os países de
origem.
Será que a Europa não tem mesmo nada a ver com esta
situação e apenas se limita a fazer os possíveis e impossíveis, repete-se, para
cuidar dos vivos e enterrar os mortos? A culpa é toda do terrorismo islâmico em
geral e desse tal Estado Islâmico em particular, que deu as caras ao mundo há
três anos, no máximo, sendo que as tragédias com refugiados no Mediterrâneo se
arrastam há muito, muito mais anos?
Façamos de conta que a culpa é toda do Estado
Islâmico. Então de onde vêm os imigrantes? Sigamos as fontes da propaganda
europeia: da Líbia, do Egipto, do Sudão do Sul, da Síria, do Iraque, do
Afeganistão, da Somália, da Etiópia, do Mali, da República Centro Africana, do
Chade, da Eritreia…
Como foram criadas nestes países as tragédias que
obrigam as pessoas a fugir em busca não apenas dos meios de subsistência mas
para preservar a própria vida e a dos seus, à mercê de guerras e terror sem
solução à vista? Será que a União Europeia e, sobretudo, as suas potências mais
sonantes nada têm a ver com a origem e desenvolvimento destes dramas? A União Europeia
está inocente do caos reinante no Egipto, na Líbia, no Afeganistão, no Iraque,
na Síria, no Sul do Sudão, no Mali? Não foram os países da União Europeia que
aplaudiram freneticamente a primeira “guerra humanitária” da história, lançada
pelos Estados Unidos na Somália ainda na década de noventa, que por acaso
também correu mal e em nada resolveu nem humanizou o caos em que o país
continua mergulhado?
A propaganda europeia descobriu agora que a Líbia é o
principal entreposto do rentável negócio de carne humana proporcionado pelo
tráfico de refugiados a quem prometem o paraíso europeu viajando em restos de
barcos recuperados do lixo, em troca de todos os seus haveres. Ao que parece o
negócio está nas mãos do tal Estado Islâmico, o que provavelmente é verdade.
Mas só agora. Antes disso, a Líbia apenas se transformou no bem sucedido
entreposto de carne humana depois de “libertada” e “democratizada” pela NATO,
ao tempo em que a mesma NATO designou o terrorista e aliado Abdelhakim Belhadj
governador militar de Tripoli – ele que agora é o chefe do Estado Islâmico no
Magrebe (segundo a Interpol) depois de ter sido incumbido pela senhora Clinton
e amigos, também europeus, claro, de atear ainda mais o fogo na Síria.
Façamos mais uma vez de conta que tudo o que atrás
ficou escrito é ficção. Será a União Europeia uma entidade que tem uma atitude
clara e humanitária de acolhimento dos refugiados, com uma política de asilo transparente
e respeitadora dos direitos humanos? Ou, pelo contrário, a política praticada não
passa de uma versão cada vez mais dura das tendências xenófobas, das perseguições
religiosas de novo tipo suscitadas pelas manipulações perversas do fenómeno do
terrorismo, correspondendo assim às prédicas neofascistas que percorrem o
continente de-lés-a-lés? Será que isso tem acalmado o neofascismo ou, pelo
contrário, continua a engordá-lo?
Uma coisa vos garanto não ser ficção: há muitas
lágrimas de crocodilo à mistura com as lágrimas de gente que engrossam e salgam
cada vez mais as águas do Mediterrâneo.
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