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sábado, 3 de outubro de 2015

DOS BRAGANÇA AOS BOLIQUEIME




Estará Portugal na alvorada da V Dinastia? Quando um Presidente da República Portuguesa manda dizer aos súbditos que está a pensar e por isso não poderá comparecer nos actos comemorativos dos 105 anos da implantação da República, uma tal hipótese restauracionista ergue-se no horizonte dos tempos nebulosos que atravessamos.
Em verdade, em verdade vos digo que desconheço o que na verdade mais me inquieta, se o facto de o Presidente da República se recusar a comemorar a República ou o acto de o Presidente da República ameaçar que vai pensar. Há 30 anos que conhecemos de ginjeira os resultados dos esforços de cérebro tão saturado, pelo que ai de nós quando ele anuncia a intenção de reflectir. Para pior já basta quando faz jus ao cognome de “imóvel de Belém”, como a plebe o vai conhecendo. Os seus malefícios são imensos pelo simples motivo de existir como Presidente da República. Tornando-se esse Presidente da República um ser pensante, ainda que pelo curto de espaço de um dia, por coincidência o da celebração da República, os augúrios nada têm de prometedor.
E que terá o Presidente assim de tão complexo para pensar? Encarregar o partido com mais deputados na nova Assembleia da República – ou deverei escrever Cortes – de formar governo? Escrevo e sublinho com mais deputados, e não a força mais votada, porque as coligações se desfazem assim que forem apurados os resultados eleitorais, passando os deputados a representar partidos ou a assumir a condição de independentes, no caso de o serem. Ora para decidir em termos de um senso democrático comum bastam conhecimentos rudimentares de aritmética, que não devem faltar ao economista Presidente da República, pelo menos aos seus conselheiros e assessores, ou será mais adequado escrever vassalos?
Há qualquer coisa de enigmático, misturada entre preconceitos óbvios, na atitude do Presidente da República, em tirocínio para D. Aníbal I, quando manda anunciar que vai pensar. O óbvio é que entre o Presidente da República, corta fitas de estátuas de reis, e a República não existe qualquer traço de união. Aníbal não saberá pelo seu punho alinhavar uma elementar definição de República, porque desconhece o espírito de cidadania, acha que os cidadãos só atrapalham a bondade dos números que os representam, entende que a solidariedade republicana deve ser aquilo que as troikas e os seus servidores – entre os quais ele próprio – aplicam aos povos para que o mercado e seus agiotas engordem, enfim de Res publica Aníbal apenas perceberá o que a expressão tem em comum com rés-do-chão.
A coisa enigmática – permitam-me que especule – poderá ser a tentação de estar prevenido para que os resultados eleitorais lhe proporcionem a monarquização efectiva do regime, que de republicano já pouco tem. Entre pensar de vez em quando e nada pensar, ele próprio, por ora Presidente em título, emerge como um rei talhado ao jeito de outros da modernidade, do tipo “por que não te calas?”; Coelho e Portas darão marqueses a preceito. Azar o dos Bragança, ansiando há mais de um século pelo regresso das mordomias: terão de perder por completo as ilusões, porque mais alto se afirmam os brasões dos Boliqueime, eles sim a alma do reviralho reacionário, inspirados há três décadas pelos esfíngicos tabus de D. Anibal.
A plebe, porém, ainda tem pela frente algumas horas para evitar a consumação da tragédia. Sabemos que os definindo-se como socialistas e republicanos engavetaram o socialismo e se esqueceram do republicanismo – a não ser quando chega o 5 de Outubro – contribuindo, sem pudor, para o estado de monarquia latente em que esbraceja este país, ora prestes a finar-se.
Porém, nem todas as oportunidades de evitar o afogamento se esgotaram. Cada cidadão português pode, por uma vez, deixar de ser um simples número para as estatísticas e usar o voto a seu favor. O cenário e os actores são mais do que familiares; para decidir em termos de cidadania e de regeneração republicana basta fazer com que Aníbal e respectivos sequazes em vez de pensar fiquem a falar sozinhos. Basta fazer aos Boliqueime, agora nas urnas, o mesmo que os republicanos fizeram aos Bragança, há 105 anos.
 
 

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