Como génio das matemáticas que dizem ser, o ministro Crato
só pode ser o homem certo no lugar certo, o da Educação, essa ferramenta
essencial para que se fabriquem os robots que hão-de servir os generosos
negócios da especulacia neoliberal.
Lembrei-me do cavalheiro que sonha criar uma elite de lusos
cavaleiros educados em colégios enobrecidos pela tradição britânica do século
XIX, que ainda hoje deve ser o que era, devido à notícia elogiada pelo
nacional-propagandismo à portuguesa: ele “abateu”, de uma penada, 11 mil
professores ao activo.
Acho o verbo “abater” aplicado de uma maneira esplêndida e
inspirada ao acontecimento, fuzilamentos tiro-a-tiro-certeiro, como é próprio
de alguém familiarizado com o rigor das matemáticas. Oxalá o megafone de turno
não venha a ter problemas com a escolha do termo.
Pensando bem, talvez “abater” tenha a ver não com um
fuzilamento massivo mas com a famosa dieta montada pelo governo do primeiro-ministro
de Portugal em exercício, no sentido de cortar as malfadadas “gorduras” do
Estado. Hoje em dia todos percebemos a importância das dietas para abater peso
e conhecemos o quão importante é apurá-las, principalmente a partir do momento
em que a Primavera desperta as forças da natureza, para que as silhuetas das
pessoas e, neste caso, a da sociedade, correspondam aos figurinos do
bem-parecer.
Pois nenhum governo em Portugal se esmerou tanto como o que
está prestes a finar-se para espremer o Estado de modo a libertar-se das
malditas gorduras. E se grande parte dos músculos foram atrás, também não é
novidade que os grandes esforços, como este o é, estão sujeitos aos compreensíveis
danos colaterais. E o ministro Crato ocupou-se da sua parte da tarefa com o
esmero instintivo que é próprio dos génios – uma genialidade que nele beneficia
da experiência adquirida na demonstração do teorema de que as extremas,
esquerda e direita são, afinal, uma e a mesma coisa - ele é a imagem viva
disso.
Onze mil professores eram, na
realidade, uma inadmissível prega de gordura num Estado moderno – o Estado
tendendo para zero – tal como o pretende o primeiro-ministro de Portugal ainda
em exercício. Aliás, a Educação é, em si mesma, uma temível gordura,
eventualmente até um abcesso vocacionado para inquietar a tão querida paz
social. Uma Educação que o seja, e para tal seriam necessários esses 11 mil
professores, provavelmente muitos mais, escolas públicas e estruturas
indispensáveis à formação de cidadãos conhecedores, cultos e intervenientes,
incomoda o governo ainda em exercício e, em especial, o ministro Crato. Se a
esses 11 mil professores corresponderem 50 mil seres humanos ou mais,
sobrevivendo com dificuldades acrescidas, paciência, azar deles, afinal as
reformas podem ser como as guerras, por isso estão sujeitas aos já falados
danos colaterais. Se a esses 11 mil professores correspondem mais escolas
públicas fechadas, mais alunos encavalitados em turmas sem condições para
funcionar, mais horários esclavagistas, mais anarquia e indisciplina, azar o
das escolas, professores, alunos e pais, não cabe ao Estado sustentar vícios.
Para lhes servir de escape, quiçá acolher alguns desses 11 mil professores já
despidos de quaisquer direitos, existem muitos e cada vez mais colégios
privados, que o Estado está pronto a subsidiar com os impostos de todos nós,
melhor dizendo os que sobrarem do pagamento da dívida que não terá fim, do
financiamento dos bancos recuperados e saldados a preços de uva mijona. É para
isso que o Estado existe, e só por isso o Estado não é reduzido à situação
ideal de conjunto vazio. Afinal, educar não é mais do que criar autómatos para
emigrarem ou para enfileirarem na linha de produção de lucros e mordomias da
meia dúzia de especuladores e negociantes salafrários a quem o Estado serve.
Onze mil professores “abatidos”
pelo ministro Crato? Qual é o problema? Afinal não passam de 11 mil seres
humanos sacrificados na guerra a essa gordura letal que é a Educação.
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