Um dos figurantes da noite d’”O Debate” assegurou,
empolgado, que estávamos a viver um momento histórico e não serei eu que irei
retirar-lhe a razão. Foi histórico, sim senhoras e senhores, aquele “Debate”,
porque além de ter sido a maior operação de propaganda situacionista que
Portugal viveu – e não é dizer pouco num país que sofreu quase meio século sob
um regime fascista – também foi bastante esclarecedor para os cidadãos com os
olhos abertos: revelou-se o mais consistente exemplo da mistificação a que
chegou a democracia portuguesa como subproduto do conceito de democracia
vigente na União Europeia.
Em boa verdade, os figurantes e os actores pareciam ter
chegado de outro planeta, quiçá de Marte, numa confirmação do advento ainda há
pouco proclamado pelo dr. Costa sobre a iminente arribação de marcianos.
Esclarecer não era o objectivo, como se percebeu através da penosa série de
perguntas retóricas e dos monólogos a corresponder-lhes, para que no fim
triunfasse, como triunfou, o todo-poderoso arco da governação, porque outro
resultado não seria possível, o 1 era igual ao X e ambos igualíssimos ao 2,
nunca foi tão fácil acertar no Totobola. Todos os cinco em cena corresponderam
ao que deles se esperava como micro universo do sistema político-propagandístico
que destina a vida dos portugueses, a exemplo dos outros que controlam as vidas
dos 27 povos da União. E o desfecho também não surpreendeu, porque “O Debate”
não foi montado para que dele nascesse a luz mas antes alastrasse a confusão,
de modo a transformar a escolha eleitoral num duelo entre dois clubes, à
maneira de uma refrega futebolística.
O lado mais importante do “Debate”, e daí a importância
histórica desta mega operação propagandística do chamado arco da governação, é
o que está para além dele. Creio que é essencial reflectir sobre isso.
O momento d’”O Debate” não foi escolhido por acaso.
Travou-se a cerca de um mês antes da data das eleições, ainda no exterior da
campanha eleitoral, e não em cima da votação, por uma razão muito simples:
marcar a agenda e os temas da campanha. Do mesmo modo que a magna manobra foi
organizada de maneira a convencer os eleitores que não há escolha para lá
destes dois figurões e respectivas famílias políticas – família política, para
ser mais preciso – ficaram também estabelecidos os tons e os temas da campanha.
Disso se encarregam os dois ilustres senhores e, sobretudo, a corte de
analistas, comentadores e especuladores oficiais do regime, os quais irão
espremer o “Debate” e respectivas nuances, inflexões e sound-bites criando a
confusão e o ruído necessários para que não se faça política, mas sim lavagem
cerebral.
Os que ainda conseguem lembrar-se de qualquer coisa que
tenha acontecido n’”O Debate” sabem muito bem que por ele não passaram, por
exemplo, a Educação, as trapaças do Tratado Orçamental, os beija-mãos à senhora
Merkel; da Saúde deitaram-se uns pozinhos para os olhos, da Justiça cruzes
credo, t’arrenego, Agricultura, Indústria e Pescas que é delas – em boa verdade
não deve falar-se de coisas que foram devastadas pelas duas tão aconchegadas
famílias. Para o desemprego e a segurança social guardaram-se as piruetas
estatísticas, investimento público nem pensar porque é público, logo ofensivo
do mercado. Quanto à troika, parece que a tão famosa “ajuda” foi renegada agora
que se aproxima a hora de as vítimas da austeridade terem uma palavra a dizer, porque
afinal ninguém a chamou. O dr. Coelho diz que foi o eng. Sócrates; e o dr.
Costa, que não consegue sequer pronunciar o nome do eng. Sócrates, se calhar ao
tempo trabalhava apenas como porteiro no Largo do Rato.
Enfim, a campanha oficial vai ser um desdobramento d’”O
Debate” em doses sucessivas, de maneira a que as propostas elaboradas por
outras forças políticas que não as do arco da governação sejam esmagadas por um
tenebroso aparelho de mistificação que se entretém a fingir que discute o
passado por não ter a coragem e a frontalidade de assumir que pretende mais do
mesmo para o futuro do país: austeridade, submissão, desigualdade,
arbitrariedade, miséria, emigração.
“O Debate” foi histórico, sem dúvida. Demonstrou como os
impérios da propaganda travestidos de comunicação – com os respectivos
tentáculos multinacionais e imperiais – protegem os seus agentes na política, de
maneira a que os momentos potencialmente incómodos, como é o caso de umas
eleições gerais, sejam ultrapassados sem danos e até com proveitos acrescidos.
Eu chamei-lhe sessão de wrestling... e disse mais ou menos isso
ResponderEliminarmas mais resumido
(boa malha!)