Todos e qualquer um dos envolvidos na chamada “maratona
negocial” de Bruxelas – se é que aquilo teve alguma coisa de negocial – podem reclamar
o seu pedacinho de “acordo”, até a paternidade do êxito, como faz o primeiro
ministro de Portugal em exercício, mas o mais fácil de tudo é identificar as
vítimas: os gregos e, com eles, todos os povos da Europa.
Em bicos de pés, à deriva como sempre, Hollande ufana-se de
ter driblado a estratégia alemã de expulsar a Grécia do Euro; Tsipras, que vai
ter de explicar a quase dois terços dos gregos que disseram não à troika e à
austeridade porque é que eles vão continuar a receber visitas da troika para os
esmagar com a austeridade, argumenta que foram derrotados os intentos das
forças mais conservadoras da Europa; Tusk, Juncker, Djesselbloem e companhia
dirão o que muito bem lhes apetecer por tudo lhes ser permitido.
A senhora Merkel, porém, limita-se a dizer que a Grécia “ainda
tem um longo caminho a percorrer” para que o acordo se transforme em nova ajuda
envenenada que garantirá mais recessão em cima dos 25% já acumulados – o
diagnóstico é feito pelo insuspeito canal Bloomberg.
O senhor Schauble, esse conserva o sábio silêncio dos
vencedores. Os mercados respiram aliviados, as bolsas navegam em euforia, os
credores afinam as contas à luz das novas operações especulativas que aí vêm. O
senhor Schauble pode gozar o triunfo em silêncio, os factos falam por ele, o IV
Reich venceu um duro teste e, por isso, sai dele mais reforçado.
A Alemanha pretendia a saída da Grécia da Zona Euro e não o
conseguiu? É meia verdade. A saída seria a situação limite no caso de o governo
grego manter as exigências que começou por apresentar; Berlim, porém, não
desejava a saída pela saída. Esta funcionaria como um castigo exemplar para um
caso de persistente rebeldia, mas tornar-se-ia desnecessária se essa atitude se
desvanecesse através dos processos de chantagem a que as instituições e
dirigentes europeus chamam “negociação”.
Como o governo grego cedeu, e permite até que o processo de
privatização do país seja, um quarto de século depois, uma réplica da
liquidação da RDA, pode evitar-se a saída do país do Euro e as concomitantes
perturbações nos mercados. O exemplo para os eventuais recalcitrantes ficou
dado, a par da demonstração de que não há alternativa à austeridade e à
liquidação sistemática dos direitos sociais, laborais e humanos. Perfeito.
Reina agora a paz no IV Reich. A experiência de um governo
fora do arco da governação, como a que foi tentada na Grécia, está em
frangalhos meio ano depois; a troika continua viva e de boa saúde para que os
credores recebam tudo a que têm e não têm direito; as dívidas soberanas,
impossíveis de pagar, poderão ultrapassar em breve os 200% dos PIB – o que não
será difícil com a acelerada degradação destes – pelo que os especuladores
exultam. A senhora Merkel necessitou de apenas meia dúzia de horas para reencontrar
a moeda de “confiança” que alegou ter perdido antes da reunião fatal para os
gregos. E para que o fundo de garantia da “ajuda” à Grécia construído a partir
das privatizações do que ainda resta no país não descarrile, por detrás da
ideia e da execução estão instituições financeiras alemãs tituladas por gente
idónea como o senhor Schauble e o senhor Sigmar Gabriel, o chefe dos sociais-
democratas, aliás os inventores da engenhosa estratégia de privatização da RDA.
Alguns ingénuos poderão interrogar-se: mas por onde andam a
democracia, a vontade dos povos, no meio disto tudo? A resposta é simples: o IV
Reich, como os anteriores, não se orienta pelos ideais democráticos mas sim
pelo respeito dos genuínos interesses alemães, na Alemanha e em toda a parte.
Assim nasceram duas guerras mundiais, sem que tenha
desaparecido a arrogância germânica, enquanto vai crescendo a sede de vingança.
Realidade que se percebe na ânsia não apenas de derrotar os mais fracos, mas
também de os humilhar.
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