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quarta-feira, 26 de agosto de 2015

A CHINA, AS BOLSAS E OS BOLSOS


 

A tão falada crise económica na China tem as costas largas. Na verdade, por muito que a imensa economia chinesa esteja a atravessar dificuldades, tal situação não pode ser considerada como única responsável pela crise económica mundial e, sobretudo, pelos sobressaltos que continuam a registar-se nos principais mercados financeiros internacionais, de Nova Iorque a Xangai. Podem estar certos de duas coisas: o que está a acontecer significa que se a economia chinesa espirra o resto do mundo pode apanhar uma pneumonia; e que também há quadrilhas financeiras que usam nomes como Goldman Sachs, JP Morgan, HSBC a embolsar quantias astronómicas com a manipulação da crise através das mais influentes bolsas mundiais. A chamada “segunda-feira negra”, 24 de Agosto, não foi negra para todos, mas sim muito douradinha para alguns. Nesse dia, em três horas e quarenta minutos, a Bolsa de Nova Iorque registou a maior viragem da história, uma descida aos infernos pontuais logo seguida por uma recuperação parcial que fez mudar de mãos, através de plataformas especulativas, grossas maquias na ordem dos milhares de milhões de dólares.
Em Xangai, e também em outras bolsas, incluindo as europeias, passam-se aberrações semelhantes, muito queridas por aqueles que quando ouvem falar de regulação financeira equipam logo os seus governos súbditos com artilharia pesada em defesa da “liberdade de mercado”. Mas fiquemo-nos no caso de Xangai, que supostamente espelha a crise económica chinesa. Num ano, o índice bolsista subiu 140 por cento e num mês, desde 21 de Julho, perdeu aceleradamente 30 por cento, com subidas intermédias ao jeito dos fazedores de mais-valias através de rápidas operações informáticas. Entre os principais actores dessa bolsa estão os mesmos da Bolsa de Nova Iorque, incluindo os operadores financeiros atrás citados, grandes protagonistas, como se sabe, da crise de 2008 e das falcatruas do subprime.
Os sobressaltos bolsistas surgidos como uma epidemia global seguiram-se, para quem não se lembra, às desvalorizações sucessivas da moeda chinesa, o yuan, que criaram desconforto e contrariedade nas economias geridas pelo dólar e pelo euro. A China limitou-se, porém, a tirar partido do facto de comandar quase em absoluto a sua economia, usando o valor da sua moeda para tentar dinamizar as exportações com o objectivo de cumprir as perspectivas de crescimento económico para este ano – 6,5 a 7 por cento, um valor que deixa a enorme distância todas as outras economias mundiais. A europeia debate-se entre a estagnação e crescimentos residuais; a norte-americana oscila em fintas sucessivas às previsões “dos analistas” de serviço, mas retenhamos apenas o que diz a insuspeita OCDE: está em plena desaceleração.
Portanto, depois da crise do subprime, da hecatombe europeia em torno das dívidas soberanas, da recessão e do fracasso do euro surge a crise atribuída aos mercados emergentes, nos quais avulta a China, que poderá ir desembocar, quiçá, na economia norte-americana, cuja capacidade competitiva será atingida pelo reforço do dólar resultante da previsível afluência massiva de capitais externos.
Paul Krugman, Nobel da Economia em 2008, diz ironicamente que esta situação só pode ser observada como “uma série de azares” pelos principais governos mundiais porque não estão dispostos a encarar a realidade económica global segundo uma nova perspectiva: a acumulação de crises resulta de um excesso de dinheiro parado devido à insistência nas políticas de austeridade, à destruição gradual dos Estados sociais, ao afunilamento da política de juros baixos a que a inflação baixa tirou capacidade de manobra e, sobretudo, ao anátema lançado sobre tudo o que seja investimento público. Ou seja, só pode ver a crise como “uma série de azares” quem conserve a visão estreita ditada pelo catecismo neoliberal e que insista em supostos remédios, como a austeridade e a fuga ao investimento público, que mais não fazem do que liquidar o paciente.
Por outro lado, esta situação interessa aos mesmos de sempre, às quadrilhas que manipulam bolsas e empurram para baixo os preços de produtos como o petróleo, de modo a asfixiar as economias de países emergentes num momento em que estes convergem na institucionalização de mecanismos alternativos aos poderes do dólar, do FMI e do Banco Mundial. As mesmas quadrilhas que em três horas e 40 minutos num dia da Bolsa de Nova Iorque embolsam milhares de milhões de dólares a pretexto de uma crise na China depois de, durante a noite anterior, elas próprias terem manipulado a Bolsa de Xangai apresentando-a como prova dessa suposta crise. A entidade reguladora chinesa prometeu investigar o fenómeno. A ver vamos… ou não.
Dinheiro parado pode ser uma fonte de crise social, estagnação e recessão económica. Mas os especuladores chamam-lhe um figo, operando de bolsa em bolsa e sem reconhecerem fronteiras.
 

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