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domingo, 30 de agosto de 2015

A EDUCAÇÃO É UMA GORDURA LETAL


 
Como génio das matemáticas que dizem ser, o ministro Crato só pode ser o homem certo no lugar certo, o da Educação, essa ferramenta essencial para que se fabriquem os robots que hão-de servir os generosos negócios da especulacia neoliberal.
Lembrei-me do cavalheiro que sonha criar uma elite de lusos cavaleiros educados em colégios enobrecidos pela tradição britânica do século XIX, que ainda hoje deve ser o que era, devido à notícia elogiada pelo nacional-propagandismo à portuguesa: ele “abateu”, de uma penada, 11 mil professores ao activo.
Acho o verbo “abater” aplicado de uma maneira esplêndida e inspirada ao acontecimento, fuzilamentos tiro-a-tiro-certeiro, como é próprio de alguém familiarizado com o rigor das matemáticas. Oxalá o megafone de turno não venha a ter problemas com a escolha do termo.
Pensando bem, talvez “abater” tenha a ver não com um fuzilamento massivo mas com a famosa dieta montada pelo governo do primeiro-ministro de Portugal em exercício, no sentido de cortar as malfadadas “gorduras” do Estado. Hoje em dia todos percebemos a importância das dietas para abater peso e conhecemos o quão importante é apurá-las, principalmente a partir do momento em que a Primavera desperta as forças da natureza, para que as silhuetas das pessoas e, neste caso, a da sociedade, correspondam aos figurinos do bem-parecer.
Pois nenhum governo em Portugal se esmerou tanto como o que está prestes a finar-se para espremer o Estado de modo a libertar-se das malditas gorduras. E se grande parte dos músculos foram atrás, também não é novidade que os grandes esforços, como este o é, estão sujeitos aos compreensíveis danos colaterais. E o ministro Crato ocupou-se da sua parte da tarefa com o esmero instintivo que é próprio dos génios – uma genialidade que nele beneficia da experiência adquirida na demonstração do teorema de que as extremas, esquerda e direita são, afinal, uma e a mesma coisa - ele é a imagem viva disso.
Onze mil professores eram, na realidade, uma inadmissível prega de gordura num Estado moderno – o Estado tendendo para zero – tal como o pretende o primeiro-ministro de Portugal ainda em exercício. Aliás, a Educação é, em si mesma, uma temível gordura, eventualmente até um abcesso vocacionado para inquietar a tão querida paz social. Uma Educação que o seja, e para tal seriam necessários esses 11 mil professores, provavelmente muitos mais, escolas públicas e estruturas indispensáveis à formação de cidadãos conhecedores, cultos e intervenientes, incomoda o governo ainda em exercício e, em especial, o ministro Crato. Se a esses 11 mil professores corresponderem 50 mil seres humanos ou mais, sobrevivendo com dificuldades acrescidas, paciência, azar deles, afinal as reformas podem ser como as guerras, por isso estão sujeitas aos já falados danos colaterais. Se a esses 11 mil professores correspondem mais escolas públicas fechadas, mais alunos encavalitados em turmas sem condições para funcionar, mais horários esclavagistas, mais anarquia e indisciplina, azar o das escolas, professores, alunos e pais, não cabe ao Estado sustentar vícios. Para lhes servir de escape, quiçá acolher alguns desses 11 mil professores já despidos de quaisquer direitos, existem muitos e cada vez mais colégios privados, que o Estado está pronto a subsidiar com os impostos de todos nós, melhor dizendo os que sobrarem do pagamento da dívida que não terá fim, do financiamento dos bancos recuperados e saldados a preços de uva mijona. É para isso que o Estado existe, e só por isso o Estado não é reduzido à situação ideal de conjunto vazio. Afinal, educar não é mais do que criar autómatos para emigrarem ou para enfileirarem na linha de produção de lucros e mordomias da meia dúzia de especuladores e negociantes salafrários a quem o Estado serve.
Onze mil professores “abatidos” pelo ministro Crato? Qual é o problema? Afinal não passam de 11 mil seres humanos sacrificados na guerra a essa gordura letal que é a Educação.
 

 

 

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