A ONU vai hastear a bandeira da Palestina entre as dos
membros da organização em frente ao palácio de vídeo em Nova Iorque, por
decisão da Assembleia Geral. Acontecimento histórico, dizem uns; decisão
tardia, argumentam outros; movimento simbólico, asseguram uns tantos; faz-se
justiça, consideram mais alguns.
A verdade é que todos e nenhum têm razão. A iniciativa é
tudo isso, histórica, tardia, simbólica, justa, mas nada altera. A decisão da
Assembleia Geral, como muitas aprovadas por este órgão que deveria representar
a vontade dos povos do mundo, é ineficaz – mais do que isso, inútil.
Será importante, sem dúvida, para os palestinianos e todos
os que com eles se solidarizam na luta pelos seus inalienáveis direitos, ver a
bandeira da Palestina reflectida nos vidros do palácio que deveria representar
o respeito pela vontade e os direitos de todos os cidadãos da Terra. Mais
importante seria, porém, que a presença dessa bandeira correspondesse à
concretização absoluta e sem ambiguidades de um Estado da Palestina - um Estado
viável, é claro - um conceito que a ONU aprovou há 77 anos em decisão inscrita
no direito internacional e a cujo cumprimento se tem furtado durante as quase
oito décadas transcorridas.
Os palestinianos revêem-se, orgulhosos, nessa bandeira. Acreditam
que talvez a nova realidade, simbólica e formal, possa acelerar a instauração do
Estado viável que lhes é devido pela chamada comunidade internacional, mas isso
não determina que alguma coisa mude. A bandeira é virtual e tudo indica que
continue a sê-lo por muitos e maus tempos.
Porque a ONU é uma farsa. Quase sempre o foi, mas o quadro
tem-se degradado para patamares inconcebíveis, sobretudo desde que há um quarto
de século acabou a bipolaridade como sistema não convencionado, mas real, de
funcionamento das coisas internacionais.
Observando como este caso da bandeira da Palestina simboliza
a degeneração da ONU em relação aos seus princípios fundadores avulta, desde
logo, o facto de a Assembleia Geral, o órgão de estatuto mais democrático da
instituição, não mandar nada. Vota e pronto; depois nada acontece, porque os
países supostamente mais democratas de todos – a democracia da força em vez da
força da democracia -, os membros permanentes do Conselho de Segurança, que se
barricam atrás de normas por si estabelecidas para proveito próprio, mandam e
desmandam em tudo o que acontece ou há-de acontecer no mundo.
Assim sucede, uma vez mais, por detrás da decisão sobre a
bandeira da Palestina. Os Estados Unidos da América votaram contra – enquanto
dizem que são a favor de um Estado da Palestina, ironia das ironias – porque
para que tal aconteça é preciso levar a bom porto o “processo de paz” que eles
e o seu “inseparável aliado” Israel patrocinam e ao mesmo tempo sabotam. Um
processo de paz cuja invocação é caricata, mas cujo conceito serve para que se
vá consumando a ocupação israelita de toda a Palestina, invalidando a criação
do tal Estado – viável, repete-se, porque nenhuma outra coisa será admissível,
muito menos uma caricatura - cuja bandeira virtual irá agora ondular em frente
à sede da ONU. Anoto que o governo português se absteve nesta matéria, isto é,
tomou a posição dos cobardes num assunto com tal gravidade, como quem se
refugia num canto para não incomodar seus amos: a Alemanha, que também se
absteve; e os Estados Unidos, que chefiam os anglo-saxónicos e seus apêndices
secundando a sanha terrorista de Israel.
Pela ordem natural – e aberrante – das coisas, quando a
bandeira da Palestina for hasteada em Manhattan o povo de Gaza continuará a
tentar sobreviver no campo de concentração em que o território foi transformado
pelo regime de Israel, com beneplácito das principais potências da ONU; o muro
que confina o povo da Palestina a bantustões miseráveis, isolados, verdadeiros
campos de morte lenta, estará ainda mais sólido e longo; milhares de
palestinianos continuarão a penar nas prisões israelitas, vítimas de actos
arbitrários e cruéis que violam quaisquer compêndios de direito, mesmo os
coligidos pelos mais sórdidos regimes; os colonatos sionistas estarão, ainda e
sempre, absorvendo metro a metro o território da Palestina, numa ocupação para
já irreversível que desmonta qualquer “processo de paz”; uma nova cerca ou muro
já em construção – estão na moda – tornará estanque a transição de seres
humanos entre a Palestina ocupada e a Jordânia; os militares israelitas
continuarão a fazer o que muito bem lhes apetece contra os indefesos
palestinianos; as deportações prosseguirão. A Nakba, a catástrofe do povo da
Palestina, segue o seu caminho sinistro.
Uma bandeira, por muito orgulhosa e legítima que seja, não elimina
nada disto. Porque tudo isto faz dela uma bandeira justa e insubstituível, mas
ainda virtual.
Sem comentários:
Enviar um comentário