Os portugueses ganham menos, trabalham mais e correm riscos
mais elevados de despedimento.
Quem o diz? A CGTP? O PCP ou o Bloco de Esquerda? O “radical”
António Costa? Se o leitor respondeu de acordo com alguma destas óbvias
alternativas errou redondamente.
Quem o diz é a insuspeitíssima OCDE, entidade neoliberal por
essência e definição, concluindo assim que a vida dos portugueses está cada vez
pior. As motivações do desabafo só os próprios a conhecerão, mas agora que,
segundo a coligação que nos deixou neste lindo estado, as coisas iam tão bem,
esta conclusão parece traiçoeiramente combinada entre a dita OCDE e as
diligências de António Costa para fazer um governo contra a austeridade.
Ao mesmo tempo, imagine-se a amplitude da conspiração, a
Global Wealth Report, uma das várias entidades que avaliam a saúde das finanças
dos mais ricos do mundo, deduziu que Portugal tem menos milionários, mas mais
ricos.
Isto é, por um lado os portugueses ganham menos, trabalham
mais e vivem na corda bamba do desemprego; por outro, os milionários portugueses
são em menor número, helas!, mas estão mais ricos.
Surge então o ex-presidente da Comissão Europeia, um
indivíduo que devia estar a prestar contas ao Tribunal de Haia por crimes
contra a humanidade, e adverte os militantes do PS que nem se atrevam a permitir
um governo de aliança entre o seu partido e os partidos à esquerda, porque isso
irá trazer elevados custos aos portugueses. A quem? Aos que carregam o peso da
austeridade ou àqueles pobres milionários, coitados, que estão menos ricos,
quiçá até aos que estão mais ricos?
Depois das quedas na bolsa provocadas pela “instabilidade
política” conjugada com a “ameaça de um governo de esquerda”, depois das
insistências de Bruxelas para que o governo – em minoria – envie rapidamente o “projecto
de orçamento” do próximo ano, depois dos recados dos bancos segundo os quais,
como “motores da economia”, exigem uma célere e estável “solução política”,
depois das mensagens cifradas do rei de Boliqueime, faltavam-nos as ameaças
silvadas pelo ex-presidente da Comissão.
O homem nem hesitou em interromper o seu repouso sabático,
talvez correndo o risco de perder o telefonema capaz de o projectar para
novos e altíssimos voos, tão empenhado está em acudir aos portugueses assim
ameaçados de ganharem ainda menos, de trabalharem ainda mais, de alongarem a
interminável fila dos desempregados. Ele, o ex-presidente da Comissão Europeia
que não hesitou em fazer das mentiras guerra e assim provocar a perda de
milhões de vidas humanas – é verdade, a ordem de grandeza das vítimas mortais
das guerras por ele apoiadas já se avalia em milhões; ele, que depois do
desmantelamento do Iraque e da Líbia também tem as mãos sujas do sangue dos
sírios, pois sabe-se como a União Europeia contribuiu e contribui para esta tragédia;
ele, que está na origem da via-sacra dos refugiados a caminho da Europa e que,
enquanto presidente da Comissão, nada fez – antes pelo contrário – para que a
Europa tivesse uma política de imigração.
Dir-se-á: pois sim, o homem será isso tudo mas também é um
patriota. Ainda muito novinho, revolucionário em folha, impediu que os
portugueses tombassem nas mãos do tenebroso “social-fascismo”. Depois, como
primeiro-ministro de Portugal, foi o anfitrião ideal da tal cimeira dos grandes
democratas Bush, Aznar e Blair que iria levar a democracia a cada recanto do
Médio Oriente e só não o conseguiu devido às tramoias do “terrorismo”. A
seguir, já como presidente da Comissão Europeia, defendeu bravamente os
interesses dos portugueses enviando-lhes a troika, protegendo os agiotas que
lhes sugam os bens, colocando-se ao lado da benemérita Merkel, que só por um
triz não ganhou o Nobel da Paz, contribuindo para que aos seus concidadãos
fossem impostos tratados e outros artifícios austeritários, de modo a instaurar
a ordem nas benditas finanças públicas. É certo que a dívida continua a
crescer, os números fintam os discursos oficiais, mas há que dar tempo ao tempo
e espaço à minoria governamental.
Enfim, o homem que fez tudo o que esteve ao seu alcance para
que os portugueses ganhem menos, trabalhem mais, emigrem muito mais e vivam
cada vez mais à beira do desemprego é a voz segura e certa para advertir os
mesmos portugueses de que irão ganhar menos com um governo à esquerda. Ele sabe
do que fala; sobretudo, sabe como se conspira.
Gostei
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