Antes que a realidade dos números seja pasto das análises e
da torrente de futurologia que aí vem, vamos aos factos que é fundamental reter
desta lição que os gregos e o seu governo deram a toda a Europa.
A geração actual dos gregos mostrou ser digna da herança
deixada há mais de 75 anos pela resistência aos invasores alemães. O povo grego
não disse apenas não à austeridade, disse não à subserviência, aos governos de
protectorado estrangeiro e à troika. E fá-lo pela segunda vez em seis meses,
para que não restem dúvidas.
O fosso entre o não e o sim, entre a dignidade e a subserviência,
é tanto mais admirável quanto é certo ter sido cavado perante uma poderosíssima
campanha de intimidação, terror e mentira com que a Grécia foi bombardeada
desde que foi anunciado o referendo. Os gregos não se limitaram a ser dignos e
a ter vontade própria. Foram lúcidos e, sobretudo, muito corajosos frente a
práticas que decorrem de mentalidades terroristas.
Os dirigentes da União Europeia têm-se escudado numa suposta
legitimidade democrática argumentando que além de não haver alternativa à
austeridade ela é compreendida pelos povos dos Estados membros. O castelo de
cartas da propaganda ruiu.
Uma das circunstâncias que provavelmente inquieta neste momento a clique que manobras as instituições europeias é o facto de este referendo não ter volta. Até agora, sempre que uma consulta popular no espaço europeu tinha um resultado contrário ao pretendido por Bruxelas repetia-se as vezes necessárias até que os números fossem satisfatórios. Foi assim na Holanda, em França, na Irlanda, onde os governos alinharam nessas mascaradas de democracia. Na Grécia não vai ser assim: o povo decidiu, está decidido.
O que os gregos cometeram nesta jornada memorável no
espaço europeu foi o acto heróico de reabilitar a democracia como instrumento
contra a viciação austeritária. Fica muito bem terem sido os gregos a fazê-lo. Além
da simbologia que traduz, é a mensagem de esperança que o povo mais sacrificado
pela crueldade dos especuladores financeiros envia a todas as outras vítimas da
mesma tragédia.
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