A eleição de Jeremy Corbyn como dirigente máximo do Partido
Trabalhista Britânico tem dado origem a um dos maiores chorrilhos de asneiras,
demonstrações de ignorância e manifestações de manipulação propagandística nos
tempos que correm. Ainda o homem não fora eleito para o cargo e já a sua
simples candidatura era olhada como uma terrível avalancha de tempestades
ameaçando a Europa, a qual, como se sabe, vive na paz dos deuses.
Vamos então a factos para que se entenda o significado
profundo desta eleição, que mais não é do que uma expressão do sentimento
profundo de revolta dos trabalhadores britânicos contra a austeridade em geral
e contra a apropriação de um dos seus partidos, o Partido Trabalhista, por uma
casta reacionária, direitista e neoliberal que o “thatcherizou” pelas mãos de
um criminoso de guerra chamado Tony Blair.
O cujo, Tony Blair, patrocinou mil e uma conspirações e
chantagens nas semanas que antecederam a eleição do novo presidente trabalhista
para que Corbyn fosse apagado da lista dos candidatos, ou então derrotado. A
democracia funcionou e Blair saiu escandalosamente derrotado.
A democracia funcionou, é verdade, mas não através do
artifício das “eleições primárias”, cópia do modelo norte-americano que
subverte o sistema de partidos através de mecanismos confusionistas criados
para acabar de vez com a ideologia na política. Corbyn foi eleito sim, mas
pelos militantes do partido e dos sindicados que lhe são afectos – nos termos
da organização laboral britânica. Nas eleições trabalhistas, ao contrário do
que se tornou moda através da Europa neoliberal, não há participação dos
chamados “simpatizantes”, artimanha que dá origem aos desvios democráticos proporcionados
pelo sistema de “primárias”.
Quase 60% dos trabalhistas britânicos escolheram então
Corbyn, apostando num programa que nada tem de “radical”, como gritam os nossos
analistas e politólogos de turno, e representa apenas um regresso à tradição
ideológica trabalhista, permitindo a dissociação do partido da amálgama
neoliberal que governa a Europa numa fusão inextrincável entre direitistas e
socialistas/sociais-democratas.
Se os tais analistas, comentadores, politólogos e papagaios
soubessem um bocadinho de História da Europa e não se limitassem ao preguiçoso
copy/paste dos escritos e dissertações dos tecnocratas que ainda lêem apenas a
bíblia dos rapazes de Chicago, saberiam que Corbyn não é “radical”, nem um
comunista disfarçado, nem um revolucionário, quiçá um terrorista ou bombista. O
programa de Corbyn defende apenas a restauração de uma ordem mais democrática,
laboral e social que existia no Reino Unido e outros países europeus antes de
ser arrasada por Margareth Thacher e respectivos sequazes continentais, entre
os quais avultou o já citado Tony Blair.
Corbyn é solidário com a Palestina e os palestinianos como
defende uma Irlanda unida, é contra as armas nucleares e a guerra, esteve ao
lado dos injustiçados seis de Birminghan, advoga o regresso de serviços básicos
– transportes, correios, por exemplo – ao sector público, responsabiliza a NATO
pela catástrofe na Ucrânia, é contra a austeridade, propõe impostos
progressivos de acordo com os níveis de rendimentos, advoga o fim dos subsídios
estatais ao sector privado. Coisas políticas que os papagaios – entre ignorância
e maus instintos – apregoam como que saídas de horrendas catacumbas medievais.
Nada disto é radical, muito menos anacrónico; Corbyn não
está “fora de moda” por não ser igual a Hollande e aos sociais-democratas
amestrados pela senhora Merkel, nem se guia por coisas que já não se usam. Pelo
contrário, o seu aparecimento, a par da experiência prometida pelo Syriza e
pelo mesmo Syriza aniquilada, representam sinais de que o prazo de validade do
neoliberalismo, estagnado no rumo único da austeridade, está a chegar ao fim.
Daí a falta de tino das reacções à eleição do líder
trabalhista britânico, que já se manifestaram também a propósito do Syriza e
ameaçam o Podemos e outras indignações – ainda que todos estes casos sejam
diferentes entre si. Daí também alguns silêncios comprometidos dos que deveriam
ser “compagnons de route” de Corbyn, e com ele solidários, insensíveis aos
insultos e às deturpações programáticas de que o novo dirigente trabalhista é
vítima. Provavelmente porque para esses “compagnons de route” os interesses da
batota financeira se sobreponham à solidariedade, e antes Blair que tal sorte.
Mas aquilo que Corbyn defende também os comunistas defendem. Qual é o problema dos comunistas?
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