Estará Portugal na alvorada da V Dinastia? Quando um
Presidente da República Portuguesa manda dizer aos súbditos que está a pensar e
por isso não poderá comparecer nos actos comemorativos dos 105 anos da
implantação da República, uma tal hipótese restauracionista ergue-se no
horizonte dos tempos nebulosos que atravessamos.
Em verdade, em verdade vos digo que desconheço o que na
verdade mais me inquieta, se o facto de o Presidente da República se recusar a
comemorar a República ou o acto de o Presidente da República ameaçar que vai
pensar. Há 30 anos que conhecemos de ginjeira os resultados dos esforços de cérebro
tão saturado, pelo que ai de nós quando ele anuncia a intenção de reflectir.
Para pior já basta quando faz jus ao cognome de “imóvel de Belém”, como a plebe
o vai conhecendo. Os seus malefícios são imensos pelo simples motivo de existir
como Presidente da República. Tornando-se esse Presidente da República um ser
pensante, ainda que pelo curto de espaço de um dia, por coincidência o da
celebração da República, os augúrios nada têm de prometedor.
E que terá o Presidente assim de tão complexo para pensar?
Encarregar o partido com mais deputados na nova Assembleia da República – ou deverei
escrever Cortes – de formar governo? Escrevo e sublinho com mais deputados,
e não a força mais votada, porque as coligações se desfazem assim que forem
apurados os resultados eleitorais, passando os deputados a representar partidos
ou a assumir a condição de independentes, no caso de o serem. Ora para decidir
em termos de um senso democrático comum bastam conhecimentos rudimentares de
aritmética, que não devem faltar ao economista Presidente da República, pelo
menos aos seus conselheiros e assessores, ou será mais adequado escrever vassalos?
Há qualquer coisa de enigmático, misturada entre
preconceitos óbvios, na atitude do Presidente da República, em tirocínio para
D. Aníbal I, quando manda anunciar que vai pensar. O óbvio é que entre o
Presidente da República, corta fitas de estátuas de reis, e a República não
existe qualquer traço de união. Aníbal não saberá pelo seu punho alinhavar uma
elementar definição de República, porque desconhece o espírito de cidadania,
acha que os cidadãos só atrapalham a bondade dos números que os representam,
entende que a solidariedade republicana deve ser aquilo que as troikas e os
seus servidores – entre os quais ele próprio – aplicam aos povos para que o
mercado e seus agiotas engordem, enfim de Res
publica Aníbal apenas perceberá o que a expressão tem em comum com
rés-do-chão.
A coisa enigmática – permitam-me que especule – poderá ser a
tentação de estar prevenido para que os resultados eleitorais lhe proporcionem
a monarquização efectiva do regime, que de republicano já pouco tem. Entre
pensar de vez em quando e nada pensar, ele próprio, por ora Presidente em
título, emerge como um rei talhado ao jeito de outros da modernidade, do tipo “por
que não te calas?”; Coelho e Portas darão marqueses a preceito. Azar o dos
Bragança, ansiando há mais de um século pelo regresso das mordomias: terão de
perder por completo as ilusões, porque mais alto se afirmam os brasões dos
Boliqueime, eles sim a alma do reviralho reacionário, inspirados há três
décadas pelos esfíngicos tabus de D. Anibal.
A plebe, porém, ainda tem pela frente algumas horas para
evitar a consumação da tragédia. Sabemos que os definindo-se como socialistas e
republicanos engavetaram o socialismo e se esqueceram do republicanismo – a não
ser quando chega o 5 de Outubro – contribuindo, sem pudor, para o estado de
monarquia latente em que esbraceja este país, ora prestes a finar-se.
Porém, nem todas as oportunidades de evitar o afogamento se
esgotaram. Cada cidadão português pode, por uma vez, deixar de ser um simples
número para as estatísticas e usar o voto a seu favor. O cenário e os actores
são mais do que familiares; para decidir em termos de cidadania e de
regeneração republicana basta fazer com que Aníbal e respectivos sequazes em
vez de pensar fiquem a falar sozinhos. Basta fazer aos Boliqueime, agora nas
urnas, o mesmo que os republicanos fizeram aos Bragança, há 105 anos.
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